Há precisamente 10 anos, em 2015, a exploratória e irrequieta Monster Jinx lançava um disco de um produtor novato e praticamente desconhecido. Pretochines tinha apenas 21 anos e apresentava-se com LOVV KEY, um EP de meia dúzia de faixas que misturava elementos de trap e boom bap, baile funk e bass music, entre outras texturas da música electrónica e ambiente.
Afinal, essa multiplicidade de sons reflectia as suas vivências: de raízes angolanas mas criado entre o Brasil e a Linha de Sintra, no circuito das festas de trap mas de fones a ouvir instrumentais baseados em samples de jazz ou soul, mais próximos dos padrões clássicos do hip hop norte-americano. Pretochines tinha começado a fazer as primeiras produções durante a adolescência, no oitavo ano de escola, iniciando-se no Fruity Loops e depois navegando por diferentes softwares.
Após se estrear pela Monster Jinx, acabaria por trocar de nome artístico para Xando (com o qual editou um EP enquadrado na box Cromática da mesma label), embora tenha criado um pseudónimo chamado Arekkusu — a tradução japonesa de “Alex”, diminutivo de Alexandre, o seu nome — para explorar as sonoridades lo-fi.
Esse interesse surgiu por volta de 2016, numa fase em que estava a viver em Angola e quando comprou uma Roland SP-404SX. “Queria lançar as cenas no SoundCloud, mas não queria misturar tudo, então separei assim as coisas e criei o Arekkusu”, explica ao Rimas e Batidas. “O lo-fi foi uma sonoridade que me chamou a atenção. São beats com uma sonoridade mais raw, têm outro tipo de efeitos e processamentos. Um amigo meu tinha uma SP, mostrou-me como era, interessei-me pela cena, depois comprei a minha e acabei por fazer a minha cena no mesmo espectro.”
Enquanto fazia o seu digging de samples, descobriu um fórum dedicado ao hip hop lo-fi, uma comunidade digital liderada pelo produtor canadiano bsd.u. “Tornei-me parte da comunidade, trocávamos ideias no chat, havia projectos a acontecer ali e isso ajudou-me muito a evoluir, porque todos nessa comunidade são produtores extremamente talentosos, com grandes números. E aquilo é mesmo uma família.”
Enquanto isto acontecia no universo online, na vida material Arekkusu ligava-se a ntourage, reputado produtor angolano de lo-fi. “Ele foi lá a casa, fizemos beats, samplámos vinil e criámos ali uma amizade”, explica. “Foi sempre uma referência muito assente na música que faço e só depois é que descobri que também era angolano. E ainda por cima este não é um universo musical muito ligado a África.”
Arekkusu, o disco homónimo
A beat tape homónima é o primeiro trabalho oficial de Arekkusu. Ao todo, são 22 faixas recheadas de samples com diferentes nuances, baseadas no hip hop lo-fi mas que podem ir beber à R&B ou até à música house. “Por aqui há uma procura sensível pela beleza da imperfeição, através de texturas que remetem à nostalgia analógica e ao calor das melhores pérolas possíveis de serem encontradas em demoradas sessões de crate digging”, como lemos na notícia publicada no Rimas e Batidas que dava conta do lançamento deste projecto.
“Tinha muitos beats e basicamente escolhi aqueles de que gostava mais”, explica Arekkusu sobre o processo de selecção. “A maior parte deles fui fazendo na minha MPC e depois escolhi os melhores, mas depois também houve uns que já fiz a pensar nesta beat tape. Não acho que exista um elemento comum que sobressaia, é uma selecção de beats que curto e que queria partilhar com as pessoas. Depois, quando escolhemos avançar com a cassete, também sabia que tinha de ter música para X minutos e fui-me ajustando à volta disso.”
O processo de selecção foi feito em conjunto com Henrique J. Paris, artista-investigador que já trabalhou com os RS Produções num EP colaborativo e que assumiu, de alguma forma, a direcção criativa do projecto. “Ele deu-me alguma guidance sobre o que poderia fazer parte da beat tape, que tipo de estética eu queria passar com o projecto. Fomos estando juntos e trocando notas, e a partir daí foi estruturar tudo, acrescentar e retirar faixas.” Arekkusu destaca temas como “TR”, “Drumless G” e “Beautiful Chords” como os seus favoritos.
A capa foi feita pelo ilustrador brasileiro thomas, radicado no Canadá, a partir de referências do próprio Arekkusu. “Eu já curtia muito o trabalho dele, já o tinha conhecido pessoalmente aqui em Portugal. Já havia uma amizade que permitiu que eu estivesse à vontade nesse sentido. E a cena fluiu, com uma visão maioritariamente dele, que pegou nas minhas raízes angolanas, nas referências orientais do nome artístico, na casa onde vivo e nas máquinas que uso.”
Urgências criativas do futuro: mais lo-fi, mas também trap e uma abordagem experimental
Quanto ao futuro, por um lado pretende continuar a explorar o universo lo-fi enquanto Arekkusu. O artista de 31 anos diz que gostava, inclusive, de integrar através do sampling a música tradicional angolana nos seus beats. “Quando estive lá a viver e comprei a SP, aí tive muito o interesse pela música angolana, saquei muitas compilações com vários artistas e tenho muita coisa guardada no computador pronta para ser trabalhada. É só mesmo uma questão de visionar um projecto em que faça sentido reunir tudo. Porque não? Lo-fi angolano podia ser uma dica, até porque no universo lo-fi não há muita gente a usar samples africanos no geral.”
O foco criativo neste momento, porém, está concentrado na música que Xando está a desenvolver. “O Xando está a trabalhar não só em produção, como sempre esteve, como estou a começar a usar o microfone, a captar a minha voz, a fazer trap e música mais cantada, experimental”, conta.
“Seja por cima dos meus beats, de beats da net… Mas ultimamente até estou a trabalhar num projecto, que não sei se será um álbum ou um EP, só com beats originais produzidos por mim ou por amigos meus. Agora que a beat tape já saiu, estou mais leve em termos de responsabilidades e mais focado em ver se consigo acabar isto.”
A ideia é lançar esse projecto através de uma plataforma que Xando está a desenvolver com um amigo, o produtor Big Mellow, que será a E38 Empire; ou por intermédio do colectivo a que também pertence, Junkie Money. “Temos uma espécie de núcleo e é com eles que tenho estado a evoluir nesta área, neste subgénero.”