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Publicado a: 16/03/2016

As históricas fotos dos N.W.A., o homem que as tirou, e a sua ligação a Portugal

Publicado a: 16/03/2016

[TEXTO] Nelson Ferreira [FOTOS] Ithaka Darin Pappas (Tack Artist Group)

A 8 de abril de 2016 o hip hop viverá um novo momento histórico com a entrada dos N.W.A. (Niggaz Wit Attitudes ) no Rock and Roll Hall Of Fame. A banda é apenas a quinta do mundo do rap a entrar na “instituição” depois de Grandmaster Flash, Run DMC, Beastie Boys e Public Enemy.

Recentemente, e muito por culpa de Kendrick Lamar e do filme Straight Outta Compton (que não teve distribuição em Portugal), alguns de nós descobrimos a cidade de Compton e todo o ambiente urbano/social/cultural que influenciaram o novo prodígio do género. Um ambiente para o qual o mundo já tinha olhado em 1988 quando saiu Straight Outta Compton, o disco de estreia dos N.W.A. E, “ninguém no mundo fotografou mais vezes a banda” de Dr. Dre, Ice Cube, Eazy-E, Arabian Prince, Dj Yella e MC Ren do que Íthaka, aka Darin Pappas.

Íthaka vive actualmente na Cidade do México, “segunda melhor cidade do mundo depois de Lisboa”, segundo o próprio. Entre 1992 e 1998 vagueou entre o Bairro Alto e Oeiras, surfou as ondas nacionais e gravou discos que nos deixaram temas como “Seabra is Mad” ou “N’Portugal”.

Além de músico, Íthaka é artista plástico, mas antes de tudo isso foi fotógrafo, e o seu primeiro emprego a sério foi na Priority Records, editora de Easy-E e dos N.W.A. “Na altura estava numa onda de retratos. Comecei a fotografar cedo, por gosto, e pontualmente fazia trabalhos para revistas de skating, produções de moda e alguns músicos e actores. Mas o retrato era o meu género favorito (…) Quando consegui o emprego na Priority, os N.W.A. eram basicamente o meu único trabalho e no início as condições eram complicadas. Muitas das sessões foram feitas em bairros problemáticos. Na altura o ambiente dos gangs passava-me um bocado ao lado, mas houve situações em que tivemos mesmo de mudar de local porque começavam a circular por ali tipos armados e… agora que penso melhor, aquilo foi intenso”.

As fotos de Íthaka com os N.W.A. ganharam importância e um novo fôlego nos últimos meses muito por culpa da revista Blitz. “Acho que Miguel Cadete (director da Blitz) deve ter visto alguma coisa que postei no Facebook e contactou-me para fazer a peça para a Blitz. Estas fotos não eram publicadas há mesmo muitos anos e desde então tenho tido muitas solicitações para esse material, Rolling Stone, Q Magazine… Algumas ainda estou a tentar reaver. A Priority foi comprada pela Capitol Records e depois a Universal comprou a Capitol. Fiquei longe da fonte, mas já descobri o armazém onde esses negativos estão guardados e estou a tentar chegar a eles porque tenho direitos de autor sobre essas imagens.”

Foram mais de 20 sessões de fotos com os N.W.A, com orçamentos muito baixos ou mesmo inexistentes. A própria banda estava ainda numa fase da carreira onde tudo o que ganhava era gasto em digressões. De todas essas fotos há no entanto uma que Íthaka considera icónica. “Foi tirada no meu apartamento. Eles não eram fáceis de fotografar. Quase sempre estavam de óculos de sol e o Dr. Dre raramente olhava para a câmara. Ele tinha um pouco a postura do produtor que, pelo estatuto, não tem de dar a cara. É estranho porque do grupo ele foi o que se tornou na estrela maior. Ainda assim, nessa foto em particular, estão todos sem óculos e a olhar directamente para a lente.”


