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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 25/11/2016

blisters é o EP de estreia com o nome artístico serpentwithfeet.

A assombrosa espiritualidade que existe em serpentwithfeet

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 25/11/2016

Kanye West “vendeu” a ideia de que The Life Of Pablo iria ser um álbum de gospel, mentira facilmente detectada após a audição de “Ultralight Beam”, a única faixa que cumpre esses requisitos. Josiah Wise, que no seu EP mais recente assina como serpentwithfeet, conseguiu aproximar-se desse conceito que Yeezy imaginou, levando a canção de igreja – ou a ilusão do que seria esse mesmo som se saísse porta fora do edifício sagrado – a uma transcendência espiritual extrema a que poderíamos chamar de “gospel pagão”.



Classificando-se como um “antigo rapaz da igreja de Baltimore”, serpentwithfeet estreia-se pela Tri Angle Records, editora que nos dá a garantia de que iremos encontrar algo fora do comum antes mesmo de entrarmos dentro da cabeça/música do artista. Estudante de música clássica na Universidade de Artes de Filadélfia, as alterações drásticas na vida do cantor de 27 anos aconteceram depois da carta de Frank Ocean em 2012, levando a que procurasse a liberdade como homem negro e queer na cidade de Nova Iorque.

“blisters”, a faixa homónima do EP de estreia, é uma entrada que nos prepara para a sonoridade do artista: produção elegante e categórica do mago The Haxan Cloak a criar ligações íntimas com o último álbum de Björk, a voz única de Josiah com trejeitos muito próprios e letras de canções a cultivar o oculto na espiritualidade ou a auto-descoberta. “O Ecstasy do Exorcismo” para a Pitchfork ou o “Ocultista Tatuado” para o The Guardian, serpenwithfeet é exuberância, explosão, contenção e espiritualidade misturados numa bola de neve. A aparente contradição da mente humana vive em cada palavra da música de Wise, mas não é incoerência: é a vida retratada para alguém que cedo percebeu a incerteza de cada momento do nosso percurso.


“Forgiveness has not forgiven it /The darkness of leaves has come”


“four ethers”, terceira faixa no EP, é candidata a canção do ano: The Haxan Cloak “sampla” “Symphonie Fantastique”, de Berlioz, e cria um galopante instrumental que evoca a elegância da música clássica, dando espaço a serpentwithfeet para um desempenho vocal acima da média. Uma assombrosa interpretação que, recentemente, teve direito a vídeo, também ele tenebroso, para sustentar a afirmação com que começámos este parágrafo.

Suicide e Heaven são duas das tatuagens que tem tingidas no corpo e, como comprova a sua música, formam um duelo interno que se reflecte na sua sonoridade. A dor e a procura pelo seu lugar foram uma constante na sua vida: “A primeira coisa que fazia era ler. É importante ter a consciência que todas as mulheres negras à minha volta educavam-se rodeadas pelas suas ‘irmãs’ sempre que alguma delas estaria a sofrer com alguma coisa. Maior parte dos meus amigos na altura eram mulheres negras ou intersexuais que se identificavam como feministas. Eu aprendi a amar-me enquanto olhava para eles. Quando estás magoado, não saltas de uma ponte: tu lês e tu cantas e tu falas e tu choras e brincas com a tua vagina ou lá o que seja. Tu tentas perceber”, contou à revista digital Pitchfork.

A aproximar-nos da época natalícia, Josiah Wise é o Natal que Mariah Carey ou Michael Bublé não vos podem dar: verdadeiro sofrimento, obscenidade sem adereços nem enganos capitalistas – só uma voz incrível e uma vontade de tornar-nos tão devotos da sua palavra que passamos a ignorar o que está à nossa volta, engolidos pela emancipação que canta.


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