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Fotografia: Izabela Cunha
Publicado a: 22/01/2025

Ousado e multifacetado.

ANTCONSTANTINO: “Encontrei um monte de gente que é tão doida quanto eu e que acredita também nos bagulhos”

Fotografia: Izabela Cunha
Publicado a: 22/01/2025

ANTCONSTANTINO prefere ser chamado pelo seu nome de batismo, Antônio. Ele é DJ, produtor de grime, empresário e CEO da Leigo Records. Além de tudo isso, o Constantino se tornou uma personalidade da Internet por fazer vídeos com “danças de doido”. Irreverente, que não te deixa ficar de cara fechada, o artista é um dos que ajudaram a fomentar o grime no Brasil, sendo um dos responsáveis pela arquitetura do fenômeno Brasil Grime Show (BGS). 

Depois de construir uma carreira dentro de uma cena underground, ANTCONSTANTINO faz agora a sua primeira euro tour. A viagem começa dia 24 de janeiro na Cargo 111, em Lisboa. No dia seguinte, 25, ainda em Lisboa, ele toca na ZBD 8 Marvila. Na sequência, dia 26, vai à KEBRAKU, no Porto. Em seguida ele vai para Berlim e vai a Braga no dia 31 de janeiro para encerrar sua estadia em Portugal no festival SQUARE. Ao todo, ele ficará 3 meses vivendo, aprendendo e compartilhando suas experiências musicais com os europeus. Ao Rimas e Batidas, ele fala de sua trajetória artística e o que tem preparado para a turnê.



Para quem não conhece o ANTCONSTANTINO, quem é ele?

Pra quem não tá ligado, meu nome é Antônio Constantino, inclusive eu prefiro que me chame de Antônio, porque acho que é mais humano, tá ligado? Geralmente quem me chama de ANTCONSTANTINO é só quem me conhece na Internet. Eu trabalho com arte desde, sei lá, 16-17 anos. Sempre fui muito viciado em música desde pequeno, e acaba que eu não me limito só à música, eu tenho um projeto de uma marca de roupa, faço música, sou DJ, sou produtor musical… então tudo que me dá vontade de fazer, eu faço. Mas dependendo do dia da semana ou do mês, eu sou mais uma coisa do que a outra. Vai de como as contas estão e como está a minha cabeça.

E como você começou na música, discotecando e produzindo?

