LP / Digital

Alexandre Soares

Ouvido Interno

Edição de autor / 2022

Texto de Vítor Rua

Publicado a: 29/02/2024

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Em “Ultra-violeta”, uma pulsação de oiro do rio craveja em mil estrelas o firmamento da ramagem; um som de oscilador pulsa numa nota musical modulando ressonâncias. A guitarra de Alexandre Soares sugere freeze: notas em variegados layers surgem uma-a-uma, acumulando-se, criando uma bela textura de raios de vento solar que agitava os anéis refulgentes da água, argênteos cometas sopram no veludo das folhas. Percussão minimalista de um Moog. O som das guitarras evolui para um enorme crescendo de intensidade quântica, com um acorde sustido obsessivamente.

Em “Ração de combate”, cada cintilação é relativa a um som específico no radar mental. Um sintetizador repete aleatoriamente um arpejo enquanto a percussão — tipo Gagaku — se instala. Timpanos Cósmicos. Uma pulsação grave grita em ostinato. Sons metálicos industriais entram num ping-pong com uma guitarra distorcida a la rock. Muito longe, a neblina de Betelgeuse, quase uma opera ruidosa; além, Aldebaran, mais próxima e intensa, chispando clusters e criando uma dança ritual em transe.

Analisando “Alçapão”, observamos um som sustido que tem um crescendo que desagua numa pulsação sintetizada de uma nota só que serve de alicerce para o nascimento de uma aventura sónica, que rapidamente se desvanece para dar lugar a uma miríade de guitarras repetindo cronologicamente certas notas pertencentes a um modo musical e que flutuam juntamente com pinceladas percussivas de bombos e tarolas lo-fi mas com um bom gosto magistral. Num ruído fantástico, a fosforescente Alfa Centauri; deleitou-se com a energia sónica radioforme do frutedo de Cassiopeia; pára o módulo rítmico e o tema esvai-se com um canto de guitarras.

Mini-relâmpagos de “Funâmbulas” alumiam o líquido Orion num som estrídulo percussivo e contínuo de uma Cosmic Harp numa modulação de acordes harpejados infinitos, que geram uma harmonia sem-fim deliciosa que nos lambe os ouvidos numa ondulação que introduz ecos e reverberações, que logo desabam, voltando a dar-nos o início de algo que não tem começo…

“Djinn” inicia com um módulo percussivo de um Moog que introduz um drone com certa pulsação num único tom; um ritmo percussivo de várias camadas instala-se; sintetizadores oscilam vibrando; ouve-se o chocalhar do rio na sua curva de Via Láctea, rasgando a vegetação atonal; a nebulosa magalhânica das copas; o estampido duma supernova ofuscante; segue-se um vazio silêncio que cegava… depois… misticamente… glissando e súbita agitação das folhas audiovisuais prenhes de seiva: o tema entra com um ostinato arpejado de guitarra, com uma batida distorcida de percussão; variações de tema e de tonalidade; um som de címbalo swinga flutuando no éter musical.

Ouve-se uma gama em “Página de rosto” entre sons infra e ultra, raios resplandecentes, impulsos sonoros analógicos variáveis, ritmos eléctricos sibilantes; modulação harmónica; guitarras navegam como nuvens que surgem e desaparecem em reverberações cósmicas; na perspectiva textural, uma corola, Tau Ceti, roça em elipses as pétalas de Andrómeda; pressente-se o explodir microacústico dum planetóide alojado numa semente; a queda asa delta amarela dum meteoro arpejado em freeze vindo do topo da árvore dissonante que ao poisar no solo levanta poeira sideral.

“Neónio”: onde o concreto e o imaginário se reencontram; mais longe até a vista ficar louca de um som imenso pulsante e percussivo drónico: o Sol, que naquela manhã embebedava de radiações audioextravagantes as vozes dos pássaros aliens-solistas, que cantam frases atonais em repeat; um crescendo; e nos confins da galáxia, entre os sons da natureza, uma melodia arcaica de um drone sintetizado (quasi didjeridu) e de uma guitarra Fender Jaguar a esvair-se…

“Música!”- o Humano não estava só no Universo…


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