Desde cedo se percebeu que Aminé viria a ser um artista de mão-cheia. O álbum de estreia, Good For You, editado em 2017, não deixou dúvidas acerca do rapper de Portland, e o single “Caroline” carimbou esse selo de promessa garantida. Chamar-lhe rapper seria, no entanto, redutor, não menosprezando, obviamente, a arte do ritmo e poesia. Porém, por muito espaço que essa caixa tenha, os pés de Aminé ficam sempre de fora nessa arrumação. Mais, depois de Frank Ocean, esta é uma das principais vozes (mais uptempo, é certo) híbridas que se destaca entre o hip hop e o r&b, surgidas, precisamente, na ressaca do autor de Channel Orange e Blonde, trabalhos que abriram uma caixa de pandora na zona cinzenta alternativa desses géneros e na qual muitos caíram, mas poucos se encontraram.
Em 2018, Aminé acentuou a sua apetência para surfar ondas trap, com a mixtape One Point Five, e dois anos depois, no Verão de 2020, lançou o seu segundo álbum, Limbo (com versão deluxe disponibilizada em Dezembro a acrescentar sete novos temas vincadamente “trapados”), um disco carregado de expectativas inflacionadas pela especulação alimentada pelos ainda curtos mas suficientes argumentos apresentados por parte do artista de Woodlawn. Ainda assim, viveu para corresponder às expectativas, ou até para as superar.
Se o rap já era recinto estreito para este artista, as zonas cinzentas exploradas entre o trap e o r&b não chegam para ilustrar toda a sua paleta de cores. Aminé é uma estrela pop, e Limbo é o convite dourado para esse universo cintilante. E mesmo no meio de toda a produção pensada ao pormenor nesse mundo, o som, a imagem, a estética de Aminé assentam nesse campo (ou nesse court – veja-se o sublime vídeo de “Compensating”, com Young Thug), mesmo fora de jogo. Ele representa uma pop alternativa cobiçada por todos, na pele de um ícone em desenvolvimento, que entra, como quem não quer a coisa, no circuito mainstream. Mas não se duvide dessa marca “alternativa”, ou não se julgue esse rótulo como mera classificação fácil ou corriqueira. Temas como “Pressure In My Palms”, com slowthai e Vince Staples, numa das faixas mais marcantes do ano que passou, ou “Fetus”, com os irreverentemente alternativos Injury Reserve, são bandeiras dessa linha que não se define apenas pelos irresistíveis bangers como “Woodlawn”, “Can’t Decide” ou “Riri”, por exemplo.
O disco é ainda fortemente marcado pelo trágico falecimento de Kobe Bryant, que, em “Woodlawn”, espelha a forma como Aminé nos faz dançar ao som de versos nada animadores – facilmente damos por nós a abanar o capacete cantando “RIP Kobe”. É, aliás, uma característica intrínseca sua no limbo entre a pessoa e o artista, comum a todos os seus trabalhos; sempre se sentiu um desfasamento entre as suas rimas e as suas batidas, aquilo que transmite e aquilo que realmente é. As próprias cores de ambos os álbuns transparecem essa dualidade paradoxal, com o azul sobre o amarelo, ou o verde sobre o preto e branco; as cores melancólicas misturadas com tons alegres. E essa melancolia manifesta-se progressivamente ao longo do LP, emergindo totalmente nas últimas faixas.
As expectativas estavam altas, mas Aminé acertou em cheio na hora de subir à rede. No fim de contas, o que se retira deste ambicioso salto (em que a perna não ficou curta) é um disco vibrante, viciante, sexy, da primeira à última faixa, do primeiro ao último minuto, com Limbo a deixar uma marca na terra batida que dita a vitória deste jogador sedutor, numa partida de sentido único e com nota artística. Game, set, match.