LP / CD / Cassete / Digital

Arlo Parks

Collapsed In Sunbeams

Transgressive Records / 2021

Texto de Gonçalo Oliveira

Publicado a: 30/12/2021

pub

O mundo era um sítio bem diferente quando, há três anos, Arlo Parks surgiu com “Cola“. Apesar de ter passado despercebida nos canais da especialidade, a verdade é que a canção de estreia da cantora do Sul de Londres não se pôde queixar de falta de tracção nas plataformas digitais. Não faltavam pessoas a escutá-la, mas talvez estivessem todas demasiado focadas na sua felicidade para despenderem de alguns minutos e colocarem-se na pele da jovem artista para partilharem as suas dores. Em 2019 saíam os EPs Super Sad Generation e Sophie e a tendência mantinha-se: números sólidos nos contadores de plays e uma ausência contínua do nome de Arlo Parks nas publicações sobre música.

Em 2020 o quadro mudaria de figura. O singleEugene” aterrava na Internet a poucas semanas do primeiro grande confinamento à escala global. A imagem de podermos estar entregues a nós próprios, deitados numa cama ou num sofá a meditar, passou a fazer parte dos nossos quotidianos. Por outro lado, parece ter deixado de existir a necessidade de escondermos os nossos sentimentos por estarmos todos no mesmo barco. Passámos a falar abertamente sobre a infelicidade e o desgosto causados por este “novo normal” e, à boleia disso, veio também à tona o que já nos atormentava antes.

Posto isto, não era de uma pandemia que a música de Arlo Parks precisava mas, sim, de uma raça humana mais empática, capaz de entender o sofrimento dos outros, de se colocar na pele de quem está do outro lado e, acima de tudo, de não ter receio de expor os problemas que possam estar a gerar algum mau estar. Para alguém como Anaïs Marinho — uma jovem adulta negra de 21 anos, bissexual e com uma sensibilidade notável para abordar temas de difícil digestão — vingar neste meio só seria possível graças ao único sintoma provocado pelo vírus que realmente importa: essa dose adicional de empatia que vai nutrindo em cada um de nós nestes tempos de maior incerteza.

Com uma base musical assente na soul e no r&b e uma total clareza mental que lhe permite abordar temáticas mais frias, é fácil imaginarmos esta nova voz da pop britânica como sendo o ponto onde as linhagens de Amy Winehouse, Michael Kiwanuka e Thom Yorke confluem em total harmonia. Podemos até olhar para a estética de Arlo Parks como se fosse uma espécie de reencarnação negra do grunge, fruto de uma realidade demasiado dura para ser vista como um produto mainstream, e, ao mesmo tempo, manifestar-se num agradável misto entre doçura e melancolia, algo que também não permite que a sua arte esteja confinada às prateleiras onde ficaram esquecidos os mais celebrados nomes da música hoje considerada obscura.

É nestes parâmetros que assenta o choque com a realidade que é Collapsed In Sunbeams, o álbum de estreia editado em Janeiro último e cuja promoção havia arrancado no ano anterior precisamente com esse “Eugene”. De modo a tornar a campanha da sua promoção o mais infalível possível, Parks esteve especialmente activa no YouTube, o local da esfera digital por onde foi partilhando inúmeras interpretações ao vivo de temas seus e também versões para canções de Radiohead ou The xx, intercaladas por outros quatro avanços referentes ao seu LP de apresentação. A gerir a produção desse disco estiveram Gianluca Buccellati, seu habitual parceiro desde o primeiro lançamento, e ainda Paul Epworth, um nome já mais conceituado dentro da indústria e que já havia feito “magia” ao lado de Adele, Jorja Smith, Coldplay, FKA twigs ou Paul McCartney.

Entre o alcoolismo e as referências a Jai Paul de “Hurt” e a batida uplifting de acid-jazz transformada em canção triste e endereçada a alguém demasiado orgulhoso para se perder em amores sob o título “Too Good”, há uma faixa capaz de nos causar mais arrepios do que todas as outras: “I’d lick the grief right off your lips/ You do your eyes like Robert Smith” e “Just take your medicine and eat some food/ I would do anything to get you out your room” são dois dos versos mais marcantes de “Black Dog”, que estão apenas ao alcance daqueles que choraram na medida necessária para encher o tubo de tinta da caneta com as suas próprias lágrimas e que, se tivessem sido escritos três décadas antes, podiam muito bem ter sido entoadas pelas vozes de Chris Cornell e Eddie Vedder como potencial single inaugural do seminal Temple of the Dog.

Em Setembro deste ano, Collapsed In Sunbeams valeu a Arlo Parks o seu primeiro Mercury Prize, tirando o pão da boca a gente como SAULT, Nubya Garcia ou Floating Points & Pharoah Sanders na corrida pelo mais prestigiado prémio musical do Reino Unido. Nesse mesmo mês, à boleia da notícia, a cantora lançou também a reedição do álbum, que agora conta com um segundo disco no qual surgem alguns dos temas tocados ao vivo na rubrica lo fi lounge que conduziu para o YouTube.


pub

Últimos da categoria: Críticas

RBTV

Últimos artigos