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Publicado a: 08/10/2018

April + VISTA: a calma antes da tempestade

Publicado a: 08/10/2018

[TEXTO] Miguel Alexandre [FOTO] Keeewii

Poucos segundos da música “How To Get By” e facilmente percebe-se que este projecto, apesar da curta duração, tem uma grande mensagem por trás. “If I sit and wait for time to pass by/ The time that I spent could alter my life”: os sentimentos de ansiedade por um futuro incerto e de frustração pelos demónios que deixámos ficar dominam este que é o terceiro EP dos April + VISTA, You Are Here. Mas o caminho faz-se em frente, sem alterações de velocidade, avançando pelas paisagens amplas que se abrem ao longo do nosso percurso. April George, que dá a voz a este trabalho, é pragmática nas suas decisões e percebe que na música há espaço suficiente para deixar curar, redimir e aprender. O duo oriundo da capital norte-americana foca-se primordialmente num corpo de trabalho coeso, que parece à superfície ir buscar elementos de um frígido new wave dos anos 80, uma psicadélica nostálgica do início dos 2000 e um r&b conchegativo. Mas a superfície engana. A visão de April + VISTA é bem mais rica do que aparenta ser.

Quer April como Matthew Thompson têm uma história relacionada com as artes visuais. A música não é, por enquanto, a ocupação principal e ambos se dedicam a uma carreira no design gráfico, o que até é compreensível: as ilustrações de todos os seus trabalhos representam quase sempre o mesmo cenário – intimista, mas sempre a deambular entre uma presente nostalgia e um desconforto alienista. O mesmo se pode dizer sobre a música: paradoxal, entre temperaturas frias e quentes, ritmos musculados e vaporosos, deslocação sonora e serenidade, repetições hipnóticas e intervalos ambientas. Tudo é resolvido com extrema maturidade e naturalidade, algo que o par aprendeu com o tempo e tem evoluído entre discos. O que verdadeiramente lhes interessa é o potencial emotivo de um som.

Se nos focarmos nos interlúdios deste disco, o emergente mergulho em algo mais sério assenta o tom para o resto das 8 faixas que constituem You Are Here. Em “Little Things”, este ambiente é caleidoscópico, alucinante, mas ao mesmo tempo holístico; soa quase a algo que poderia ser retirado de um álbum dos Hiatus Kaiyote. Esta noção de futuristic soul está bem presente, especialmente nesta nova onda de músicos que pretende quebrar com as normas patronais do r&b. “Resilience” e “Fo’Sho” seguem o mesmo caminho: a estrutura entre uma pop sonhadora e uma austeridade indie. Ambas servem também para nos introduzir aos momentos em que April + VISTA estão mais certeiros, fluídos e coordenados: “Hot Coffee Freestyle” e “Own2”. Na primeira, há vocais cálidos complementados por uma produção ainda mais reconfortante: soul psicadélica, electrónica nos detalhes, e vocais que nos remetem a Kadhja Bonet, ou até mesmo Jamilia Woods. A segunda, por sua vez, não é tão reservada, mas mais suave e cintilante. George foca-se novamente nos seus objectivos e em tudo aquilo que tem ao seu próprio alcance: “This is what I aim for/This is not a game no/ I don’t really think so/I don’t do well with labels”.

 



O primeiro trabalho da dupla foi o EP Lanterns, em 2015, e depois Note to Self, no ano seguinte. Os dois falam sobre a ânsia de produzir todos os dias e que a música deve ser levada tão séria como qualquer outro trabalho, nomeadamente quando é feita em conjunto.

Até agora o processo é frutífero. April + VISTA idealizam a música como uma peça completa, uma obra que só pode ser verdadeiramente apreciada quando ouvida em sequências, num conjunto, sem a retalhar em canções isoladas. É uma táctica emergente dos dias de hoje, mas que poucos saem capacitados para tal. Aquilo a que nos conduzem nem sempre é recompensador. No entanto, quando o é, é-o muitas vezes. Os trabalhos são, como defende o duo, pequenos esboços para algo maior, um ensaio feito por duas pessoas que têm uma ligação tão percuciente à música e à sua matemática.

 


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