LP / CD / Digital

Andy Stott

Never The Right Time

Modern Love / 2021

Texto de Nuno Afonso

Publicado a: 31/05/2021

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Torna-se difícil traçar algum do perfil da música na última década sem pensar num determinado grupo de nomes. Gente que soube reinterpretar ecos do passado, apontando direções de futuro, sem nunca esquecer essa consciência da liberdade do presente. Dito isto, torna-se difícil não adicionar nesta equação o músico e produtor inglês Andy Stott. E para que sejamos justos, convém não enveredar em formatos estilísticos; discos como Luxury Problems, ou a magnífica dupla de EPs We Stay Together e Passed Me By, estabelecem uma amplitude que vai para além do techno. A capacidade de criar atmosferas claustrofóbicas e sensuais, narrativas sonoras arrastadas e encontrar um brilho que se escondia na penumbra foram qualidades-chave para construir impressão extremamente pessoal. Tão pessoal que quando escutámos Double Negative do trio dos indie-rockers Low foi impossível não estabelecer paralelos — algo especialmente tocante vindo de uma banda com quase 30 anos de carreira e de uma origem tão díspar.

Never The Right Time chega-nos às mãos como um bálsamo depois da purga. É um exercício (relativamente) desviante, deixando para trás uma linguagem que o levou vários anos a encontrar. A eterna questão da luta criativa, entre o alcance de uma identidade própria e a continuação de inovar; ou colocando a questão de um modo mais directo: continuar a escutar o bom velho Stott ou vê-lo a sair de uma certa zona de conforto? Sabemos de antemão que tal noção não existe no dicionário do britânico, mas escutar este novo conjunto de temas é sinónimo de conhecer um outro lado de si.

Os primeiros segundos de “Away not gone” dão o tom de arranque. Onde antes existiria o beat maquinal e portentoso, num profundo transe em chama lenta, agora existe, digamos, menos fogo e mais água. O espaço em redor de cada elemento também parece ampliado, deixando essa comunicação interna de melodias e ritmo afinada para a languidez da voz de Alison Skidmore (que se apresenta em três temas). Para quem passou muitas madrugadas delirantes ao som de Luxury Problems, terá aqui alguma dificuldade em aceitar Never The Right Time sem uma dose de desconfiança. A comichão poderá ser tanta que o termo pop pode inclusive saltar-nos da algibeira, enquanto tentamos perceber qual a real sensação que este disco traz. Porém, façamos bom uso da memória e apercebemo-nos que, na verdade, já desde o anterior It Should Be Us pequenas pistas tinham sido lançadas neste sentido. Noutra dimensão, noutros tempos, mas alguma intenção (dissimulada ou não) de salpicar o fogo que ardia diante de nós.

“Repetitive strain” resgata, de modo isolado, alguma da herança urbana imaginária em Kingston e Londres, num flashback que só desorienta quem vinha fazendo, desde logo, um quadro demasiado realista de Never The Right Time. No entanto, e regressados ao tom cristalino deste disco, que até aqui vinha a ser pautado, “Don’t know how” ou “The beginning” assumem-se como duas canções maiores; afinal, a beleza depositada é inegável e o potencial de formato tradicional de “canção” não envergonha, senão mesmo inspira fascínio. Pelo meio, um belo e melancólico interlúdio chamado “When it hits” que poderia ser um tema inédito dos Slowdive aqui entregue a Stott como uma tocha de testemunho.

Sem a ferocidade de outros tempos, o produtor move-se num plano de (re)conhecimento criativo, após um mapeamento da sombra do techno que ninguém poderá esquecer nos próximos anos. Sobre o real lugar de Never The Right Time na discografia de Stott, diga-se que ainda é muito cedo para entendimentos maiores. Seguro é afirmar que a partir daqui outros ouvidos e outras almas se entregarão a ele.


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