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Publicado a: 16/03/2018

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august greene nota

[TEXTO] Manuel Rodrigues

O sucesso de um supergrupo não depende apenas da soma do potencial dos seus membros constituintes. É também preciso que essa forças trabalhem entre si com benefício mútuo numa reacção quase simbiótica. O que não faltam por aí são casos de constelações que não reflectem o brilho de todas as estrelas envolvidas. No caso dos August Greene, colectivo do qual fazem parte o rapper Common, o pianista Robert Glasper e o baterista Karriem Riggins, a história é outra. Para além de trabalharem em conjunto há já algum tempo, Common, o cabecilha deste trio, tem na sua bagagem um invejável histórico de colaborações com artistas de outras áreas que não apenas o hip hop, como servem de exemplo Jill Scott, Pharrell Williams, Erykah Badu e, claro, a participação em “Wake Up Everybody”, um magnífico tema que junta o rapper a John Legend e aos lendários The Roots. No que a géneros diz respeito, Common tem uma dinâmica transfronteiriça.

Os August Greene são uma experiência musical bem sucedida. Ao longo dos onze temas que compõem o álbum de estreia homónimo, são vários os momentos em que os talentos de Robert Glasper, Karriem Riggins e Lonnie Rashid Lynn (o nome que surge na cédula de nascimento de Common) se unem numa receita musical de valor acrescentado para os ouvidos. Os instrumentos casam entre si na perfeição e estendem a passadeira vermelha a um conjunto de estrofes que, mais do se prenderem em questões meramente técnicas, vão ao encontro de histórias e vivências na primeira e terceira pessoa, ou não estivéssemos nós perante um dos maiores e mais respeitados storytellers do hip hop, autor do clássico “I Used To Love H.E.R.”. Common faz parte de um clube de poetas nobres que se recusa a banalizar o universo da palavra, procurando sempre utilizá-la de forma consciente e com uma missão positiva.

 



De um ponto de vista estético, o álbum de estreia dos August Greene explora uma textura “ao vivo”, quase como se tivesse sido gravado numa sala de estúdio em formato jam session, à imagem daquilo que nos é possível testemunhar num dos vídeos do programa Tiny Desk Concert da NPR Music, no Youtube, no qual o trio se faz acompanhar do baixista Burniss Travis, da voz de Samora Pinderhughes e dos pratos de DJ Dummy para um concerto que conta ainda com as participações de Maimouna Youssef (“Practice”), Brandy (“Optimistic”, tema que recupera um clássico dos Sounds of Blackness, de 1991) e Andra Day (“Stand Up For Something”). A ideia deste concerto, como o próprio Common explica logo no início do vídeo, é trazer as mulheres para primeiro plano (Maimouna, Andra e Brandy são as personagens principais deste episódio musical), como forma de sublinhar a importância da igualdade de géneros. Mais uma vez, Common a não desperdiçar a possibilidade de intervir socialmente.

Foi precisamente a partir de uma sessão Tiny Desk Music, na Casa Branca, em pleno mandato de Barack Obama (como não podia deixar de ser), que os August Greene se formaram. Robert Glasper e Karriem Riggins acompanharam o rapper na sua apresentação ao vivo num dos maiores símbolos do governo norte-americano e, no rescaldo dessa experiência, decidiram formar um grupo e lançar um álbum que, não tendo uma mensagem exclusivamente política, explora esse assunto em alguns dos seus pontos fulcrais. Tome-se o exemplo de “Black Kennedy”, o mais recente single do álbum, ao longo do qual Common descreve o sonho de uma dinastia política negra no seguimento da realidade alcançada pelo presidente que antecedeu Donald J. Trump. As palavras são bem claras: “had our first black prez, I’ma be the sequel”. Analisando toda a obra do rapper de Chicago (o ideais e valores que defende, a própria visão que tem em torno de uma sociedade com igualdade de direitos), resta-nos rezar para que o tema “Black Kennedy” seja, mais do que um sonho, uma premonição.

 


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