Cara, todo mundo da minha família é da Bahia. Então, sempre ouvi na minha casa forró e reggae. Mas eu tenho um tio específico, Fernando, que é muito roqueiro. Como eu não tive pai, ele era uma figura paterna pra mim. Por isso, foi através dele que eu virei roqueiro… enfim, cresci viciado em música. E era doido porque ao mesmo tempo que eu gostava muito de rock, gostava muito de funk também. Como eu era criança, tentava não deixar meu tio saber que eu gostava de funk porque eu achava que ele ia me deserdar [risadas]. Isso é doideira porque hoje em dia eu paro, olho para trás e lembro de várias situações na minha infância que eu já me imaginava sendo DJ. Eu já baixei o Virtual DJ quando eu era mais novo. Já tive rádio online na época da escola. Mas nunca passou na minha cabeça que ia ser, sei lá, meu trabalho, minha profissão. E aí, com esse hardcore, comecei a ir pra rolê, para as festas. E aí, teve um amigo, o Artex, que foi quem mudou a chave da minha cabeça. Eu o conheci numa festa, e ele me perguntou: “Mano, você vai nas festas que tem lá no Rio?” Eu falei: “Cara, não faço a mínima ideia das festas que rolam lá”. E eram os rolê que já rolava bass music, grime, footwork… E aí, eu comecei a ir com ele pros rolês e achei muito foda. E como eu moro em Duque de Caxias (cerca de uma hora do Rio de Janeiro), outra cidade… Hoje em dia eu consigo sair mais daqui, tenho dinheiro. Não é tão longe, mas ainda é um dinheiro. Tipo, ônibus daqui para o Rio de Janeiro hoje em dia deve estar uns R$ 10 Reais (1, 60 euros). E aí na época, eu cheguei no meu parceiro Diogo, que trabalha comigo até hoje, é meu produtor, e falei: “Mano, o jeito é a gente fazer uma festa em Caxias porque eu não quero ter que ficar indo para o Centro ou para a Zona Sul do Rio para viver essa cena. Outra coisa é que o jeito de curtir é diferente. Hoje em dia, eu tenho um certo nome, tenho um status, tenho roupa da hora, a galera me aceita melhor, mas antigamente eu era só um jovem roqueiro emo querendo curtir um som. E aí a gente começou a fazer festa aqui na nossa cidade. Aí, eu falei: “Eu vou tocar porque a festa é minha e tem várias coisas que eu quero ouvir e não sei se vão tocar”. Era o play e pause, passava do lado pro outro sem mixar, e a partir daí eu comecei a frequentar essas festas do Rio e a observar muito a forma que os caras tocavam. Na época eu via muito, sei lá, Marginal Man tocando, e começava a me perguntar por que os DJs conseguiam passar de uma música pra outra sem parecer que tá tudo trepando e eu não consigo. Esse foi o meu ponto-chave, e desde então eu tô aí. Por volta de 2018, 2019, não me lembro muito bem, eu me reuni com o pessoal, fiz o Brasil Grime Show (BGS) junto com eles, a convite do diniBoy, e aí fiquei no BGS até o começo da pandemia, em 2020. Foi quando saí de lá, começou a pandemia, e eu me dediquei em criar conteúdo na Internet para matar o tédio (porque não tinha nada pra fazer também, né?), fazer vídeo explicando o que era rewind, o que era dubplate, coisas da cultura grime, assim, que por mais que tenha na Internet, não tem um portal explicando para o Brasil o que é isso. Pode ter até de reggae, mas acaba sendo, às vezes, uma linguagem mais antiga, e o grime, nesse boom que teve, era uma safra nova de jovens. Então tinha que trazer algo para eles na linguagem jovem. E também era muita informação distorcida. Isso ajudou a levantar meu nome durante a pandemia, e estou aqui até hoje. Eu gosto muito de música, independente do gênero, eu sou bem mente aberta. Também não gosto de bastante coisa, sou bem chato. Mas no mesmo dia que eu acordo e ouço a Sepultura, eu também vou ouvir Pablo da Rocha. Não tem um certo equilíbrio não.

Essa transformação de DJ para produtor fluiu naturalmente?

Cara, nessa época de rolê de hardcore, eu andava muito com o Bine e com o Marlon, o Mascote, que são dois amigos meus. E tudo que a gente faz hoje, já fazíamos nessa época, a diferença era o acesso. A gente sempre fez paródia, sempre gastou a onda fazendo freestyle, mas a gente não tinha um computador para gravar ou um celular bom. Então foi só questão de tempo… E a parada é que quando você é DJ… Não sei, você é DJ? 

Não sou DJ… 

Então, quando você é DJ, você vai fazendo as mixagens e vai surgindo ideia de mashup na sua cabeça. E eu pedia muito para os meus amigos fazerem para mim. Eles faziam, mas é foda você ficar sempre dependendo dos outros para fazer as coisas para você, porque todo mundo tem suas correrias e seus tempos. E aí, nisso, eu comecei a baixar o Fruity Loops (FL) para começar a tentar fazer esses experimentos, esses mashups. Várias ideias idiotas, que as pessoas têm chapado, às vezes, e as pessoas descartam, eu não descarto nenhuma. 

