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Publicado a: 09/06/2016

Animal Collective: “O nosso instinto, disco após disco, é fazer o oposto do anterior”

Publicado a: 09/06/2016

[TEXTO] Bruno Martins [FOTO] Tom Andrew

Começa hoje a quinta edição do festival NOS Primavera Sound e os norte-americanos Animal Collective são os grandes nomes desta primeira noite no Parque da Cidade, no Porto – actuam à 1h10. A banda formada em Baltimore por Avey Tare (David Portner), Panda Bear (Noah Lennox), e Geologist (Brian Weitz) editou, em Fevereiro, o seu último disco, Painting With, o décimo de uma discografia que tem vindo a deixar marcas no universo da música electrónica psicadélica e experimental.

O novo álbum volta a levar os Animal Collective até às ideias visuais e plásticas a que a música do trio tem estado quase sempre associada. Mas é também, como nos diz Noah Lennox, uma resposta ao trabalho mais denso que fizeram em Centipede Hz, o último de originais editado em 2013: o resultado, descrito por um dos criadores, é um álbum que puxa, sobretudo, pelas vozes e baterias – “pelo menos era essa a ideia”.

Nesta conversa com o Rimas e Batidas, Panda Bear conta-nos a génese deste “Painting With”, dos processos criativos que facilitam a composição mesmo quando estão separados por milhares de quilómetros, e também do conceito visual deste décimo trabalho de estúdio, que conta também com uma aplicação móvel que convida os fãs a puxarem pelo seu lado criativo e que é, sem dúvida, um bom entretém para deixar as horas passar até à hora de ver mais uma explosão de cor no Palco NOS instalado no Palco da Cidade até domingo.

 

Os Animal Collective parecem ter uma agenda muito bem organizada no que diz respeito à criação de novos discos. Conseguem conciliar muito bem os discos da banda com os trabalhos a solo. Conta-nos como é que funciona o vosso processo criativo:conseguem conversar muito sobre o que vão fazer, mesmo estando em cidades diferentes dos EUA – LA e Washington DC – e estando tu em Lisboa?

Sim, tem que haver muita conversa entre todos antes de começarmos a atirar-nos ao trabalho. Já é comum, entre nós, este constante atirar de ideias para o jogo de dizer “eu tenho mais vontade de fazer algo assim ou assado”. No fim é conseguimos perceber que cinco ou seis dessas ideias ganham alguma consistência, enquanto tudo o resto vai-se desvanecendo. É como um processo de subtracção. Como se moldássemos algo em plasticina, a acrescentar e a tirar para conseguir dar forma à peça. Desta vez, neste Painting With, o processo aconteceu de uma forma muito moderna: através de SMS. Pela distância que existe entre nós, é a forma mais conveniente e eficaz que há, creio eu. Foi no fim de Agosto de 2014 que começámos a trocar mensagens a falar sobre aquilo que achávamos que era mais entusiasmante fazer, a trocar ideias e a perceber quem poderia vir a envolver-se. E depois, em Janeiro, começámos a escrever canções.

Por se conhecerem há tantos anos – quase 20, enquanto amigos que cresceram juntos em Baltimore – esse trabalho, mesmo à distância, também se torna mais fácil de fazer.

Mais ou menos. Ajuda porque sabemos, mais ou menos, aquilo que cada um vai trazer para as discussões, as sensibilidades de cada um, aquilo que nos entusiasma. Mas, por outro lado, também é mais difícil surpreendermo-nos. Mas isso tanto é válido para a banda como para mim: quanto mais se faz, mais difícil é encontrar um lugar novo para estar. Não é um trabalho mais difícil, mas o processo torna-se, obrigatoriamente, diferente.

O último Centipede Hz revelou-se um disco muito denso e intenso. Quais foram as ideias que saíram das conversas preliminares sobre este Painting With?

Tem sido o nosso instinto, álbum após álbum, fazer o oposto do que fizemos no anterior – ou, pelo menos, a ir para uma direcção muito diferente. Pode ser por estar cansado de um certo tipo de som, mas, olhando em retrospectiva, é comum fazer uma coisa e depois fazer algo dramaticamente diferente. Por isso, desta vez, sabíamos que não queríamos algo tão denso, como disseste. Este disco parece-nos um pouco mais minimalista, mesmo que algumas pessoas não o ouçam assim. Mas para os meus ouvidos, a maior parte do disco é de vozes e baterias. O meu cérebro já está afinado, mas há muitas coisas que elevam as vozes e baterias. O plano era esse: fazer algo mais despido e também algo mais vocalizado que ainda não tínhamos feito antes. Criar música para dois cantores – mas sem aquele setup tradicional, de uma primeira parte de voz e depois outra secundária que embeleza a primeira. São mesmo dois cantores em que juntos criam uma só voz, um elemento melódico.

Ao estilo de bandas clássicas da pop, como os Beach Boys, por exemplo?

