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Fotografia: Guilherme Rocha
Publicado a: 26/07/2022

Crianças, uma mensagem importante: o capitalismo é uma merda.

amador: “Gosto muito de ser influenciado por cenas que não sejam assim tão óbvias”

Fotografia: Guilherme Rocha
Publicado a: 26/07/2022

Podemos certamente aplicar o adjetivo “prolífico” ao output criativo que amador tem vindo a assinar nos últimos anos. Emergindo da cena de hardcore das Caldas da Rainha (relembramos, já agora, as linhas ténues que sempre existiram a ligar essa linguagem musical e o hip hop), o rapper e produtor começou por lançar uma tríade de projectos – ASMA \\\ 001,ASMA \\\ 002 e ASMA \\\ 003 – em 2019, tendo em 2020 acrescentado outros tantos à sua discografia: Canto Sozinho, Morcego e mal feito, um.

Dois anos volvidos sobre o seu mais recente lançamento, amador regressou no passado dia 18 de Julho às edições com amargo, aquele que podemos considerar ser o seu primeiro curta-duração dito “oficial”. Se os projectos anteriores eram marcados por um hip hop industrial a servir como grito de introspecções, amargo é marcado pela conotação com a consciencialização, abordando temas como a luta antifascista ou a precariedade capitalista, mas também pela agressividade (e, quiçá, alguma esperança lá para o meio) que marca a sonoridade de amador.

Para tentarmos entender melhor o universo de amargo e de amador, o Rimas e Batidas trocou, de forma remota, uns quantos dedos de conversa com o artista caldense.



Passaram-se quase dois anos desde o teu anterior trabalho discográfico. Como é que foi a transição desde 2020, altura em que lançaste três mini-projectos – Canto Sozinho, Morcego e mal feito, um – , até este amargo?

Olha, aproveitei um bocado as quarentenas todas e produzi imenso. Fiz imensas músicas, mas não me apetecia lançá-las. Não me apetecia… Sei lá, estava num estado de estar a curtir, estar a criar só para mim. Não mostrava a ninguém, estava ali no meu mundo. Depois, chegou a uma altura em que já não fazia sentido não estar a partilhar. Eu gosto de partilhar a música que faço e, então, fui seleccionar ali umas quantas e lançar essas de tantas que fiz nesses dois anos. 

Seguindo essa ideia, sendo amargo o teu primeiro EP “oficial”, mudou algo no teu processo criativo durante a sua composição? Foi algo mais focado e pensado que anteriormente?

Talvez. Comecei também a introduzir outros instrumentos [em amargo] e passei de casa para um estúdio, um espaço em que se pode estar mesmo à vontade para fazer barulho, fez uma diferença enorme no processo. Depois, epá, para mim sempre foi a cena dos sintetizadores. Experimentar, ir gravando, ir samplando, e nisso não mudou muito. O que mudou foi que neste EP toquei bateria acústica em algumas músicas, coisa que nunca fiz nos outros.

Tu já tinhas uma música num desses projectos anteriores com uma bateria tocada ao vivo.

Ya, mas era programada, com samples.

Na “Crio”?

Ah, espera! A “Crio” foi feita com um amigo meu, o Gaspar [Veludo], que é baterista, e nessa é mesmo bateria acústica. Pensei que estavas a falar de outra. A “Crio” foi feita com o Gaspar, que é aqui das Caldas [da Rainha] também, é assim um amigo de infância. Já nem me lembrava dessa.

Essa combinação entre sons mais sintetizados e as baterias mais orgânicas sinto que adiciona alguma ansiedade à música de amargo e até lhe dá uma aura ligeiramente mais punk. Como é que foi para ti combinar esses dois tipos de som neste projecto?

Foi natural. Eu não sei tocar mais nada para além de sintetizadores e nem costumo dizer que toco bateria. Eu tenho uma bateria. Não sou nada de especial [a tocar bateria], mas estava a tocar bateria e queria acompanhar com alguma coisa e como só toco sintetizadores, tenho de acompanhar com sintetizadores. Eu não sei tocar guitarra, por isso, não há aquela cena de guitarra/bateria. Tem de ser sintetizadores e samples e acho que é uma mistura fixe. Gosto de misturar duas coisas que acabam por ser um bocado díspares — as pessoas associam um bocado a bateria sempre às bandas, com a guitarra e o baixoa. Mas, não sei, foi mesmo natural, não houve assim nada que me espoletasse a fazer isso. Tinha a bateria, tinha ali os sintetizadores, fui fazendo cenas e juntei.