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Mas há muitas outras fotos que continuam a ser recuperadas por Íthaka, para delícia dos seus seguidores nas redes sociais. “Há dias encontrei uma foto do Eazy-E a andar de skate em Venice Beach. Naquela altura o skate não era uma cena da comunidade hip hop, era uma cena de brancos. Postei aquilo no Instagram… e, bem… foi a loucura dos likes. Pela pesquisa que fiz é a única foto no mundo do Eazy-E em cima de uma prancha de skate”. Trata-se de uma foto datada de 1989 onde vemos o já falecido membro dos N.W.A. em cima da tábua a usar um colete à prova de bala e a calçar umas Nike Air Jordan. Esta e outras imagens vão estar no livro de fotografia de Íthaka, Beyond South Central (1988-1991), com uma série de fotos inéditas do “extenso arquivo” de imagens dos NWA.


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Straight Outta Compton, o filme, facturou mais de 200 milhões de dólares em 2015. O retrato da alucinante carreira da banda dominou o box office norte-americano durante todo o mês de agosto e na semana de estreia foi também o mais visto em Inglaterra e Alemanha. Íthaka já viu o filme duas vezes e afirma que é um retrato bem preciso. “É incrivelmente real. Por ser uma história que me é muito próxima, eu achava que eles iriam, ou exagerar, ou suavizar aqueles acontecimentos. Mas aquilo está muito verdadeiro. Eu cheguei a dar por mim a olhar para o Jason Mitchell e ver claramente o Eazy-E. Ele está incrível. É um grande filme.”

Íthaka foi entretanto convidado para a gala do próximo dia 8 de Abril e confessa-nos que há projectos na calha com o Museu do Rock and Roll Hall of Fame e com a HBO para um documentário. Kendrick Lamar vai fazer o discurso de introdução da banda neste “passeio da fama”.



 

[Íthaka, o nómada multifacetado]

O autor das agora históricas fotos dos N.W.A. é o exemplo perfeito do cidadão mundo. Nasceu na Califórnia mas já viveu em África, Portugal, Grécia, Brasil e Japão. Actualmente vive na Cidade do México e é por lá que continua a desenvolver trabalhos que vão da fotografia à escultura, passando pela música e pelo activismo ambiental. “Quando saí de Portugal fui para o Brasil. Vivi uns tempos em São Paulo e ainda tenho uma propriedade na mata atlântica, no interior do estado de São Paulo. Um dos meus últimos projectos foi uma exposição que fiz o ano passado em Santa Ana com esculturas baseadas em insectos raros da Amazónia e da Mata Atlântica.”

A ligação ao planeta já era nossa conhecida. Durante o período em que esteve em Portugal o surf sempre foi uma marca muito visível do seu trabalho, e ainda continua a ser. “Continuo a surfar claro, para onde quer que vá a prancha está sempre presente.”

Os seis anos que viveu por cá foram dos mais marcantes. “Desde que deixei Portugal já lá voltei talvez 20 vezes. Ainda há dois anos passei uma temporada nos Açores. É o país onde mantenho mais amigos.” Em Portugal Íthaka gravou dois discos: Flowers and the Color of Paint e Stellafly, além de ter colaborado com vários artistas. Entre essas colaborações talvez a mais mediática tenha sido com os Underground Sound Of Lisbon, de Tó Pereira e Rui da Silva, no tema “So Get Up”, com letras e voz do próprio.

Quanto a um regresso, está marcado para breve. “Vou voltar aí em Junho. Tenho um projecto com a galeria WOA de Cascais. Um evento de surf art e ambiente que vai acontecer na Ericiera com jam sessions, acções para a limpeza do oceano com as crianças de lá. E também tenho uma pequena linha de roupa de surf baseada nos meus desenhos e nas minhas letras de canções. A marca chama-se Akahti e está à venda na Xen&Co Surf Shop na Malveira da Serra.”

E mesmo na música, Íthaka continua atento às movimentações nacionais. “Tenho falado com o produtor Beat Laden, ainda falo com o General D e com o Boss AC. Não há país no mundo onde conheça tanto gente como em Portugal. O tipo de experiência que vivi aí foi intensa. Mesmo geograficamente foi incrível. Vivi no Bairro Alto e em Oeiras. Fiz montes de amigos para a vida em Portugal.”

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