Essas são as ideias mais importantes…

É, mano… eu acreditei muito na minha doideira e encontrei um monte de gente que é tão doida quanto eu que acredita também nos meus bagulhos. E aí esse foi o ponto de produção musical. Tipo, às vezes eu sou mais produtor musical do que beatmaker. Eu gosto de fazer beat, mas eu tenho uma certa preguiça de ficar mexendo. Sempre que eu faço dá bom, mas tenho uma preguiça. Então, às vezes eu gosto de ir para o estúdio, tipo: “Ah, o Mauí quer fazer uma track de tal jeito.” Aí, eu vou para o estúdio com ele, chamo o Thaleko, que vai fazer o beat daquilo ali, e fico lá deitado só dando pitaco, porque no fundo também não tem esse bagulho de que eu preciso fazer a parada toda, tá ligado? Tem que existir o que a gente quer que exista ali: a música, o clipe. Agora como vai sair, mano? Tanto faz. Tipo, eu não tenho noção de teoria musical, eu sou ruim fazendo melodia, e tem muita gente que se prende a isso. Mas eu não tô nem aí. Se eu fizer o beat e sentir que o baixo tá ruim, eu vou atrás de algum amigo meu e vou falar: “Cara, me ajuda a fazer um baixo aí”. Já toquei em banda de rock, já fui baterista quando eu era mais novo, e na banda de rock nada mais é do que isso: cada um faz seu pouquinho. Mas acaba que hoje em dia a produção no FL ou no Ableton meio que te obriga a ser tudo. Você tem que fazer a melodia, fazer a bateria, fazer a guitarra, mixar, masterizar, fazer capa. Obviamente, tem muita gente que faz isso com perfeição, mas se tu não conseguir fazer, também tá de boa. 

Mas essa figura do produtor é importante, e muita gente acha que não, né? Valorizam apenas o beatmaker e o MC, porém, o papel do produtor é importante para dar esse direcionamento, mesmo que ele não tenha essa bagagem toda. Ele tem uma visão ampla para mostrar até onde o artista pode chegar.

Pô, com certeza. Tem vários artistas que eu gosto muito, e eu vou te dar um exemplo. Eu adoro a Marina Sena. Acho ela muito foda. E aí, se não me engano, os dois últimos álbuns dela quem produziu foi o Yuri Rio Branco. É um mano que acho que tudo em que ele mete a mão vira ouro, não tem como. Mas o próximo álbum dela já não vai ser ele que vai produzir. Eu não acho que vai ser ruim, mas tenho a curiosidade de saber como vai ser, porque o artista, o beatmaker, o músico na mão do produtor vira um instrumento. Vai ser só mais um instrumento, não no jeito ruim da palavra, mas você está sendo usado pelo cara para construir o universo que vocês estão pensando. Então o próximo álbum dela vai ser na visão de outro criador, tá ligado? Tem vários artistas e produtores que eu gosto e sempre fico pensando: “Caraca, como vai ser sem esse produtor?” Ou o oposto: “Como vai ser fulano com tal produtor, se um dia rolar?” Mas é isso, acho que falta muito, principalmente no Brasil, a galera valorizar o produtor, o cara de mente aberta que fala assim para o artista: “Isso aqui está ruim”. E o artista aceitar que está ruim, tá ligado? Ou tipo, às vezes o moleque que eu produzo, eu falo: “Cara, está muito ruim”. E não quer dizer que eu acho ele um merda, mas eu conheço ele, eu sei que ele pode me entregar melhor do que aquilo que ele fez ali. Mas é isso, o produtor é a mente ali do bagulho, não tem como. 

E de que forma você separa as funções de produtor, DJ, artista e dono de um selo?

Geral que é da Leigo Records não tem um contrato que obrigue a lançar as músicas com a gente. A Leigo é um grupo de amigos, em que cada um tem alguma coisa na mão para oferecer. Alguém sabe fazer uma mix, alguém sabe fazer uma capa. E a ideia é conseguir fazer o trabalho dos nossos amigos existir. Tipo: você quer lançar um clipe, você está duro, você não tem dinheiro. A gente vai ter alguém aqui para fazer o clipe para você, tá ligado? Por exemplo, eu, o Kbrum e o Mauí, a gente é da Deck Disk. O (Bruno) Kroz era e saiu, mas ele continua sendo da Leigo, porque uma coisa não tem nada a ver com a outra, tá ligado? E aí no começo eu tentava fazer tudo, mas é impossível. Então, hoje em dia o Diogo, que é o meu produtor, cuida da parte burocrática, documento, data (eu tô nem aí)… e eu cuido da parte musical. Tipo, a gente está finalizando agora o EP do Mascote. Aí, eu entro no Discord com os caras que vão mixar, ouço com eles, digo o que acho ruim e o que eu acho bom, falo o que fica e o que não fica… Como a gente trabalha muito tempo junto, os caras já sabem mais ou menos como eu gosto e também não é uma parada que só a minha visão vale, tá ligado? É algo que é pra ser colaborativo. Por isso, todo mundo que está envolvido ali é pra fazer sair o melhor daquilo ali, desde o Mascote, que é o MC, tanto quem faz a mixagem, tanto eu quanto o Taleko, que estão na produção, tá ligado? A ideia é sempre juntar, porque é um coletivo que a gente tem com muitas mentes pensantes criativas foda, então não tem como eu querer resumir só a minha ideia porque também a minha ideia é derivada da ideia deles. Tipo, convivendo com eles faz eu ter mais ideia, mais ganchos, etc.

