É já amanhã que tem início o Sacode Poeira, um encontro vibrante que pretende celebrar a cultura africana através de diversas iniciativas ao longo de três dias. A SMUP, na Parede, é o local escolhido para receber este evento criado pela Filho Único, cujos bilhetes diários estão à venda por 5€ (os sócios da SMUP têm um desconto de 1€, aplicado exclusivamente à entrada na sala).
Depois de termos dado a conhecer a iniciativa por cá em Abril passado, reforçamos a urgência do evento ao fazer ecoar os comentários de dois dos envolvidos na programação. O primeiro é Kiluanje Liberdade, responsável pela escolha do filme La Haine para ser exibido no arranque do último dia desta festa, 11 de Maio, pelas 15 horas. O realizador angolano, autor da curta-metragem documental O Rap É Uma Arma (1996) e co-autor de vários outros documentários focados na cultura urbana e na sociedade, explicou ao Rimas e Batidas o motivo que o levou a recuperar o clássico do cinema francês de 1995 para este Sacode Poeira:
“Entre o céu e o inferno, talvez estejam os bairros periféricos dos países europeus. La Haine, em apenas uma hora e meia, nos faz viver de dentro para fora uma realidade urbana francesa — que poderia muito bem ser portuguesa. Classificado como drama criminal e suspense, talvez este filme não tivesse o título que tem se o seu autor soubesse que, trinta anos após sua estreia, ainda seria uma visão atualizada do que há de mais expressivo nas periferias dos centros urbanos: a criatividade que emerge do encontro multicultural. Por coincidência ou não, a exibição massiva de La Haine despertou-nos para diversos objetos artísticos e comerciais com representações semelhantes, remetendo-nos ao universo criado por Mathieu Kassovitz. É o caso do incrível espetáculo de dança Iets op Bach (1998), do coreógrafo e cineasta Alain Platel, ou mesmo de produções de moda de marcas como a Gucci. Certo é que, três décadas depois, La Haine continua a carregar uma potente carga social, com o poder ambíguo de nos atrair e repugnar. Ainda assim, permanece como uma poderosa fonte de inspiração.”
Quem também prestou declarações à nossa publicação foi Nael D’Almeida, uma mediadora intercultural licenciada em psicologia que também tem ligações às áreas do management e da produção artística, tendo trabalhado, por exemplo, com Tristany Mundu. Portuguesa de origens angolanas, faz também parte do colectivo Mulheres Negras Escurecidas e ajudou a edificar a KUBATA, uma casa de potencialização artística na Linha de Sintra. É ela quem vai mediar o debate que marca o início da segunda jornada deste evento, dia 10 de Maio, no qual participam Alcides Nascimento, Ana José Charrua e Chalo Correia. Ao ReB, Nael explica quais as temáticas que serão passadas em revista durante essa troca de ideias:
“Sacode Poeira, parece-me querer trazer para o palco artistas que têm sido colocados sistematicamente nas margens, pelos seus contextos de imigração e racialização, mas também pela dificuldade desses artistas entrarem no circuito das indústrias musicais. Quando pensamos em democracia, é fundamental pensarmos no contributo dos povos africanos para o início da revolução e o fim da ditadura em Portugal. Da mesma forma que, hoje, quando pensamos nas sonoridades portuguesas, devemos pensar no contributo essencial dos sons africanos trazidos em contexto de imigração e recriados em contexto de diáspora, que impactam a música portuguesa. A conversa terá como premissa celebrar a caminhada desses músicos e agentes culturais, sublinhando os desafios, refletindo o passado para a imaginação de um futuro radicalmente diferente.”
Além destes dois conteúdos programáticos, o Sacode Poeira servirá também de palco para diferentes actuações musicais e experiências gastronómicas. Podem conhecer o cartaz completo na imagem abaixo.