Nesse cruzamento de sons, a “címbalos” chamou-me à atenção pela sua produção – tem um beat bastante dissonante. Como é que foi criar essa faixa?

Foi muita fixe. Essa música [a “címbalos”] já está feita mesmo há muito tempo, vem quase do primeiro confinamento. A ideia para essa música era usar o máximo possível só de samples de bateria e usar o mínimo possível de outras coisas. Gravei pratos e fiz samples de todos os pratos e depois fui fazendo várias sequências para fazer aquele [imita o padrão de uma sequência] e fui experimentando até ficar com uma que me agradasse e depois foi só fazer o beat por cima daquilo. Ou seja, se tu fores ouvir, quase toda a música – tipo 80% da música ou mais –, é só beat. É só hi-hats, címbalos, bombo, tarola. Depois tem ali uma parte, que é a parte onde eu não canto, que tem ali uns sintetizadores. De resto, a música é só beats e a ideia era mesmo essa.

Disseste que a “címbalos” vinha já quase do primeiro confinamento. É a faixa mais antiga que se pode escutar em amargo?

É capaz de ser a “címbalos” e talvez a “OKOKOK”, que é um instrumental. São capazes de ser as duas mais antigas. As outras foram feitas assim mais o ano passado, princípios deste ano.

A “OKOKOK” lembrou-me algo do All My Heroes Are Cornballs, do JPEGMAFIA, com o vocal sample que usas nessa faixa.

Okok, nunca tinha chegado aí [risos]. Mas faz sentido, ya.

O amargo continua muito na tua aventura pelo hip hop industrial influenciado por artistas como os Death Grips ou o próprio JPEGMAFIA. Como é que vais renovando as tuas explorações nesse universo sonoro com cada novo projecto?

Vou fazendo aquilo que sai. Não forço muito por renovar ou por tentar fazer mais parecido com aquele ou com outro. Vou fazendo aquilo que sei e às vezes faço as músicas – e este EP [amargo] tem um bocado isso –, não gosto delas, ou pelo menos, não estou a senti-las muito, e passado um ano ou dois, volto atrás e vejo que as músicas são bué bacanas afinal e volto a usá-las. Mas eu não tenho bem uma resposta para ti nesse sentido [de renovação]. As cenas vão fluindo e há as influências, claro, mas também gosto de ser influenciado por outras coisas que não têm muito a ver com isso [hip hop industrial]. Um gajo que me faz sentir bué, por exemplo, é o Salvador Sobral. É uma cena que não tem nada a ver, mas eu acabo de ouvir um álbum dele e fico inspirado para ir fazer cenas. Às vezes, a gente pensa que um artista procura influências de um estilo parecido, e há pessoal que faz isso. Eu, por acaso, gosto de procurar influências em cenas que não têm muito a ver porque, às vezes, acontece-me uma cena – não sei se acontece a mais gente, mas a mim acontece-me muito –, que é estar a fazer um som e estar a pensar: “Foda-se, isto está bué parecido com aquela malha do não sei quem”. Se um gajo não ouvir assim tanto as cenas muito parecidas, isso não acontece tanto. Não é que eu não ouça, claro, e nunca vou negar que Death Grips – obviamente – e JPEGMAFIA são influências. Mas às vezes acontece isso, um gajo está a ouvir músicas muito parecidas, fica com aquela na cabeça, e mesmo que seja inconscientemente – não estou a dizer que seja para sacar, para roubar, ou para imitar –, um gajo faz [parecido]. Inconscientemente, estás a ser influenciado. Por isso, eu gosto muito de ser influenciado por cenas que não sejam assim tão óbvias.

Falaste aí do Salvador Sobral, mas tens mais exemplos de influências que fujam mais à tua cena e sonoridade?

Assim tugas… Eu sinto muito o Salvador Sobral por causa das letras. Ele tem letras fixes e sentimentais. E se formos [ver] assim em termos de letras, além do Salvador Sobral, o Manel Cruz que, para mim, é o gajo que tem letras mais bacanas, que me tiram mesmo de mim. Por isso, se formos a ver cenas tugas, esses dois são mesmo uma grande influência.

Em relação a esta questão da sonoridade, a “outra”, a faixa que fecha o EP, chamou-me à atenção. Primeiro, porque me lembrou Yves Tumor, e segundo, porque o amargo é um EP tão agressivo e intenso, mas depois termina com uma faixa mui onírica. Foi algo propositado esse contraste para terminar o EP? Se sim, com que objetivo?

