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A América pelos olhos de Childish Gambino

[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTO] Direitos Reservados

Neste preciso momento, é fácil endeusar Donald Glover. E ainda bem. Só nos últimos dois anos, o artista criou Awaken, My Love!, Atlanta e, ainda quente, “This Is America”. O novo tema assinado pela sua persona musical, Childish Gambino, é a mais recente amostra de que estamos perante um daqueles artistas que é capaz de sintetizar o presente com recurso a pedaços do passado, mas também do que se está a passar em tempo real. Uma espécie de repórter enlouquecido a relatar os acontecimentos com uma visão muito própria, um misto de surrealismo com comédia que não deixa de ser uma versão alternativa (e válida) da realidade em que vivemos.

A estreia do novo single aconteceu aquando da sua passagem pelo Saturday Night Live e até aí se vê onde é que tem a cabeça. Sketches que vão desde paródias a músicas dos Migos ou a videoclipes dos anos 80 até à sua participação no novo Star Wars ou os tweets de Kanye West.

 


https://www.youtube.com/watch?v=H3x-LVkYhlA


Também teve a oportunidade de tocar “Saturday” no SNL, outra faixa nova que, lá está, leva-nos mais uma vez para outro nome: Pharrell Williams. Se é impossível negar a criatividade e ambição do autor de Awaken, My Love!, a verdade é que também não conseguimos ouvir uma canção de Gambino e associá-la directamente ao seu criador. Ele, tal como outros, utiliza “outras vozes” para se fazer ouvir. Por aqui, é impossível dissociar “DNA.” de “This Is America”, a nível temático e sónico. Não existe inspiração que não deva ser utilizada, mesmo que a proximidade temporal diga o contrário.

Mas regressando à sua visão peculiar da América, Glover, um autêntico multifunções, discorre, sem grandes floreados, sobre a violência, o dinheiro ou a posição do homem negro num país bipolar que nomeia Barack Obama e Donald Trump em mandatos seguidos. Aliás, o instrumental, co-produzido por Gambino e o inseparável Ludwig Göransson, também reflecte isso: a alegre melodia da guitarra acústica ou os coros vão alternando com sintetizadores abrasivos que dão vontade de destruir tudo o que está à nossa volta. Na receita musical, as vozes de 21 Savage ou Young Thug são resquícios de ATL a perpetuarem-se pela música de Bino.

Hiro Murai, um dos realizadores mais fascinantes da actualidade — já trabalhou com Flying Lotus, Earl Sweatshirt, Massive Attack ou Shabazz Palaces –, trouxe a loucura tragicómica de Atlanta — outro produto da imaginação de Donald — para o novo vídeo, que tem a surpreendente presença de SZA, que não consta na lista de créditos da canção.

Em suma, tudo o que o músico/realizador/actor fez nos últimos anos, incluindo “This Is America”, é um atestado de genialidade para alguém que não conhece limites para a sua expressão artística, que, por norma, tem sempre algo de provocadora. Seja em longa-metragens, discos ou outra coisa qualquer, o importante é desafiar sem um tom condescendente. A juntar a isto, Murai, Göransson e Glover são a maior ameaça que uma nação governada por um racista poderia ter. Vocês já conhecem a piada: um japonês, um sueco e um afro-americano entram nos Estados Unidos da América…

 


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