O entusiasmo com que conta histórias, como se as revivesse através das palavras, também lhe atravessa os dedos quando toca. André Santos é um guitarrista de mão cheia, de corpo inteiro, focado no seu discurso, que soa límpido e arrojado em simultâneo, e sobretudo carregado de ideias, umas simples, outras inusitadas, mas sempre merecedoras da nossa atenção. O músico madeirense que conhecemos também do projecto Mano a Mano que mantém com o irmão Bruno atendeu o telefone em horário matinal, enquanto caminhava, não numa das veredas que tanto o fascinam como assustam (já vão perceber…), mas nos afazeres a que precisa de dar conta antes de rumar a Lisboa para se apresentar no âmbito do primeiro Festival Timbuktu onde o seu mais recente projecto — um quarteto com os saxofonistas José Soares (alto) e Francisco Andrade (tenor) e o baterista Diogo Alexandre — vai apresentar o álbum Veredas, que sai com selo da Timbuktu Records, uma espécie de segunda vida para a Tone of a Pitch de André Fernandes. André Santos abre o jogo e explica como tudo aconteceu e que ideias norteiam esta especial aventura.
Começa, por favor, por falar na tua escolha de companheiros para esta aventura. Há de, certamente, ter havido aqui alguma ponderação na hora de escolheres o elenco para este “filme”, não é?
Exactamente. Sim, ou seja, a minha vontade, para já, para este grupo, era esta premissa de improvisarmos muito e de contar com músicos que fossem de mente aberta e que tivessem também algum jogo de cintura musical, para tanto tocarem coisas mais concretas, como coisas mais abstratas. E também pensei qual seria a formação ideal para este projecto que eu estava a idealizar. Eu já tinha experimentado esta formação há uns anos, um quarteto com dois saxofones, sem baixo, com bateria. O Francisco Andrade participou nessa formação e eu gostei muito dessa experiência. Já toquei com o Francisco em vários contextos, naturalmente, dado que somos os dois jazzistas do Funchal, acabamos por nos encontrar aqui e ali em diferentes projectos. E depois, o Diogo Alexandre é um dos bateristas com quem mais gosto de tocar. Não tocámos assim tantas vezes, mas sempre houve uma empatia muito imediata, não era preciso dizermos muito um ao outro para sentir que a coisa acontecia, tanto pessoalmente como musicalmente. Queria, já há muito tempo, chamá-lo para um projecto meu, e assim o fiz. Com o José Soares já tinha tocado também, não muitas vezes, mas num ou noutro projecto em que eu fui como substituto, assim coisas muito fugazes, mas também senti alguma coisa especial. Tínhamos alguns pontos em comum, musicalmente e pessoalmente, e também queria experimentar ir mais longe nisso. E idealizei que estes quatro elementos — eu e mais três músicos comigo — seriam os ideais para concretizar esta ideia que tinha em mente. Só não sabia se, de facto, a coisa ia acontecer. O nosso primeiro concerto foi no Funchal, tínhamos planeado ensaiar, só que aquele aeroporto do Funchal prega-nos sempre partidas e eu só consegui chegar ao Funchal no próprio dia do concerto. Portanto, ensaiámos basicamente meia horinha, uma hora, depois do almoço e antes do soundcheck, basicamente só para falarmos um bocadinho da música, aprender as melodias e depois eu fazer um briefing — que já tinha feito, através de mensagens e tal — para dizer: “A ideia aqui é começarmos a tocar um tema e os outros hão de surgir ou não, não sei, está tudo bem aberto e vamos na aventura.” E esse primeiro concerto correu mesmo muito bem e a partir daí eu acreditei que este projecto tinha que ser gravado, tinha que ser continuado. Senti que acertei na mouche na escolha dos meus parceiros.
Antes de explorarmos um bocadinho essa ideia do que é que é concreto e o que é que é abstrato nesta música, como tu referias, fala-me também um sobre a ausência do baixo. Isto acaba por ter uma quadratura invulgar…
Certo. Para já, eu também gosto de explorar esse registo mais grave da tessitura, e também sei que esse espaço grave pode ser ocupado tanto pelas peles, pelos tambores da bateria, como pelo saxofone tenor ou mesmo pelo saxofone alto. Isso é uma das razões para ter tirado o baixo. A outra razão é que esta quadratura invulgar, como tu dizes, obriga-no a estarmos mais atentos à partida, porque não há aquele suporte típico do baixo. E isso era uma das coisas que eu também queria neste projecto, neste grupo com esta coisa também de improvisar muito, arranjar vários elementos que nos obrigassem a estar sempre atentos. Temos de estar sempre com o nosso foco máximo e nunca, jamais, entrarmos em coisas automáticas. E começou logo à partida nesta escolha de quadratura invulgar, ao retirar este elemento grave típico das formações.