Sim, exacto. Aquilo é um bocado o meu tributo ao vaporwave, assim camuflado. Aquilo [a “outra”] são dois samples da mesma música com a mesma batida, mas que uma é mais curta que a outra, e eu meto as duas ao mesmo tempo e aquilo há uma dada altura em que parece que existe um delay, mas não existe. Um [dos samples] começa logo no início [da faixa] e depois começam a disparar as duas e já não estão as duas no mesmo sítio e a batida já não encaixa no mesmo sítio. Eu gosto muito de fazer isso. Às vezes, estou a fazer cenas pela casa ou a arrumar o estúdio e meto um loop a tocar e fico bué tempo a ouvir esse loop. Sou um bocado obsessivo com essa merda porque depois começa-me a funcionar da mesma forma quando um gajo está a dizer várias vezes a mesma palavra e a palavra parece que já não faz sentido. Eu gosto de sentir isso nos loops. E esse [a “outra”] foi um dos loops que fiz assim. Portanto, foi do estilo: porquê acabar isto [amargo] com noise e não acabar de uma maneira mais calma e diferente? Então, foi mesmo propositado e foi mesmo com essa ideia. Até acredito que para muita gente [a “outra”] seja uma grande seca e que nunca chegaram ao fim porque aquilo são para aí cinco minutos de loop. Mas, para mim, faz sentido, e serve também para mostrar um pouco do meu imaginário. Eu curto de estar a ouvir loops e, às vezes, mesmo noises. Não sei, é uma pancada [risos].



Vias-te a explorar este tipo de sons mais melódicos no futuro, como aconteceu com a “outra”?

Sim, vejo-me, porque eu já faço isso, só não ponho online. Claro que não exploro tanto como estes beats que faço, mas às vezes acontece-me uma cena em que não me apetece nada fazer aquilo que faço, ou seja, ir para o estúdio, estar com os sintetizadores à frente e começar a fazer as minhas músicas. Então, começo a disparar para outro lado. Foi dessa forma que começou a cena da bateria. “Pá, não me apetece nada drum machines, então vou meter aqui a bateria”, e depois acabei por misturar. Muitas vezes apetece-me só estar a explorar vinis, assim cenas mais soul, e samplá-los. Um dia, gostava de fazer uma cena desse estilo [mais melódica] um bocadinho mais consistente que fosse audível e publicá-la.

A tua pasta de sons por lançar deve ser gigante! [Risos]

É um bocadinho, ya. Alguns eu já nem sei [quais são], cheguei a escrevê-los num caderno para me lembrar que eles existem porque muitas vezes faço a música num dia e logo a seguir já nem me lembro dela. Há muitas [músicas] que faço e fico, “Epá, isto está horrível”, mas há outras que faço, esqueço-me delas e, mais tarde, vou descobri-las e afinal são fixes. Às vezes há surpresas fixes nisso.

Ficam para o futuro.

Exactamente.

A tua música tem sido sempre marcada pela sua agressividade, mas sinto que em amargo direcionas a agressividade para novos locais. Esta evolução, se lhe podemos chamar assim, surgiu de que forma?

Eu sempre escrevi assim um bocado mais introspectivo. Nunca fui muito, posso dizer, assim muito activista nas palavras que dizia. Escrevia mais para mim, sobre mim. Neste, foi assim semi-natural, semi-pensado – continuo a ser um bocado introspectivo porque é uma cena que não consigo fugir quando escrevo – falar mais de problemas sociais. Acho que é também importante marcar uma posição e, realmente, se são coisas que tenho na cabeça e que me saem quando escrevo, porque não usá-las? Havia alturas nos primeiros lançamentos em que eu escrevia este tipo de coisas e pensava: “Não, quero manter aqui uma linha e não entrar por estes caminhos”. Neste [no amargo], já senti que fazia sentido escrever e falar sobre isto. Não tive esse filtro, são coisas que me saem da caneta quando estou a escrever. Então, por isso é que acabo por entrar ali mais em problemáticas como o capitalismo, a exploração, às vezes mando umas bocas aos fachos. Não filtrei. Escrevi, soou bem, deixei. Foi isso.

É notório que amargo tem uma ideia muito antifascista e anticapitalista por trás. Dado o panorama político e social actual em Portugal, como é que vês estas lutas nos dias de hoje no nosso país?

Essa pergunta pode dar mesmo pano para mangas, mas é fixe! Em termos de fascismo, não estou minimamente assustado, ou seja, não acredito que daqui a cinco anos estejamos a viver num regime fascista. Posso estar redondamente enganado, mas espero que não. Não acredito que isso vá acontecer porque conheço mesmo bué gente, bué pais – eu próprio sou pai – a fazer um óptimo trabalho a consciencializar as crianças e a relembrar lutas passadas. Enquanto houver pessoas que se lembram do que se passou, mesmo que não o tenham vivido, que é o nosso caso, não vamos voltar atrás.

