Para muitos, ou para quase todos, o rap e o beatmaking saíram como força de expressão e foram aprimorados em regimes autodidactas, numa busca constante pelas melhores rimas e por um melhor som. É assim que nasce o hiphop e evolui até aos dias de hoje, a par do que de resto se faz na música, se não até mais à frente em muitos casos. Mas o crescimento da indústria tem criado outras necessidades, tal como acontece noutros mercados: se existe procura, alguém tratará da oferta. É o caso dos cursos de jazz que existem desde o final dos anos 70 no Hot Clube, ou dos primeiros cursos de produção de música electrónica que começaram a surgir nos anos 90. Quase 30 anos depois, já é possível ter as melhores ferramentas para se ser um melhor MC e um melhor beatmaker – tudo ao mesmo tempo. Mas a melhor parte é que só num destes cursos se pode aprender a rimar com NERVE e Beware Jack ou a produzir com o Charlie Beats e Madkutz.
É essa a intenção do curso de Produção e Criação de Hip Hop que acontece na ETIC, em Lisboa, há “cinco ou seis” anos e hoje coleciona estrelas da música urbana na sala de professores, aos quais se juntam ainda convidados como Papillon, Harold, Kappa Jotta ou Phoenix RDC. Daniel Freitas, mais conhecido junto do público como TNT (rapper e produtor há mais de 20 anos), está desde 2018 à frente do curso e admite que “muitos dos alunos vinham por causa dos contactos e do grupo de formadores. Queriam ter ‘aquele’ som ou poder mostrar o seu trabalho ‘àquela’ pessoa.”
As primeiras edições do curso foram de aprendizagem para alunos e formadores — muitos do último grupo também se estavam a estrear nessas funções. No entanto, o autor de Forever Young afiança: “Eu sou auto-didacta, tudo o que aprendi fi-lo por mim. Mas também reconheço que se houvesse um curso de produção de hip hop na altura teria aderido. O meu papel enquanto responsável do curso tem sido lapidar o programa e acontecia que os formadores, ao início, não estavam muito capacitados para dar aulas, eu incluído. Íamos lá muitas vezes tentar ensinar, por exemplo, produção a alguém que não tinha bases e falávamos como se estivéssemos entre músicos. Tudo isso tem sido absorvido e digerido para que melhoremos ano após ano”.
E com sucesso. Leonor Jordão, que assina os seus temas espalhados pela net e redes sociais como JORDAN, frequentou a última edição do curso e considera que um corpo docente menos tradicional: “só ajudou e trouxe benefícios graças à proximidade entre aluno e professor. Ficamos mais à vontade em tirar dúvidas e em expor o que queremos fazer nos nossos trabalhos”.
Este é um ponto de vista partilhado por Gonçalo Chora, CHORA. no SoundCloud, onde expõe grande parte do seu trabalho, que acredita ser “um grande privilégio ter aulas com um grupo de professores assim. Eu nem seguia muito o trabalho do Madkutz ou do Maria, nem mesmo do NERVE, mas saber que têm renome e tê-los a avaliar o teu trabalho é grande vantagem e é muito fixe trabalhar com quem faz isto da vida”.
“Outra grande vantagem é que os formadores incentivam-nos a mandar-lhes coisas quando o curso acaba. É para isso que o curso é feito: para conhecer novo artistas e fazer networking“, continua, mencionando o espírito das turmas, que incentivadas pelos formadores criam “um ambiente propício a colaborações entre colegas”: “Há uma pizzaria à porta da ETIC e é normal o pessoal ir para lá nos intervalos fazer freestyle e surgem muitas ideias que depois gravamos no estúdio da escola”.
Com a duração de um ano lectivo, o curso de Produção e Criação de Hip Hop da ETIC tenta oferecer um vasto currículo dividido em cinco módulos que cobrem desde a história do movimento (um módulo deixado a cargo de Ricardo Farinha e Alexandre Ribeiro, ambos membros da equipa ReB) ao marketing digital e ao funcionamento da indústria (onde Rui Miguel Abreu também dá uma mãozinha), colocando o ónus nas partes da produção musical – que vai desde a captura, mistura e masterização ao DJing – e no MCing que explora a escrita criativa e a construção de rimas e letras.
Quanto ao material disponível, a ficha técnica do curso enumera aquilo que está disponível aos alunos, onde estão incluídas workstations Apple totalmente equipadas com placa de som e teclado MIDI, instrumentos variados, equipamentos portáteis de gravação e até estúdios totalmente equipados com material actualizado e os softwares mais utilizados.
E se dúvidas existirem sobre a utilidade do curso, Daniel Freitas garante que o curso oferece “formação concreta sobre algo que os alunos gostam, sobretudo para aqueles que não se identificam com a oferta de estudos e do mercado de trabalho, servindo isto como uma ferramenta para cumprir o objectivo de fazer vida da música”.
CHORA. explica ainda que gravou um dos seus temas no curso, que ainda só não foi divulgado porque um dos seus professores – TNT – “gostou bastante e ofereceu-se para tratar da mistura”, enquanto JORDAN ainda não lançou qualquer tema desde que terminou a formação, mas garante estar “a utilizar muitas coisas que aprendeu no curso” nos novos trabalhos.
Estes são apenas os alunos mais recentes, porém, este curso de Produção e Criação de Hip-Hop tem já um Hall of Fame bem composto por nomes como Tsuki, Rubik (que participa na produção de “Também Sonhar“, de Slow J), Silly, Hyzer (que colaborou com o formador benji price na produção de “Capricho”, de BIYA, e foi finalista do concurso O Game) ou Gnuino, entre muitos outros que vale a pena manter debaixo de olho.