Falando daquilo que é escrito e improvisado nesta música, eu imagino que aquilo que tu apresentas ao grupo é um conjunto de melodias, eventualmente algumas orientações em termos de tempo rítmico, etc., e que depois deixas espaços em aberto. Primeiro, explica-me se é assim que tu estruturas o trabalho ou não, e segundo, esses espaços que estão abertos ao improviso também têm algum tipo de orientação? Do género: “Aqui nesta parte cada um inventa o que quiser, mas vamos tentar não ser demasiado free ou vamos tentar ser o mais free possível.” Como é que tu geres aquilo que é escrito e aquilo que é livre dentro da música que vocês fazem?
Primeiro, há de facto 5, 6, 7 melodias que eu queria explorar com este grupo, todas elas escritas por mim, exceto uma que é um tema tradicional madeirense que eu também gosto muito de explorar e achei que iria funcionar neste quarteto. Portanto, há que saber as melodias, algumas nem sequer têm bem acordes. Há umas melodias que são o nosso guia, numas não há acordes, outras têm, umas têm tempo, outras não têm tempo. Mas, na verdade, está tudo em aberto. Eu apresentei-lhes os temas sempre com esta premissa de “está tudo mesmo em aberto”. A música pode ser mais rápida, pode ser mais lenta, pode ser com tempo, pode ser sem tempo, é o que for. E às vezes a instrumentação também pode variar. Todos sabem a melodia. Isso é uma premissa que eu quero, que toda a gente saiba bem as melodias, para quando um de nós — normalmente sou eu, mas pode ser outro — sugere uma pista enquanto estamos a improvisar. Dou uma pista, tipo “se calhar vamos para esta”. Eu dou uma pista de uma melodia qualquer e o pessoal já sabe: “Ah, ok, ele está-me a sugerir que vamos para ali”. Mas a instrumentação pode variar. Eu posso, num tema, dizer que são os dois saxofones a tocar a melodia, posso ter idealizado assim. Mas também lhes disse: “Mas aqui, às vezes também gosto que a guitarra toque a melodia e vocês fazem uma base.” Eu deixo mesmo a coisa assim, bastante em aberto, e a parte da improvisação é exactamente a mesma coisa, não há premissa nenhuma, a premissa é mesmo estar tudo em aberto, vale tudo. Vale de repente ficar só um saxofone, de repente ficar só a bateria, variarmos a instrumentação dentro dos quatro, tocarmos os quatro todos juntos, tocar só um, tocar dois, tocar três — todas as permutas possíveis e imaginárias. É o que for. Pode ser uma coisa altamente lírica, pode ser uma coisa altamente confusa, pode ser rápido, pode ser lento — é tudo. E lá está, eu sinto que tenho esta liberdade para fazer isto porque que estes músicos assim o permitem. Qualquer um deles sabe tocar estruturas, sabe tocar a tempo, sabe tocar groove, sabe tocar mais free… É por isso que dou esta liberdade. E isso também dá aquele friozinho na barriga e obriga a ter essa atenção, obriga a que esse foco esteja sempre no máximo. Nunca há aquela coisa de “já sei como isto vai acontecer, isto toca-se aqui, começa a guitarra, depois vai para aqui, vai para ali.” Não. Há sempre uma dúvida e isso é bom, mantém a atenção sempre muito aguçada.
Muito bem. Só uma última questão em relação a esta parte que é mesmo curiosidade pessoal. Quando mencionas as melodias que tu tinhas como ponto de partida, apresenta-las em voices no WhatsApp ou há matéria escrita em pauta mesmo?
