LP / CD / Cassete / Digital

Alex G

Headlights

RCA Records / 2025

Texto de Filipe Costa

Publicado a: 05/08/2025

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É uma escolha incomum, mas ao décimo disco, Alex G diz-nos desde logo para o que vamos. “June Guitar”, tema escolhido para inaugurar o novo álbum do cantor-compositor norte-americano, Headlights, contraria as entradas desalinhadas de lançamentos prévios, encaminhando o ouvinte por um trilho claro e definido, sem tropelias ou subterfúgios de ordem abstrata. No passado, os temas de abertura do músico da Filadélfia eram ponto de partida para um laboratório de ideias onde se testavam rotas herméticas de exploração e emoção contida, sem que daí resultasse necessariamente uma súmula do que viria a seguir. Não é o caso de “June Guitar”. Aqui não há desvios nem falsas partidas: algumas meditações ponderadas sobre amor, uma voz que se expõe com limpidez e o movimento circular de um acordeão hipnotizante, em espiral ascendente rumo ao infinito.

Depois de se ter afirmado nas trincheiras do Bandcamp, a estreia do autor de House of Sugar pela RCA aponta para uma vontade inequívoca de compôr canções de corpo inteiro, com os meios de produção que só uma grande editora pode assegurar. As intenções estão longe de ser óbvias, mas as escolhas feitas ao longo do disco revelam um desejo persistente de escrever certo por linhas tortas. 

Gravado em vários estúdios da Pensilvânia, Headlights é, em muitos sentidos, a obra que o músico nascido Alexander Giannascoli sempre quis fazer. Não se trata de uma cedência nem de uma ruptura. É antes um caso sério de consolidação e de afirmação de uma linguagem cada vez mais apurada, em que o gesto artístico é colocado ao serviço de um trabalho coeso e claro nos seus desígnios, sem comprometer a evolução artística do autor. Não abre mão à ambiguidade, é certo, mas confere-lhe outra espessura. 

“Beam Me Up”, um dos temas do novo disco, preserva ainda um vínculo com o incerto, essa zona cinzenta onde Giannascoli sempre se moveu com naturalidade. Em contrapartida, levanta por momentos o véu da intimidade, deixando entrever facetas até aqui pouco visíveis. Num instante, parece dar-nos um pequeno vislumbre do seu interior (“Some things I do for love / Some things I do for money / It ain’t like I don’t want it / It ain’t like I’m above it”, canta-se nos primeiros verso de “Beam Me Up”). É um gesto raro, mas de pouca dura: logo a seguir, volta a trocar-nos as voltas, retomando a habitual deriva ficcional (“Im gonna put that football way up in the sky”, escuta-se já no refrão).

Giannascoli, que em tempos se curvou perante os vultos da canção de baixa fidelidade, deixa agora a distorção que encobria a sua voz de parte, revelando um contador de histórias livre e inquieto pelo caminho. “Afterlife”, um dos singles de Headlights, é um verdadeiro tratado de folk indie, guarnecido por arranjos para bandolins e acordeão. “Lousiana” marca um regresso a produções mais rugosas, com o som de motas de alta cilindrada a acomodar um refrão curto e anasalado. “Bounce Boy”, logo a seguir, é igualmente enxuta na forma como entrega uma canção em tudo idiossincrática, entrecortada pelo ruído insistente da caixa de ritmos.

A partir daí a qualidade descamba ligeiramente. O teatro rocambolesco de “Far and Wide” não encaixa com a secção de cordas que atravessa a segunda metade do tema, demasiado cerimoniosa para a encenação que lhe antecede; e a coda de “Is It Still You There” revela-se demasiado delgada para antecipar um final triunfal. Ainda assim, Giannascoli sabe sacar os trunfos necessários para manter o barco à tona. “Logan Hotel”, gravado com banda em torno de um piano, navega o peso da fama com franqueza reveladora, encerrando o disco com uma vibrante gravação ao vivo.

Como em todos os lançamentos do norte-americano, nada do que se ouve é realmente aquilo que parece. Na jornada interior do músico de 32 anos, o real e a ficção coexistem pacificamente, embora nem sempre de forma discernível. Giannascoli é mestre na arte de baralhar e voltar a dar, movendo-se num exercício constante de construção, desconstrução e restauro. Mas Headlights não tem qualquer intenção de ser críptico. A clareza, desta vez, parece intencional, e é nessa lucidez renovada que reside o seu grande encanto.


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