LP / CD / Digital

Apollo Brown & Che' Noir

As God Intended

Mello Music Group / 2020

Texto de Fábio Nóbrega

Publicado a: 11/11/2020

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Paramos e contemplamos: os cenários descritos em cima das batidas de Apollo Brown pintam uma tela de agressividade, empoderamento e experiência (que contrasta com data de nascimento do seu BI, 1994) da astuta MC de Buffalo, Nova Iorque, Che’ Noir, que através da sua poesia aborda temas hipotéticos, ao mesmo tempo que inflama a cultura com tiros certeiros em linhas como “I put rappers in cemeteries/ Then, go to your wake and autograph your obituaries”.

O tom fica desde logo marcado para um disco que segue algumas das características mais clássicas do género, não fosse o produtor de Clouds um nome que se associa imediatamente ao tipo de recorte clássico de produção que tem o seu lugar seguro na história, com trabalho comprovado em colaborações com Joell Ortiz, Ghostface Killah ou Danny Brown.

Nesses beats, Che Noir cria uma atmosfera singular e obscura, do tipo de música “that you got to be from the hood to feel”. Uma frase que faz jus à temática do sampling e às palavras que profere, onde é pintada uma condição sociopolítica que só pode ser compreendida se tivermos na consciência a violência criminal na cidade de Buffalo.



O exercício mental da rapper é exímio em As God Intended e em “Blood Is Thicker” personifica o próprio bairro, com os seus altos e baixos, e responde-lhe com a sua própria perspectiva de como será capaz de fugir a esta realidade: “I birth kings and queens, gangsta fiends and thieves (…) But it’s a celebration once you make it out of this place”. Em “12 Hours” narra uma intensa história de como acaba por assassinar o seu parceiro por suspeitas de traição com uma das suas amigas. Em “Daddy’s Girl” compreendemos de um ponto de vista mais “sincero” como a sua relação com o pai moldou os seus relacionamentos, aqui continuando com referências às condições sociopolíticas com uma pequena mas importante linha em “I was young the first time I’ve seen my dad get arrested”. Ou quando se espicaça o ouvinte com o sample gravada em rádio: “I wanna know why Officer Darren Wilson didn’t go to jail for killing our brother Michael Brown”. Com direito a resposta: “Look, the art of war, it’s a meaning behind the message /You don’t need a gun or sword if you treat your mind as the weapon”.

Finalmente, em “94’”, encontramos as referências que atestam o sólido argumento para prestar atenção a Che’ Noir, um tema em que são traçadas ligações entre ela e rappers que marcaram a indústria, como “In 94’, Illmatic dropped the same day I came in this world”, “In 94’ that’s when Biggie dropped “Ready to Die”, ou até o loop “A-yes, yes y’all, and you don’t stop”. E se pensarem que Black Thought, Planet Asia e Skyzoo dão o seu cosign com os seus versos…

O trabalho feito a meias por Apollo e Che’ contém narrativas e batidas que são indissociáveis da sua mensagem, apresentando uma coerência assinalável que torna a audição bastante aprazível. Seja na descrição do mundo em seu redor, cenários hipotéticos ou experiência pessoal, a forma da escriba contar a sua história destaca-se certamente no meio que a envolve. A rapper de 26 anos percebe de onde vem e compreende o seu valor, daí os desafios lançados a outros rappers introduzidos subtilmente ao longo do disco, mas não se deixa ficar por aí: Noir é bem sucedida na intenção primária, partindo do ponto A (bairro) para terminar no ponto B (sucesso merecido). Enquanto se movimenta nessa jornada, a MC presenteia-nos com a sua caneta apurada. Com ou sem a ajuda de Deus.


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