Art Neville, membro fundador dos históricos Meters e também dos Neville Brothers, verdadeiras instituições soul-funk americanas nascidas em Nova Orleães, morreu aos 81 anos. Kent Sorrell, manager de Art Neville há muitos anos, confirmou a notícia à revista norte-americana
Rolling Stone: “Foi pacífica. Ele faleceu em casa com a sua adorada mulher Lorraine ao seu lado. Ele tocou por todo o mundo muitas vezes, mas voltou sempre para casa, em Valence Street”.
Os álbuns que os Meters lançaram entre 1969 e 1977 são incontornáveis marcos na história musical americana e verdadeiras pérolas da essencial discografia funk, fonte de inúmeros samples para artistas tão diversos quanto Aaliyah e Amerie, 2Pac, Gang Starr, A Tribe Called Quest, Ice Cube, N.W.A. ou,
entre tantos outros, Public Enemy, prova de que o hip hop bebeu abundantemente na música que Art, juntamente com o irmão Cyrill e ainda o baixista George Porter, Jr., o baterista Zigaboo Modeliste e o guitarrista Leo Nocentelli criaram como Meters.
Além de editarem fundamentais álbuns como
Look-Ka Py Py (1969),
Struttin’ (1970), ou
Fire on the Bayou (1975), os Meters funcionaram ainda como banda de suporte de artistas como Lee Dorsey, Professor Longhair, Dr. John — que faleceu no passado mês de Junho –, Robert Palmer ou Allen Toussaint, tendo por isso mesmo uma discografia ainda mais alargada. As inovações rítmicas dos Meters, que incorporaram na sua leitura do r&b americano a tradição singular da
second line de Nova Orleães (os ritmos tocados pelas populares
marching bands da cidade e que são um dos pilares da música aí originada, do jazz ao rhythm and blues), ombreiam com as que foram preconizadas por James Brown e revelaram-se, por isso mesmo, tremendamente influentes em toda a música negra urbana criada da década de 70 em diante. Os Meters foram agraciados em 2018 com um Grammy em reconhecimento da sua brilhante carreira.
Pianista, Art Neville depois juntou forças com os irmãos Cyril, Aaron, Charles e Ivan na criação dos Neville Brothers, em 1977. A raiz do grupo foi a gravação do álbum dos Wild Tchoupitoulas, grupo do Big Chief Jolly, tio dos irmãos Neville, de seu verdadeiro nome George Landry. Os Wild Tchoupitoulas são uma manifestação da tradição particular do Mardi Gras de Nova Orleães, em que várias trupes se mascaram de índios assumindo fantasiosas identidades tribais — neste caso os Tchoupitoulas… — de forma a celebrarem o Carnaval.
Os Neville Brothers recriaram de certa forma o álbum dos Meters
Fire on The Bayou quando editaram o similarmente titulado
Fiyo on The Bayou em 1981, álbum em que participou uma então muito jovem Whitney Houston, ao lado da sua mãe, Cissy. Entre 1978 e 2004, a banda editou 10 álbuns, tendo sido bastas vezes aclamada pela crítica e celebrada como uma verdadeira instituição de Nova Orleães.
Art Neville nunca editou álbuns em nome próprio, mas antes da criação dos Meters, logo em 1957, lançou o seu single de estreia, “The Whiffenpoof Song”, tendo editado vários outros temas nesse formato até à estreia dos Meters, em 1969. Foram, portanto, mais de seis décadas de história musical para Art Neville.
Numa entrevista citada no obituário da Rolling Stone, Art Neville explicou que nunca pensou abandonar a música durante todo esse tempo e que sempre teve uma cândida aceitação dos altos e baixcos de uma carreira tão longa: “Podem levar-me de ambulância, carregar-me para cima do palco… dêem-me um microfone, um espelho para ver as pessoas… Tenho feito isto toda a minha vida. Adoro isto. Mesmo as partes más, as partes de que eu não gostei… Acho que percebi que é assim mesmo que as coisas acontecem às vezes. Temos que as aceitar”.