A maior parte está escrita, mas uma delas foi precisamente assim, por voice. Eu faço umas maquetes à minha maneira, em que eu estou a tocar e vou dizendo umas coisas, tipo: “Aqui pode ser mais assim ou mais assado”. Vou dando umas coisas meio esquizofrénicas, meio Frankenstein, umas maquetes bastante rasas. Também gosto de lançar um bocadinho essa confusão, em que o pessoal fica assim meio na dúvida. Sempre em prol, lá está, desta atenção máxima, audição máxima, para em palco estarmos mesmo ali sintonizados. Mas é isso, mandei uns papéis e depois, às vezes, mandava umas gravações. Fui percebendo que… Mesmo que eu chegasse a tempo à Madeira nesse primeiro concerto, íamos ter pouco tempo para ensaiar. E quando, de facto, o meu voo foi cancelado, aí percebi bem que não há outra hipótese senão fazer uns briefings assim à distância, mas plenamente confiante, porque sei que esta malta é malta muito rodada, que toca em muitos contextos, e que venha o que vier eles estão prontos.
Têm o tal jogo de cintura que tu mencionavas. E falando em voices no WhatsApp, quando tu fazes essas caminhadas que te inspiram, pelas veredas aí da Madeira, vais tomando notas consoante aquilo que o caminho ou a paisagem te transmitem?
Não necessariamente nesse momento, não. Vou absorvendo e vou reflectindo. O meu processo, neste ou noutros projectos, funciona muito assim. No momento de absorção, estou num momento de absorção. E depois, noutros momentos completamente aleatórios — como tomar banho e coisas assim mundanas, tipo passear na rua, ir a conduzir — estou sempre aqui sintonizado no projecto e vão surgindo ideias. E aí sim, vou tomando notas mentais e em audio em prol desse projecto em que estou focado. Mas no momento de absorção, estou só ali em absorção. Mas esta coisa da vereda, destes passeios, é uma relação já longínqua que eu tenho. Quando era miúdo, fiz uma destas levadas, numa visita de estudo da escola. Era uma levada aparentemente tranquila, segura, eu lembro-me que era uma coisa em que cabiam várias pessoas assim, lado a lado. Era seguro. Mas nessa visita de estudo, eu estava lá tranquilamente com os meus amigos, meio na galhofa, e tive o azar de tropeçar numa pedra e de cair num abismo [risos]. Isto parece uma anedota, parece que estou a inventar, mas é verídico. Eu caí num abismo e fiquei preso por um tronco que cresce perpendicular à parede. Pá, um bendito tronco, porque se não houvesse o tronco, tchau, eu ia por ali abaixo e não estávamos aqui a ter esta conversa. Isto foi para aí aos 9 anos, eu era puto e claro que me lembro. Não me lembro é desta coisa que me contaram depois. Os meus colegas disseram que eu disse: “Tirem-me daqui que eu sou muito novo para morrer” [risos]. E o guia desse passeio tirou-me sem dificuldade, sem sequer precisar da ajuda de cordas, tranquilamente. E eu continuei o meu passeio e na ingenuidade dos meus 9 anos nunca mais pensei naquilo. Mais tarde, aos 18 anos, fui jogar à bola com os amigos, num fim-de-semana ou num feriado. Nós saltámos pela porta de uma escola de padres que há lá, e dá-me um bloqueio total quando estou no topo da porta e não consigo descer. “O que é que se passa?” Começo a tremer das pernas, agacho-me… Foi uma cena que nunca tinha sentido na vida. Disse: “Não estou a perceber o que se está a passar, mas não consigo sair daqui.” Os meus amigos desceram, foram jogar à bola e eu fiquei uma hora sentado lá num muro, a dizer: “Pessoal, não consigo descer nem para um lado nem para o outro.” Eles acabaram o jogo, desceram todos, e eu continuava: “Não sei o que vai acontecer, mas eu não consigo sair daqui.” Até que o bendito padre chegou à janela e disse assim: “Meninos, vocês saltaram a porta? Hoje é domingo, vocês não podem estar aqui. Vou chamar a polícia.” E aí eu desci. Ou seja…
O senhor padre e o medo da polícia resolveram o teu trauma…
Exacto [risos]. O meu medo da polícia era superior ao das alturas. Mas a partir daí… De facto, foi a primeira sensação que tive de vertigens. Porque eu nunca mais tinha feito esse tipo de passeios, não era uma coisa típica da minha família, dos meus pais, esses passeios por essa natureza um bocadinho mais perigosa. Aí comecei a perceber: “Ok, eu tenho vertigens, provavelmente relacionadas com essa queda.” Comecei numa luta interna a tentar vencer esse medo das vertigens e fui fazendo esses passeios.
