[José Alberto Vasco: Vozes Eléctricas de Alcobaça]
José Alberto Vasco nasceu em Alcobaça, em 1955, e desde então a cidade das águas e dos mosteiros nunca mais foi a mesma. Colabora na imprensa escrita e radiofónica desde 1987, entrelaçando a voz local com o eco nacional, numa dança de palavras e som que transcende limites geográficos.
Co-fundador e co-organizador do Concurso de Música Moderna de Alcobaça, deu palco e corpo ao talento emergente no Bar Ben, entre 1991 e 1997, presidindo o júri nas três primeiras edições. Mais tarde, ajudou a moldar festivais que fundiram géneros e mentes, como o Alcoa Jazz 93, Os Peixinhos do Alcoa Também Já Gostam de Rock e Rockalcoa 98, escrevendo o nome de Alcobaça no mapa cultural do país.
Não se limitou à organização; foi consultor, apresentador de textos para discos e exposições, e guardião das narrativas culturais, responsável pela comunicação de eventos que marcaram a história da música e da arte. A sua visão também encontrou espaço na direção artística de concertos, onde trouxe ao palco figuras notáveis da música nacional e internacional. Como DJ, teceu noites eléctricas em bares e eventos da sua região, enquanto explorava as artes visuais com um olhar inovador.
Em 2011, apresentou a instalação/performance 3′ 44″ – A Joke Around John Cage, um momento que brinca com o silêncio e o som, cujo registo se encontra hoje no MIMO – Museu da Imagem em Movimento, em Leiria. Este foi um dos muitos pontos altos de uma carreira marcada pela experimentação e pela interligação entre diferentes formas de arte.
Autor de sete livros, José Alberto Vasco transita entre a poesia, a novela histórica e o ensaio. Estreou-se em 2002 com Música & Água: Evolução Provável de Um Relacionamento Físico & Espiritual, revisitado e atualizado em 2006. Publicou também Cistermúsica – Uma História, em 2008, e Os Alcobacenses Também Podem Ser Elétricos: Subsídios Para Uma História do Rock em Alcobaça, em 2016.
Mais do que um cronista ou organizador, José Alberto Vasco é uma ponte eléctrica entre tempos, vozes e sensibilidades. De Alcobaça ao mundo, deixou a sua marca com uma intensidade que só a verdadeira paixão pela arte e pela cultura pode oferecer.
[Os Alcobacenses Também Podem Ser Elétricos]
Os Alcobacenses também podem ser eléctricos, porque a electricidade não está nas guitarras, nem no palco, nem no amplificador que vibra, mas nos corpos, nas mãos, nos ouvidos que se abrem como flores metálicas ao som que nasce, ao som que corre como uma torrente invisível de um vale de rocha. José Alberto Vasco, numa crónica de memórias que mais parecem hologramas do passado, desenha, com o fio de um compasso eléctrico, a história de um povo, ou melhor, de uma tribo. Um rock que não começou nas margens de Alcobaça, mas que nelas encontrou um eco, uma sombra cintilante que se estendeu entre os bailes de finalistas e os concertos de jazz no Bar Ben.
Alcobaça, ao contrário do mito do berço do rock nas margens do Mississipi, tem nas suas veias o latente período dos grupos de baile, tão enraizados na tradição quanto qualquer guitarra de Hank Marvin. É aqui que o rock surge, não como uma invasão estrangeira, mas como uma lenta metamorfose, uma electrificação da alma musical de uma vila. Os Solredo e os seus pares emergem como os primeiros a brincar com os acordes anglo-saxónicos, como se o fado e a saudade estivessem a ser invadidos por uma nova maré, uma maré que trazia Beatles e Bee Gees, e mais tarde The Gift e os Forretas Ocultos.
Vasco, de maneira quase científica, mapeia o ritmo desta metamorfose, dividindo o tempo em três actos: antes do Bar Ben, durante o Bar Ben e depois do Bar Ben. O Bar Ben não é apenas um espaço físico, é uma era, um tempo onde o rock de Alcobaça encontrou um ponto de fusão com o jazz, com a improvisação, e com a rebeldia que é própria do rock. As guitarras eléctricas não precisavam de distorções para gerar impacto, bastava a electricidade da ideia — e que ideia, a de transformar uma pacata vila num epicentro de som e cultura.
E aqui, nesta narrativa que nos é oferecida, vemos como a história do rock em Alcobaça é uma história de resistência e adaptação, de um movimento que não morreu com o fim do glamour dos anos 60 e 70, mas que se reinventou, ora nos concursos de música moderna, ora nos festivais como o Pedra Rock. A electricidade, como o próprio rock, não desaparece; apenas se transforma, mudando de mãos, de rostos, de acordes, mas mantendo sempre o mesmo impulso, o mesmo desejo de vibrar.
O livro de José Alberto Vasco é mais do que uma crónica musical, é uma dissecação da alma de uma geração; uma geração que, mesmo sem grandes palcos ou holofotes, se atreveu a amplificar as suas vozes, as suas guitarras, e a sua história. Uma história que é tanto uma memória como um manifesto. E tal como a guitarra Les Paul revolucionou o mundo do rock, este relato de Vasco é uma espécie de amplificador de uma história local que se inscreve num universo mais vasto, mais vibrante, onde o rock é, afinal, o som das margens, das periferias que, por momentos, se tornam o centro.
Aqui, nesta Alcobaça eléctrica, as bandas tocam não apenas com instrumentos, mas com a memória e a saudade, fundindo o passado com o presente, em faíscas de som que ecoam pelo futuro.