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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 26/11/2022

Exercícios de equilibrismo interior.

Alexandre Soares: “O Ouvido Interno foi uma interiorização de muitas coisas que vejo de fora e que raramente são música”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 26/11/2022

Lá para os lados do Carvalhido. Subir as escadas, descer outro lanço até encontrar o tanque e o jardim. Algures no canto mais sossegado devemos encontrar o Alexandre Soares. As guitarras e a construção de novos samplers. Outros instrumentos, outras tantas colaborações, tendo por base uma ética de trabalho – ideias fortes, lugar à imaginação e nenhuma justificação. Promete maior assiduidade com as novas edições. Enquanto não, deliciemo-nos, em tempo de agrura, com o belíssimo Ouvido interno. Essencial para o nosso equilíbrio, para o cultivo do gosto e liberdade à poesia. Ainda é possível.



[OUVIDO INTERNO]

“As coisas são simples. Quem deu o título ao disco foi a Regina Guimarães. Ela ouviu-o e achou que se adequava. Eu concordei. Eu não penso muito em pôr os nomes nas coisas. Em termos de música achei que tinha a ver com uma leitura interna da minha parte, no sentido até de exercício. Foi uma interiorização de muitas coisas que eu vejo de fora, que muitas vezes ou raramente são música. Tem a ver com tudo – pessoas, livros, ideias que interiorizo e depois transponho fazendo música com ela. Este disco é o resultado disto.”

[A POESIA, A REGINA]

“Mais uma vez foi a Regina que atribuiu os títulos às músicas, como quem me dou muito bem nos Três Tristes Tigres e que trabalha os textos connosco. Gosto muito da leitura que ela faz. É muito rápida. Por exemplo, ‘Funâmbulas‘, tem tudo a ver. Trata-se de um exercício de equilíbrio entre a harpa e a guitarra. Estamos ali num trabalho conjunto, de nos ouvir muito e dos nos situarmos um com o outro. Todos os títulos das músicas apareceram depois do trabalho estar pronto. Foi uma audição da Regina e ela, posteriormente, escolheu-os. Eu tenho uma maneira particular de nomear os ficheiros das músicas. São nomes muito longos e têm a ver com o processo. A Regina é muito mais concreta. Ouviu os temas, dizia ‘acho isto’ e ‘chamar-lhe-ia isto’. Sinto-me muito bem com a proximidade dela.”

[CANÇÃO OU NÃO CANÇÃO]

“Em cada tema há uma estrutura assumida, talvez por isso se possa pensar que há um objecto como canção no álbum. Essa estrutura é assumida. Talvez influência das minhas colaborações com a dança contemporânea. Trabalhos mais extensos. Mesmo quando estou a experimentar, a improvisar, eu depois analiso o trabalho e desenvolvo-o. Realmente há uma coisa estrutural. Não é de todo um bocado solto, no sentido de só porque me apeteceu. Às vezes parte daí. Um bocado que ouço, recrio e trabalho. A composição tem de ficar defendida. Eu gosto. Gosto mesmo disso. Depois podem não gostar, mas eu sei que era aquilo, não é aleatório. Por vezes, utilizo elementos perturbantes, que têm métricas diferentes… mas são trabalhados.”

[A ESTRUTURA MUSICAL]

“Tenho esse trabalho de electrónica, da procura de sons e andar por ali. Ao mesmo tempo, gosto de sons concretos. Acontece muitas vezes pegar na guitarra e depois começar a dar-lhe uns toquezinhos com o sintetizador granular. Outras vezes estou a tocar ao mesmo tempo e faço um processamento ao ouvir. Ou seja, toco muitas vezes em tempo real e faço performance em tempo real. Muito. Sintetizadores e guitarra. Faço um take e meto logo ali a guitarra. E depois há aquele aspecto estrutural de que falávamos, ou seja, se não serve, tiro. Às vezes pego nos instrumentos, por exemplo nos sintetizadores modulares faço bastante isso. Passo por timbres que me interessam, pego neles e crio um instrumento a partir dali. Um instrumento com aquele som, que ficou a ser processado de uma determinada maneira, tiro, e samplo por partes e posso tocá-lo.” 

[SOZINHO]

“É um processo individual. Na minha sala, no meu estúdio. Tenho a sorte de ter uma sala onde vou como se fosse um funcionário da repartição pública. Entro de manhã e fico lá ou para trabalhar ou pelo silêncio, para ler qualquer coisa. Ter um sítio de trabalho assim é uma sorte. Em relação aos field recordings tenho algum interesse, mas não aconteceu neste trabalho. Aconteceu de uma forma muito residual, em um ou dois temas, mas em que não houve seguimento. O que faço é na sala – desafino com instrumentos concretos. Estou na Sonoscopia e eles têm montes de coisas. Às vezes peço um sininho, um instrumento de percussão. Toco e depois faço esse trabalho de sampling, sobretudo para um sampling granular. Tenho um acesso muito fácil em trabalhar aquele som. Gosto muito de trabalhar o som. 