Não fizeste terapia?
Não fiz terapia. A minha terapia foi ir ao encontro do medo. Aos poucos e poucos fui melhorando bastante. Há pouco tempo tive uma situação em que arrisquei num passeio um bocadinho mais perigoso, mas a Mariana, a minha namorada, estava grávida. Eu aí disse: “Pá, não, a partir daqui já não vou mais.” Comecei aqui a ter pensamentos, mas acho que, pronto, o contexto não ajudou. Ou seja, esse frio na barriga que eu sinto quando estou nessa coisa das alturas, eu sinto um bocadinho, às vezes, em palco, especialmente nestas situações em que é tipo “’bora improvisar.” Mas eu gosto. Por acaso, tive uma amiga que tinha atração pelo abismo e vertigens, e eu acho que é por causa deste jogo de… É tipo, eu gosto disto, de improvisar, mas quando vou para começar penso: “Vai correr bem. Esta merda vai correr bem ou vai ser uma desgraça total.” E eu adoro esse desafio, esse momento antes de começar, que é tipo: “Isto vai dar merda.” Mas depois a gente vai e a coisa acontece.
Para lá dessa dimensão que é muito interior e que é a forma como tu te relacionas com esse desconhecido — o abismo é sempre um desconhecido, nós nunca sabemos o que está lá embaixo, não é? — este disco também é — e tu mencionas isso no texto de apresentação — uma coisa muito comunal, que foi pensado como um exercício de partilha, em primeiro lugar com os músicos que tu escolheste para te acompanharem nessa caminhada pela vereda, e por outro lado até na gravação que fizeram do disco. Foi no Namouche a gravação, não foi?
Foi, foi.
Eu vi pelas fotos. Houve aquela ideia de recriar quase uma espécie de um pequeno clube para teres aquela atmosfera e sentires a vibração do público no momento de tocar. Fala-me um bocadinho sobre isso, esse lado comunitário, se quiseres, da tua música.
Dada a natureza deste grupo, desta coisa viva de estarmos sempre a prestar atenção porque pode acontecer tudo, eu, em estúdio, achei que acrescentaria e seria bem mais produtivo se houvesse duas situações. Uma era gravarmos… O briefing era: “Vamos gravar de uma assentada. Não há paragens, vamos fazer 40 minutos de música, aconteça o que acontecer.” Eu acho que esta música ganha com isso, com erros, com fragilidade, com dar a volta a isso. E em estúdio há esta sensação… Estamos sempre muito conscientes, muito autoconscientes de estarmos a gravar. Mesmo com muita experiência, acaba por acontecer isso. Estejas ou não consciente de que estás consciente, isso está lá. E eu achei que, com público, poderia ajudar a esbater um bocadinho isso. E, ao mesmo tempo, acrescentar um bocadinho de vertigem. Tipo: “Não só estamos a gravar, como há pessoas a testemunhar isto.” E o briefing é: “Não podemos parar.” Tudo, mais uma vez, em prol da atenção máxima. Porque também há um fenómeno em estúdio, que às vezes acontece, que é estarmos a gravar, o take está a correr assim-assim, médio, e nós meio que desistimos. Pensamos: “Vamos levar isto até ao fim, mas já fazemos outro, está-se bem.” E aqui não. Acontece uma coisinha e o foco é ao contrário. É tipo: “Como é que vamos levar isto para cima? Podemos relaxar? Não. Vamos ajudar-nos uns aos outros e vamos fazer com que isto suba.” Por exemplo, o Zé Soares esqueceu-se dos papéis em casa nesse dia, e disse-me: “Pá, mas eu leio aqui do computador, tenho aqui o portátil.” Começamos a gravar e eu começo a perceber que o Zé está a lutar. E eu, no fim, pergunto-lhe: “Então Zé, o que é que se passou ali?” E ele: “Pá, o meu computador começou a crashar, estava sempre a ir abaixo.” Ele tocava umas partes de cor, depois ligava o computador outra vez quando tinha espaço. Ou seja, estas coisas que acontecem, estes problemas e necessidades… Pá, era mesmo isto que eu queria. Isto só acrescenta a esta música, que é para ser mesmo de risco e de estar vivo. Esta foi uma das coisas que aconteceram, mas há outras coisas normais que acontecem, em que um gajo balda uma nota, balda um ritmo, mas os outros dizem: “Não, estou aqui por ti, ‘bora, ‘bora, ‘bora!” E essa partilha, tanto do público como dos músicos que gravaram ao vivo… Foi mesmo sem aquela coisa de “se estiver uma merda, a gente depois edita.” Embora não pareça, às vezes no jazz também o fazemos, editamos, porque hoje em dia a preguiça às vezes fala mais alto, e eu não queria mesmo, de todo, ter sequer uma pontinha de vontade de fazer isso. E quando acabámos de gravar, eles estavam assim: “Não vamos mesmo gravar mais nenhum take?” E eu disse: “Não, não. É isto.” E eles: “Mas tu alugaste o estúdio, podes gravar mais 3 ou 4 horas.” Eu digo-lhes: “Não. É isto que eu quero e pronto, está feito.”