Não falámos muito disso. Adoramos esses géneros, claro, mas diria que está mais ligado às tradições folk de vários sítios do mundo e ao estilo de cantar que se herdou daí. Mas claro que essas coisas dependem das perspectivas de cada um e das “bibliotecas” pessoais de música de cada um. Cada pessoa aborda uma música em função da sua experiência musical – e quando alguém nos diz que a nossa música lhe faz lembrar isto ou aquilo… é difícil dizer que estão errados. Mas respondendo mais directamente à pergunta: não me lembro de falarmos de Beach Boys, mas lembro-me de o Avey falar das composições de Tin Pan Alley [o beco entre a 5ª Avenida e a 28ª Rua de Nova Iorque, que congregava as mais poderosas editoras de música americanas]: pequenas composições pop, mágicas, detalhadas e intrincadas, como se fossem pequenas máquinas de fazer música pop. Era essa a ideia.


 

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“Espero que o título, Painting With, sugira que escutar esta música – ou experienciá-la – é algo que fazemos juntos na banda, mas que também fazemos com todos os fãs, ao ouvi-la. Pertence-nos a todos!” – Panda Bear


 

Também partilham ideias de uma forma mais visual? Através de desenhos, por exemplo?

Desenhos não muito, mas usamos muitas imagens. São como o substituto daquela linguagem tradicional e académica da música. Alguns conceitos mais clássicos, como leituras de pautas, surgiram quando ainda éramos novos, e mantiveram-se, mas há muito vocabulário que já esquecemos. Hoje não sou capaz de ler música. Porém, em substituição de dizer que esta ou aquela canção é neste ou naquele acorde, em Sol ou Lá… tornou-se uma prática mais comum trocar ideias e falar através de imagens, gestos ou, às vezes, cores. Pode parecer horrível, eu sei, mas desenvolvemos a nossa linguagem musical para descrever as coisas uns aos outros.

Não é nada estranho, digo eu. Já o tinham feito no álbum visual ODDSAC, em 2010. Desta vez abordaram o lado visual de Painting With através de uma app que convida fãs e utilizadores a pintar juntos.

É verdade. Não diria que o disco tenha uma única narrativa. Quando tivemos as canções todas prontas, sentimos que havia um espírito de união. O álbum não transmite um espírito de isolamento, mas mais de comunhão, de discussão das coisas. A app foi uma uma ideia fixe para unir as pessoas à volta da música. Espero que o título, Painting With, sugira que escutar esta música – ou experienciá-la – é algo que fazemos juntos na banda, mas que também fazemos com todos os fãs, ao ouvi-la. Pertence-nos a todos! A app é uma extensão dessa ideia.

É interessante. Lembro-me que, mais ou menos desde o ano passado, começou a haver uma moda para adultos: livros para colorir.

Ah, já ouvi falar disso! Acho muito bem. Parece se deixou de dar valor ao lado criativo da vida de cada um. Aquelas coisas boas que fazemos quando somos pequenos, mas, sem motivo nenhum, passam a ser esquecidas. Acho que é muito bom encorajar as pessoas adultas e mais velhas a voltarem a essa zona criativa.


 


 

Há um nome que salta à vista nos créditos do disco: John Cale. Como é que ele aparece na faixa “Hocus Pocus”?

Confesso que foi uma ideia muito utilitária. O Brian tinha um som em de que todos gostávamos, mas nem todos estávamos convencidos da qualidade do som. Parecia uma coisa muito samplada tocada num teclado. Por isso quisemos substituir essa parte com outro instrumento. Soubemos que o John tinha trabalhado com a irmã do Avey, que faz animações visuais – em vídeo e ao vivo. E sabíamos que ele andava por Los Angeles. Sendo todos grandes fãs de Velvet Underground e também daquele universo mais experimental dele, pensámos que ele poderia ser a pessoa indicada para fazer esse som que procurávamos. Arriscámos, convidámo-lo e, felizmente, juntou-se a nós. Acabou por não substituir aquela parte de que não gostávamos tanto porque o Brian acabou por fazer uma outra coisa, mas o John passou um dia connosco no estúdio, veio e trouxe uma série de equipamentos, instrumentos electrónicos e foi ele que acrescentou umas coisas à música.

E como está a ser recriar este Painting With ao vivo?

Já fizemos três fases da digressão. Estávamos todos um bocadinho nervosos com a tour, primeiro que tudo porque nunca tínhamos gravado canções antes de as tocar ao vivo. Só isso foi uma nova experiência para nós, que nos levou a territórios não explorados. Mas depois houve também a parte logística, de perceber o que cada um ia tocar. Em estúdio, quando fomos gravar, foi um processo bastante democrático e livre, sem grandes divisões de tarefas, por isso, a primeira coisa que tivemos de fazer foi delegar responsabilidades. Em Janeiro fomos passar umas semanas a Washington DC para preparar tudo, dividir as músicas. A verdade é que tem corrido muito bem: é um set muito enérgico, como o disco, com momento mais lentos.

A semana passada estiveram em Barcelona e agora vêm à edição do Primavera Sound no Porto. Pela história deste festival, são concertos especiais?

Bem… não quero ser crítico, mas preferia o Primavera de antigamente. Não sei se chegaste a ir lá a Barcelona há dez anos… Quer dizer: ainda é incrível! Mas hoje já é muito grande e isso torna-o pouco diferente de todos os outros festivais. Mas volto a dizer: o booking e o alinhamento é incrível. Ouvi dizer que a edição do Porto também é impecável, mas ainda não estive lá. Estou à espera que seja a versão daquilo que eu gostava mesmo em Barcelona.



 

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