A junção e divisão de tarefas amplificam um pouco mais o trabalho. Melhor do que só uma pessoa fazendo tudo. 

Por exemplo, eu tenho algumas coisas minhas para lançar, mas eu sigo a ordem que a gente botou lá. O primeiro EP que tem que sair agora é o do Mascote, e depois o do Quatcha, que é um mano de Belo Horizonte, e depois disso vou me concentrar para lançar algo meu, e depois tenho que fazer o álbum da Leigo. Então, vou tentando achar o equilíbrio, mas projeto de beat meu não tenho tanta pressa de lançar não, porque acaba que o trabalho dos moleques vai sair, então tá tudo tranquilo. 

Bom, e na hora de discotecar, você já vai com o set pronto ou vai surgindo ali de uma hora?

Cara, depende, eu sou muito preguiçoso. Eu não gosto de trabalhar, essa é a realidade [risadas]. Eu adoro tocar, mas eu não gosto de trabalhar, e tem vezes que tocar vira um trabalho. Eu trabalho, pago minhas contas, não falta nada, mas eu acho que o ser humano tem o direito de não gostar de trabalhar. Eu queria poder viver na praia, sei lá, dormindo. E aí, quando eu comecei a viajar para São Paulo, eu falava assim: “Mano, vou entrar no ônibus, abrir o notebook e fazer beat. São 8 horas de viagem que vou fazer set”. Porra nenhuma, eu entro no ônibus e quero, sei lá, dormir, ficar no TikTok, descansar. Isso começou a fazer eu não preparar set. Então, acaba que também não tem como, às vezes você prepara um set… No começo eu preparava bastante, mas às vezes você pode imaginar a vibe e tu chegar num rolê e ser totalmente diferente. Tipo, uma vez eu fui tocar num rolê aqui no Rio, e aí me botaram na “pista diversidade”, algum bagulho assim. E eu já estava tocando em outro rolê e eu falei: “Mano, deve ser diversidade musical.” Porque na época estava começando com o grime. Eu cheguei lá, mano, me botaram numa pista de diversidade de gênero. Era uma pista queer. É uma parada que eu adoro, mas não era o meu local estar ali, não porque eu não queria estar ali, mas porque eu sou hétero, mano, tipo, eu estava ocupando lugar de outra pessoa que poderia estar ali. E aí esse dia, eu preparei um set, tipo, meio contando a história do grime, mas quando eu cheguei lá, falei: “Mano, se eu tocar isso aqui eu vou esvaziar a pista”. Eu ouço muito a Lady Gaga, eu ouço muito a Beyoncé, eu ouço muita farofa, mano. E nesse dia eu fiz um setzão e me diverti. E aí, desde então é isso. Tipo, chegando no rolê, eu vou fazendo de freestyle. Às vezes eu baixo algumas músicas, tipo, novas que eu quero tocar ali para me lembrar de tocar na hora. E tem alguns rolês específicos que eu meio que às vezes monto. Se eu sei que vai gravar, tipo… sei lá, um rolê que eu toco mais drum & bass, jungle e coisa acelerada. Então geralmente, em algumas festas eu vou separar, ou se eu souber que vai gravar minimamente e montar um set ali para ser tipo um show, um portfólio assim. Quando eu vou tocar em set de grime com MC, que eu sei que vai ser só grime, eu separo minimamente uns beats. Mas hoje em dia 90% é tudo de freestyle. Como eu tenho um programa na NTS todo mês, eu separo música por música, ordem por ordem, porque aí é algo gravado. Eu tenho que contar uma história ali, levar coisas novas e explicar. Mas é tudo de freestyle.