A minha ideia à partida foi sempre de não incluir vozes. Não senti necessidade.”

[O PEDRO E A LEONOR]

“Em relação ao Pedro Oliveira, já há muitos anos, que gosto do trabalho dele. Krake, por exemplo, mas já fiz duetos de improvisação, também de bateria e electrónica. Toco com ele no grupo de apoio que fizemos para o disco do Rui Reininho – 20.000 Éguas Submarinas. Gosto imenso de tocar com ele. Muitas vezes até nos damos para nada, só para tocar. É no meio disso, que trocamos gravações de uma forma muito livre. Ele diz-me – ‘faz o que queres’, ‘ou nesta parte gostava que…’. Incentiva-me a pegar nos sons, pois sabe que tenho a tendência para o corte e cose. No caso da Eleonor Picas foi um pouco diferente. Trabalhei com os Três Tristes Tigres e na produção do disco da Angélica Salvi. Ela acabou de lançar um disco (Habitat) em que também colaboro. Como não tem tempo e tem o seu trabalho sugeriu a Eleonor, harpista também nos Três Tristes Tigres. Uma harpista acústica, mas com que trabalho de uma forma muito engraçada. Elaboramos uma espécie de improvisação, isto é, zonas estruturadas onde aparece uma marca de acordes em que eu os enumero – ‘O teu 2 é o meu 6’. Estamos a tocar e eu digo números. Sabemos que aqueles acordes marcam e vamos saltando. O tema (‘Funâmbulas’) foi feito assim. Andamos ali, sabendo que tonalmente se resolveu. Só assim é que funciona.”

[A ANA E A AUDREY]

“A participação da Ana, desta vez, acontece mais no final. Mandei-lhe uns temas, para saber a opinião dela. Somos livres e já sei que se ela não gostar de determinado tema ou desatinar diz logo. Interessa-me ter estas opiniões de fora antes de fechar as coisas. Desta vez, pedi-lhe para que me fizesse um vídeo para ‘Funâmbulas’.

Já no caso da Audrey Chen (Audrey Chen e Alexandre Soares | Cultura em Expansão – Porto | 13 de Novembro de 2021), o que retiro deste tipo de colaborações é não estarem tão directamente relacionadas com o que faz. É mais na forma como ela aborda o trabalho. Ela tem uma ideia de liberdade absoluta. Ela não justifica uma linha o que faz. É isto. Não tem uma justificação. Não é, nem tem de ser agressivo. O que eu faço é o meu trabalho. Gosto de trabalhar com pessoas que são claras em relação ao que fazem. Menos justificação, mais acção. Foi uma pessoa com quem gostei muito de trabalhar.”

[O TRABALHO NÃO EDITADO]

“Este é o tipo de trabalho que faço bastante. Às vezes ligado à dança contemporânea. Não necessariamente este som, que foi propositadamente feito para este disco. Tem muito a ver com o trabalho que nunca edito. Estou sempre a trabalhar e nunca edito este género de sons. Prometi a mim próprio começar a desenvolver este trabalho para o exterior. É uma forma de evoluir. O trabalho, no fundo, deixa de ser só teu. Apetece-me, o que antes não acontecia muito, que é editar discos. Aliás já comecei a trabalhar no próximo.”

[A SONOSCOPIA]

“A minha sala de trabalho está lá, na Sonoscopia. É a sala mais isolada. Eles sabem que eu preciso de isolamento. Eu gosto de estar assim ‘isoladinho’ e dou-me muito bem assim. Com eles é essa vivacidade e transparência de processos. Estão sempre a entrar e a sair músicos do mundo inteiro. Toda a gente traz uma coisa. Trazem uma forma de estar. São muito dinâmicos no trabalho e na mostra desse trabalho. Deles e das outras pessoas. São muito abertos. Eles também circulam imenso. São pólos de trocas. Sabendo muitas vezes que não dominam totalmente o que estão a fazer. Muitas vezes estão na construção dos próprios instrumentos para a sua performance. Tudo aquilo é novo. Muitas vezes cada projecto tem uma coisa nova. Gosto de estar envolvido num ambiente deste género. Dá-me este exercício de liberdade.”

[O BALLETEATRO]

“Em Janeiro vou apresentar uma peça com a coreógrafa Né Barros. O universo da dança é o universo em silêncio. Daquele movimento. Para mim é muito musical. Eu vejo som naquilo. Tantas vezes estamos a montar as peças, eu no final, que toco ao vivo, poderia dizer que são seis músicas. Trata-se verdadeiramente de uma inspiração.”


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