Contudo, o que eu quero dizer quando falo em fascismo ou fachos ou whatever não é de ditadores. Estou a falar de pessoas que seguem essas condutas [do fascismo] e essas maneiras de viver, de tentarem privar as pessoas de certas e determinadas coisas que não têm qualquer impacto na vida deles. Com essas pessoas, estou mais assustado porque, da mesma maneira que eu conheço mesmo muitas pessoas que são mesmo extraordinárias e que têm consciência e que conseguem transmitir isso e passar [aos outros], também conheço algumas pessoas que são um bocado assustadoras. Sendo pai, já assisti assim a certas cenas, certas educações e certos exemplos que dão a crianças e acho que isso pode ser um bocado problemático. Essas pessoas têm mesmo que ser encostadas à parede e temos de lhes conseguir transmitir que não é por alguém ser gay, ser trans, ser mulher, seja o que for, não é por alguém querer fazer um aborto, que isso vai afectar a tua vida — porque é uma orientação, uma opinião, uma decisão da pessoa.

Em relação ao capitalismo, vejo um bocado com piores olhos porque acho que, enquanto há uma grande consciencialização para com o fascismo, o capitalismo acho que temos uma grande falha em não começarmos logo a explicar: “Isto é mesmo uma merda, não é fixe estarmos a ser explorados assim, estarmos a pagar isto assim”. Acho que estamos a falhar um bocado nisso na nossa geração e para com gerações mais novas – e até mais velhas – que acham normal o meu patrão receber 10 vez mais do que eu e que se eu trabalhar muito vou ser como ele. Nisto é que ainda acho que temos que aprender muito e transmitir muito mais uns aos outros. Mas acho que em termos do fascismo estamos no bom caminho, as pessoas estão a ser bem consciencializadas, a luta está a ser óptima. Em relação ao capitalismo, temos de nos esforçar um bocadinho mais em transmitir a palavra.

Disseste aí nas entrelinhas, a educação tem grande papel aqui no meio desta consciencialização toda, para uma ideia mais de comunidade ao invés de pensamento mais individualista. A música também ajuda nesse tipo de expressões.

Acho que tem de ser. A arte é uma forma boa para lutar. É mesmo óptima. Exprimir o que a gente está a sentir, as revoltas que estamos a sentir. Seja uma música mais chateada ou enfurecida como a minha, seja uma cena mais slow ou mais animada, dá sempre para transmitir a mensagem. 

Outrora já tiveste envolvido na cena de hardcore das Caldas da Rainha. No último ano, e grande parte por causa dos Turnstile, o hardcore tem tido maior atenção por parte do público musical além do seu nicho. Com que olhos é que vês esse aumentar de atenção?

Eu sou um bocado crítico para com o movimento hardcore, seja Turnstile – e já vi um concerto deles e foi incrível, tenho aí um álbum deles e de vez em quando estou aí a gritar com eles – seja… Eu gosto de separar o punk e o hardcore e a malta gosta de os misturar. Eu gosto mais de dizer que sou do lado do punk. Não é que isto tenha de ser por equipas, mas eu identifico-me mais com o punk pela sua forma mais crua e mais natural de se viver.

Nas Caldas sempre houve um movimento hardcore muito grande, já desde os anos 90 que sempre teve os seus picos. Houve uma altura que começou assim a crescer – foi quando eu tinha, sei lá, 20 anos, para aí, 19 [anos] –, e comecei-me a envolver aí com pessoal e ir a concertos, entretanto a fazer bandas e a organizar concertos. Houve mesmo uma altura, para aí em 2013, que aqui as Caldas era quase uma capital do hardcore. Havia aqui concertos bué fixes mesmo, a malta dava mesmo tudo. Vinha pessoal de Lisboa, era mesmo fixe.