Vai também do lance de conhecer a pista, de saber como ela está funcionando para manter a galera interessada.

Eu tenho um grande defeito, não parece, mas eu sou muito tímido. Por mais que eu fique rebolando no TikTok, eu sou muito tímido. Então, quando eu tô tocando, por mais que eu esteja dançando, eu não olho muito para a pista,porque acaba que hoje em dia eu sou meio que DJ e sou meio que uma personalidade da Internet. Então tem gente que vai no meu set para ouvir música (obviamente) e também para me ver. Às vezes eu quero olhar para a pista e ver gente dançando e tem gente me olhando fixamente e eu não consigo… podem me olhar, não estou nem aí, mano, é seu direito. Mas não consigo me acostumar porque fico tímido. Então, eu toco meio que fechado ali no meu mundo, mas o DJ tem que olhar pra pista pra fazer a leitura. Mas, no meu caso, tento fazer essa leitura minimamente com os movimentos da massa. Eu tento fazer essa leitura dos movimentos que ficam na minha frente. Mas é doido, dá pra achar um meio termo aí. 

Tem o lance de pedir aí música… e também tenho visto vários rolês onde a galera fica quase em cima do DJ. Isso atrapalha a discotecagem?

Pra mim tudo é 8 ou 80, nada é uma regra. Por exemplo, tem vários lugares que eu vou tocar, que são vários amigos, e aí você pode estar tocando uma track ali e um amigo seu, um fã, sei lá, vem e te fala uma track na hora ali, tipo, tu tá fazendo um long set, o cara te joga uma track que de fato pode te ajudar, e você fala: “Caralho, papo reto. Essa aí é foda”. Aí, você coloca. Mas tem situação de tu tá tocando e a pessoa não pediu uma track pensando na pista. Obviamente, é melhor não pedir nada. Mas geralmente a galera quer pedir uma track pensando no gosto pessoal dela, tipo: “Ah, toca aí Anitta, toca aí qualquer coisa”. E nesse fato aí, eu sou bem escorregadio. Ou ignoro a pessoa ou já falo: “Sai mano, sai. Me deixa quieto aqui. Tô tocando”. Já dou um fora para a pessoa se ligar. E o lance do lugar tá cheio, vamos lá. Vou te dar dois exemplos. Eu tocava muito na Void de São Paulo… adorava tocar lá. Mas às vezes, mano, atrás de mim ficava cheio de gente e era a galera que tipo, se eu estivesse dançando, me mexesse, pisasse no pé, a pessoa reclamava. E eu falava: “Mano, você tá no meu espaço, eu estou trabalhando e você vai ficar puto?” Aí vou te dar outro exemplo. Eu toquei em Manaus ano passado, eu acho que em agosto. E aí, lá eles têm um grupo da festa que quem é desse grupo sempre tem um acesso ao backstage. Então tinha um palco, a CDJ, e atrás da gente muita gente desse grupo. E tipo, eu tocando, a galera dançando, pulando ali, esbarrava em mim, mas não atrapalhava em nada, porque a galera estava ali na mesma conexão que eu. Obviamente vai ter DJ que pode não gostar, que prefere ficar sozinho, prefere tocar na dele. Mas quando é para tocar maluquice, coisa de doido, se for para ter alguém perto de mim, eu espero que ela esteja maluca também, que ela esteja ali para dançar, para curtir, para aprender e não para ficar ali por status, para sair na foto, para ficar de “não me toque”, aí é complicado. Mas pelo menos para mim é isso, dá para ter várias exceções de várias situações, mas no geral é melhor o pessoal evitar ficar perto do DJ, enchendo o saco, porque nem todo mundo é suave igual eu sou. 

