[TEXTO] Moisés Regalado
Os primeiros 20 segundos de “Actual Proof”, faixa que dá título ao álbum (ou será o contrário?), chegam para que se tenha uma ideia do que aí vem. O sample introdutório, ainda sem cortes, remete imediatamente para a voz grave com que DJ Premier se destaca em alguns dos seus interlúdios mais icónicos. A entrada do drum kit de Phoniks mete as cartas na mesa e as palavras de Awon ajudam a revelar o jogo.
“Byters and beatmakers who can’t produce” não são bem-vindos, ficando claro desde o primeiro verso que este é um disco para quem “cospe” “gangsta shit on designer mics”. Só que esse universo não é tema recorrente na poesia de Awon, apesar de relatar as “Crime Stories” que lhe são familiares com a mesma destreza e clarividência que apresenta em temas de amor ou estilo livre. A dicotomia não é fruto do acaso nem desprovida de intenção, ficando isso patente em “Brutal & Beautiful”, belíssima colaboração entre Awon, Skyzoo e, claro está, Phoniks.
A facilidade com que as palavras do MC de Nova Iorque chegam a este lado da barricada também é mérito do seu produtor e afiliado. Phoniks é nativo de Portland, cidade em que mantém a própria editora, mas também carrega consigo a sonoridade da East Coast. Há espaço para influências jamaicanas, toques de soul com fartura e o scratch, técnica cada vez mais afastada da música mainstream, é elemento presente em quase todos os refrões deste trabalho — quando assim não acontece, são os samples vocais a assumir a função. Ao seu lado, Awon destaca-se como um contador de histórias que nunca abandona a postura de MC.
É com a acutilância das suas frases, numa abordagem linha a linha e quase sempre em formato egotrip ou punchline, que o rapper projecta as imagens com que polvilha os loops, existindo pouco espaço para enredos com princípio, meio e fim ou para textos assumidamente narrativos. E nada contra, até porque Awon, está visto, é perito a debitar rimas em catadupa sem perder o fio da meada. A subtileza com que fala do passado, sem o peso da saudade na voz, ou a naturalidade com que escreve sobre álcool e drogas, longe da glorificação ou da condenação, ajudam a reconhecê-lo como alguém que sabe o que faz.
Não deixa de ser impressionante que um disco assumidamente boom bap, sem qualquer tipo de desvio pop ou alternativo, soe tão bem e, sobretudo, tão fresco e diferente, como se tudo fosse novo. Como se as referências culturais, presentes ou passadas, pouco significassem na hora de criar música. Se nada disso parece importar, talvez seja verdade que não importa mesmo, como tão bem mostraram Phoniks e Awon em The Actual Proof, terceiro LP do seu percurso em conjunto e sério candidato a melhor álbum independente de 2018.