Mas eu depois comecei a perceber umas certas merdas no hardcore. Toda a postura do “a roupa não interessa”, “somos todos iguais”, “temos que aceitar todos”, mas depois não era bem assim. Começavas a ver que a roupa não interessa, mas vinham gajos cheios de marcas que tinham gasto ali papel. Comecei a aperceber-me um bocado disso. E no punk não me apercebia disso. Via no punk uma cena mesmo genuína. Os gajos chegavam, bem vestidos ou mal vestidos, e não importava. É a atitude, é não estarem ali a pregar, e eu comecei-me a aperceber disso no hardcore e com os Turnstile um bocado também. Eles são assim um bocado show-off e não sinto que sejam assim tão genuínos. Se anda a ter mais atenções, opá, anda a ter o que merece e porque as pessoas andam a gostar. Se formos a ver, é a mesma cena do rap e do hip hop. Há uns anos, não passava quase hip hop na rádio. Hoje em dia ligas a Antena 3 e ouves lá os gajos a mandar caralhadas e acho bem termos abertura para isso. Se calhar o hardcore é o próximo [hip hop]. Qualquer dia está a passar na rádio. Se é um movimento com qual me identifico muito? Já não. Gosto de bandas e sou um bocado selectivo. Se gosto da banda, vou pesquisar bem sobre a banda para saber os antepassados e os presentes [risos]. Com o hardcore sou assim, julgo um bocado, mas gosto bué. Passei momentos incríveis com bandas de hardcore e com o pessoal do hardcore, super influência [na música de amador]. Ou seja, agora estou a mencionar coisas más, mas o hardcore tem cenas mesmo altamente. A cena de ser tudo companheiro, vais para um concerto e estás ali numa comunhão. Isso é fixe.

Tinha apontado para falar da cena de comunidade do hardcore, mas já mencionaste isso. O hardcore é comunidade acima de tudo.

Sim, sim. É pena haver esses deslizes de algum pessoal que… Por exemplo, tens de ter tatuagens. Se não tiveres tatuagens, parece que não és [da cena]. Como eu não ligo a isso e acho que isso é mesmo o menos importante, fico um bocado triste às vezes. Eu não estou com isto a dizer que não podes usar una Air Max. Não é nada disso. É não andares a pregar que não interessa a roupa, mas depois teres aquele ritual de teres que usar as melhores roupas. Eu digo isto porque conheci pessoal que, mesmo em casa deles, era do estilo: “Ah, mas porque é que não usas essas sapatilhas?” e “não, achas? Isso não tem estilo” e não sei quê. Nisto, o hip hop é muito mais franco. Bué pessoal do hip hop curte de estilo e está-se a cagar. Não há nada contra isso. [No hardcore] é esse deslize que eu não concordo. Se não gostas de andar todo roto, não tens de gostar. Gostas de andar bem vestido, com roupinha de marca, nova, bem limpinha, bacano. Cada um na sua. É fixe é a gente ser cada um, todos diferentes, que é para aprendermos uns com os outros.

Fiquei com curiosidade com uma cena. Como é que é um concerto de amador? Como é transpor estas canções para cima de palco?

Basicamente, eu levo dois sintetizadores. Levo o Korg Minilogue, que é um sintetizador com teclas, e levo a minha Roland SP-404. Levo as músicas praticamente preparadas e lanço-as, e em algumas assim que consigo, toco um bocado com o Korg. E depois é assim uma entrega grande enquanto canto aquilo que escrevi, assim um bocado sem filtros.

Alguma vez te vias a tocar em formato de banda ao vivo para, por exemplo, replicar os sons de bateria gravados para amargo?

Ya, já pensei nisso, até mesmo com o Gaspar [Veludo], aquele que falamos há bocado da “Crio”. Chegamos a falar sobre isso, mas juntou-se as pandemias e os caraças e acabou por não acontecer. Já pensei foi fazer músicas já pensadas para bateria, ou seja, compor as músicas com um baterista. Ter um baterista comigo e compor cenas com ele. Isso já pensei, ya. Nunca aconteceu, mas um dia vai acontecer, espero eu.

O Zach Hill português que se apresente à recepção, por favor.

[Risos] Mesmo!

Com este amargo cá fora, que mais é que reserva o futuro para amador?

O futuro é continuar a fazer aquilo que eu gosto mesmo que é fazer músicas e dar concertos. Adoro dar concertos e estar com o pessoal no fim dos concertos. É mesmo uma cena que eu fazia todos os dias. Especialmente a parte do fim, de estar com as pessoas, de falar com as pessoas, dos abraços, não sei quê. Gosto mesmo disso. Agora, tenho assim uma ou outra colaboração que gostava de fazer com amigos e amigas que fazem música também. Estava a pensar fazer um EP e lançá-lo mesmo no dia do Natal. Gostava. Já vi bué gente a fazer isso e acho que é uma cena fixe, especialmente porque eu não ligo muito ao Natal e passo assim o Natal um bocado “eh”. Assim o meu próximo passo pode não ser neste Natal, pode ser para o próximo, mas curtia de lançar assim tipo um EP ou um álbum ou só um par de músicas no dia de Natal.


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