Você toca de tudo nas suas festas ou tem um direcionamento específico de grime, de drill, de funk, ou mistura tudo? 

Eu acho que o maior presente de mim para mim mesmo, na minha carreira, é que eu consegui, meio que, sei lá, acostumar meu público com a minha doideira. Tipo, o cara que vai num set meu sabe que ele vai ouvir o grime, mas ele pode ouvir uma Elza Soares, ele pode ouvir um Parangolé, porque é isso: eu tento levar tudo que eu gosto de ouvir para a pista, tá ligado? Tipo, teve um parceiro que foi levar a mina dele num set meu lá na Void. A mina falou: “Ah, o que que ele vai tocar?” Ele falou: “Eu não sei”. Aí, ela: “Como você não sabe, você já foi a mais de 10 sets dele”. Ele falou: “Exatamente, cada set que eu vou ele toca uma coisa, então não tem como saber”. E aí, tipo, era long set, eu tocava às vezes cinco horas, seis horas direto. E vai muito do meu mood, mano, às vezes eu posso estar num dia triste, posso estar num dia feliz, às vezes a pesquisa, eu posso ter descoberto um gênero musical novo e estar vidrado naquilo ali. Mas, basicamente, a minha pesquisa hoje em dia gira em torno de bass music, 140 bpm, dubstep, grime, garage, bastante coisa que vem do reggae, da Jamaica, dancehall, jungle, e trago minimamente coisas do trap e do rap nacional (brasileiro) que eu acho maneiro, tipo um Leall, uma AJULIACOSTA, uma Flora Matos, coisas do tipo. Vou tentando achar esse equilíbrio entre tudo, porque acaba também que minha fanbase tem muito gay, tem muita mulher, tem muito hétero maluco. Então da mesma forma que o cara que é, sei lá, hétero e quer ouvir um Leall, tem uma gay lá esperando tocar, sei lá, uma Azealia Banks. Então tento achar o meio-termo de fazer a maluquice de todo mundo dançar ali. Mas pode ter set que vai ser muito mais queer, pode ter set que vai ser muito mais bofe. Tipo, em questão de seleção de track assim, vai do dia ali. 

Mas pra tocar cinco horas tem que ter um repertório muito bem preparado…

Tem, tem. Por isso que eu gosto de tocar com meu PC, que aí, mano, tu ouve até Xuxa. Eu toco Xuxa, eu toco Justin Bieber, mas tudo, por incrível que pareça, vai fazer sentido no que está sendo construído, mas já era. E para mim também o bagulho de dançar, né, mano? Tipo, independente de conceito, de gênero musical, muita gente sai de casa para dançar, para ouvir música, então não ligo de farofar a pista, não. Se eu acho que aquilo ali vai virar um momento histórico, engraçado para a galera dançar, se divertir junto comigo, eu estou nem aí, eu chuto o balde. 

Existe uma galera que tem um certo preconceito com alguns estilos musicais, colocando na categoria de música boa ou de música ruim. Só que no final das contas é música, né? E tem gente que gosta e tem gente que não gosta. 

E tudo vai também do jeito, do lugar que você nasce, né? Tudo é a cultura que você pertence. Tipo, eu não gosto de sertanejo, mano. Eu não gosto de sertanejo. Mas não vou abominar o bagulho. Eu só não ouço, deixo lá no canto. Mas, por exemplo, em compensação, eu gosto de arrocha. Eu não gosto de gospel, mas eu gosto do Thalles Roberto. Então são equilíbrios. Mas eu tento ser bem aberto assim em relação à música, porque por mais que você não goste de tudo que foi feito ali… Por exemplo, o rave de psy trance. Eu nunca fui e tenho muita vontade de ir, muita vontade, porque por mais que eu não ouça essas paradas, a estrutura de som que os caras montam é muito foda, é uns bagulho muito doido e o som é muito bom e minimamente você vai tirar alguma coisa dali, tá ligado? Você vai ficar por 8 horas no lugar com um som foda, vários visuais, um monte de good vibes doido. Você não vai conseguir extrair nada dali, mano? Impossível.