A dada altura também mencionas uma vontade de contrariar um caminho que esta civilização parece estar a fazer e que nos leva cada vez mais para coisas absolutamente perfeitas, que são até, às vezes, mais perfeitas do que a realidade. E a inteligência artificial permite a criação desses mundos, sem falhas. E isto é uma maneira de contrariar isso. É tipo, a ingenuidade natural é melhor do que a inteligência artificial, não é?
Gosto dessa, gosto dessa [risos]. Nunca tinha pensado nessa da ingenuidade natural. Epá, é tal e qual. Ou seja, eu movo-me em vários meios, em vários estilos, tenho a sorte de estar rodeado de músicos que normalmente gostam de risco, mesmo que estejam num meio menos jazzístico e tal. Mas, de facto, vejo muito essa obsessão, às vezes em coisas em que participo, por essa coisa de ter tudo certinho, há uma certa insegurança, um certo medo de arriscar… “Se fizermos isto assim, já não vai ser bom.” Mas por que não?! Há tantos exemplos de coisas altamente estrambólicas que as pessoas gostam e que são interessantes. Mas há sempre este medo de não sermos aceites e de não sermos bem sucedidos. Não sei… Então eu queria, de facto, dar um pontapé na porta e cortar com isso. E também há outra coisa. Recentemente, mesmo no jazz, tive uma ou duas experiências menos boas, no sentido em que senti que outros músicos queriam que eu fosse uma coisa que eu não era. Ou seja, tentavam moldar um bocado a minha personalidade. Hoje em dia há tantos músicos em Portugal com tantas personalidades diferentes que, para mim, não faz sentido nenhum chamar um músico para depois dizer: “Não. Toca assim. Toca assado. Faz mais assim. Mais assado.” Se eu quero um quarteto, escolho três intervenientes em que digo: “Faz o que quiseres e ‘bora.” Eu acho que isso é o que faz sentido. Há tanta gente com quem tocar, não vale a pena forçar uma coisa, há que ser natural. E foi isso que eu procurei aqui.
Quem lança o álbum?
A Timbuktu Records, que está de volta. Quer dizer, é um renascimento da Tone of a Pitch, do André Fernandes.
Para terminar, diz-me: para lá deste projecto, o que é que tu tens em mãos e que é que podemos esperar de ti nos próximos tempos?
Olha, eu em mãos tenho sempre um projecto que é uma espécie de regresso a casa, a que tu já assististe, o Mano a Mano, com o meu irmão Bruno. Esse é um projecto que vai continuar até um de nós deixar de tocar guitarra, seja por que razão for. A nossa experiência no Funchal Jazz com orquestra foi muito boa e queremos registar isso. Também temos em mente, para além desse disco, que será diferente e especial, voltar a fazer mais um disco em duo, eventualmente também já no próximo ano. Depois, também eu gravei um disco a solo à guitarra, em 2022, o Embalo. Apetece-me fazer um segundo volume, não sei exactamente se ainda vou gravar até o final do ano ou no próximo, mas estou com essa vontade para breve. De resto, tenho projectos em que participo com frequência. Toco com o Salvador Sobral na banda dele, também toco com o António Zambujo na banda dele… Vou-me revezando como posso nestas duas bandas. E depois tenho projectos pontuais em que vou participando, algumas produções de discos e várias coisas que vão acontecendo, felizmente. Mas assim os projectos mais ativos são estes.