O que você está preparando para Portugal para essa sua primeira turnê na Europa? Você vai ficar um tempo lá, né?

Cara, então, eu tenho seguranças e inseguranças. Antes de falar o que eu vou preparar, a minha insegurança é: eu estou indo para um lugar onde as coisas que eu toco são baseadas neles, né? Eu mixo uma cópia do que eles fazem, então isso já me deixa meio apreensivo. Tipo, quando, sei lá, vem gringo pro Brasil tocar funk. Mas em contrapartida, não querendo ser mais que ninguém, eu sou um DJ muito bom, tá ligado? Eu consigo transmitir uma energia muito boa pra galera. Isso funciona em vários locais, então eu sinto que isso vai funcionar na Europa. O que tá me ajudando é que, como eu começo em Portugal, vai ter meio que um degradê de cultura mudando. Eu vou chegar a um lugar que o pessoal fala português. Até eu ir para um lugar que ninguém fala português, vai ter esse fade, esse degradê. E para a Europa, mano, eu quero tocar bastante coisa do Brasil, dos meus amigos, coisas exclusivas. E também quero tocar muita coisa deles, porque eu tenho muito contato com DJ de fora e eles acabam me mandando coisas que nem eles mandam para os amigos. Então são coisas interessantes eu tocar, porque minimamente dá uma leve carteirada. Tipo, o cara vai falar: “Pô, o cara veio do Brasil. Como ele tem acesso a essa música?” Então é isso, achar um equilíbrio de coisas novas, track aqui do Brasil, etc., porque em questão de qualidade e produção assim, a gente não perde nada pros caras, eles só têm mais acesso. E geralmente eles não foram, como posso dizer, não foram explorados, então eles estão alguns passos à frente aí, estão de boa. E o outro ponto que me dá certa confiança é que nos últimos anos o que mais tem é gringo vindo pro Brasil pra estudar a gente, estudar o jeito que a gente produz, o jeito que a gente toca, a nossa cultura. 

Você acompanha a cena musical de Portugal ou não? 

Não, às vezes eu vejo uns drill tuga, umas paradas assim, mas eu conheço bem pouco. Eu confesso que eu sou meio… Eu acho engraçado o sotaque deles, mano. E acho que eu tenho o meu direito de achar o sotaque deles engraçado. Mas isso não é uma barreira para mim, não, tá ligado? Da mesma forma que eu acho o sotaque de Porto Alegre engraçado e eu vivo lá, porque eu amo meus amigos de lá. Mas acompanho por alto assim. Acaba que lá no primeiro rolê que eu vou tocar, vai ser um grime set com os MC de lá. Aí os moleques falaram: “Cara, a cena de grime tá começando ainda”. Eu acho que é bem menor que o Brasil, por mais que a cena daqui seja pequena, ela é bem menor. Mas acompanho por alto assim. Mas eu devo ter bastante coisa de produtor de lá, sendo que eu sou ruim de geografia. Às vezes eu baixo as coisas dos caras, toco, mas eu não vejo de onde os caras são. Tipo, eu só toco.

É uma cultura diferente e existe esse lance de troca também. Você que vai conviver ali um tempo, vai pegar outras referências e outras coisas que vão ajudar essa troca acontecer.

É nisso que eu tenho curiosidade para viver esse tempo lá, tipo, andar na rua, ouvir o que a galera ouve, o que toca no rádio, usando o Shazam para poder trazer isso para cá também. Três meses fora do Brasil é trazer, tipo, uma caralhada de track infinita aí.

Em Portugal pelo menos eles ouvem muita música brasileira. As pessoas falam que não, por conta da língua, mas no mundo inteiro a música do Brasil é sempre muito bem recebida. Mas em Portugal, principalmente o rap é muito influenciado pelo rap brasileiro.

E lá acaba não tendo tanto essa barreira de idioma, então fica mais fácil. 

Voltando ao Brasil Grime Show (BGS), você fez parte desse desenvolvimento, principalmente ali no começo quando o BGS virou referência do grime no Brasil. Como você tem observado a cena atual de grime no Brasil?

Assim, eu acho que hoje em dia não tá mais aquele boom que teve quando surgiu o BGS. Eu lembro que antes de sair um episódio, tipo mesmo sem ninguém saber quem era o MC que tava ali, rolava um burburinho, uma expectativa para ver o que ia sair. Quando saia um episódio, ele ficava sendo tocado em todo lugar que você ia. Mas como foi boom da parada do grime no Brasil, por causa do BGS, tinha muito curioso, não do jeito ruim da palavra mas muita gente tendo acesso àquilo pela primeira vez e fazendo de forma curiosa, pouco lapidada, sem ter muita referência, às vezes só pra fazer, pra tentar entrar, às vezes achar um local. Mas muitas dessas pessoas já abandonam o barco, já largaram, porque acaba que o grime é isso, mano. O grime, tipo, tem como te mostrar 30 beats de grime que são totalmente diferentes um do outro na construção da vibe, porque acaba que não é um subgênero, é um gênero musical. Então tem infinitas possibilidades. A forma de cantar é diferente, o flow. Eu acho que você, por exemplo, ter acesso à cultura jamaicana, o reggae vai te lapidar perfeitamente para entender melhor o grime, porque essa é a fonte. Hoje em dia, por mais que a cena não esteja num boom tão grande, eu acho que as pessoas que estão fazendo estão mais capacitadas, digamos assim, sabem melhor como fazer aquilo. Por exemplo, em Recife tem o Destalado, que é um projeto do Zoe Beat, de grime set, que todos os beats que toca são dele. É algo muito foda. Aí você vai para Salvador, tem os moleques da Quarto Sujo, todos os MCs são bons, e a maioria nem tem música lançada, todos são muito bons. Aí você vai para Florianópolis, lá tem a galera da Sub Solo, tipo… todos os MCs são muito bom assim. Aí você vai para São Paulo. Tem a galera agora lá da Terra Vista, que dá para ver que são uns moleques que, tipo, ouvem reggae e gostam de grime na essência. Os caras gostam do bagulho de fato. São nerds daquilo. É diferente você ver um artista fazer grime que o cara ouve, sei lá, Shabba Ranks, ouve Skillibeng, Peter Tosh… e você vê um cara fazer grime. É diferente você fazer grime que só tem referência de rap, não vai ser ruim, tem vários exemplos bons, mas pra mim que gosto de grime, o que fez o grime chamar minha atenção é exatamente essa relação dele com a cultura jamaicana, o jeito de cantar, etc. Então, pra mim chama muito mais atenção o cara quando consegue trazer esse tipo de referência do que o cara quando traz mais rap em si. Por exemplo, Salvador, os melhores MC pra mim são de lá, principalmente de grime, por causa disso. Eles são tipo a Jamaica no Brasil, você anda na rua lá, você vai na padaria, está tocando reggae; você vai no mercado, está tocando reggae. E quando não é reggae, está tocando pagodão, que tem muita similaridade com o grime de várias formas. A gente teve no começo do BGS um boom que ajudou a mudar a cena de várias formas, não só no grime, mas no drill também, e mostrou para a galera esse novo formato ao vivo, que por mais que não seja algo criado aqui, é algo bem comum lá fora. Hoje em dia, agora em 2025, eu sinto que já deu tempo para a galera entender o que que era. Quem ficou curioso, não entendeu, já largou, já foi embora; e quem ficou ali batendo cabeça é de fato quem gosta do bagulho, leva sério, estuda e faz independentemente de número, mano, porque acaba que por mais que a gente tenha nomes grandes como, tipo, sei lá, SD9, eu, BGS, diniBoy, Febem… acaba que ainda poucos nomes conseguiram viver disso, viver da parada, tá ligado? Porque é algo ainda muito nichado, muito de maluco também, tá ligado? Então, ainda mais aqui que a gente é lavado por trap pra cima e pra baixo, com o trap mais raso possível, tipo 90% da música da Mainstreet [selo do Orochi].


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