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Fotografia: Chris Almeida
Publicado a: 27/02/2024

A empatia sob a forma de jazz.

Alabaster DePlume, antes dos concertos em Lisboa, Coimbra e Braga: “O tempo que passei em Portugal ensinou-me a estar cheio de vida”

Fotografia: Chris Almeida
Publicado a: 27/02/2024

Alabaster DePlume é algo mais do que aquilo que se espera de um músico. É uma fonte de energia, um poço sem fundo de empatia, um cosmos de amor infindo, ou outra coisa que ainda não sabemos. O músico britânico que integra a alargada família criativa da International Anthem, editora de Chicago com quem editou em Setembro do ano passado o seu mais recente álbum, Come With Fierce Grace, respondeu a um conjunto de perguntas enviado por mail antes de assinar três novos concertos em Portugal.

Este poeta saxofonista (ou o contrário, nunca se sabe…) apresenta-se em Lisboa já esta quinta-feira, dia 29 de Fevereiro, na Galeria Zé dos Bois; regressa a Coimbra para nova passagem pelo Salão Brazil, a 1 de Março; e conclui este breve périplo em Braga, com concerto no gnration, no dia 2 de Março. E Alabaster chega com uma graça feroz que só cura quem a ela se rende. Vamos lá?



Depois do sucesso de GOLD, lançaste Come With Fierce Grace no ano passado, um sucessor que retém elementos do álbum anterior, ao mesmo tempo que os despe para se concentrar nos aspectos orgânicos da vossa música. Podes partilhar a inspiração por detrás deste álbum? Como é que ele se desenvolveu?

Para criar GOLD, gerou-se um grande calor entre os músicos. Esse calor foi gerado através de meios de criatividade ternos e alegres. Como resultado, encontrei-me com horas de material muito bom, a partir do qual este álbum Come With Fierce Grace pôde ser desenvolvido. É uma seleção de material que nos escolheu a nós — os músicos — no momento que o estávamos a partilhar. Material que insistiu em ser, e sem “objetivo” ou “propósito”, tal como o leitor pode insistir em ser, neste mundo. Adoro que estejas aí, tu, ser humano, que estás a ler estas palavras. É a mais profunda honra partilhar este universo contigo. Admiro-te por viveres. Por favor, está neste mundo o mais profundamente possível.

Como é que tem sido a experiência de colaborar com a International Anthem? Como é que as tuas viagens aos E.U.A. influenciam a tua música?

Enquanto respondo a estas perguntas, estou a ler o vosso artigo sobre Fly Or Die III da minha amiga Jaimie Branch. Vejo que vocês são amigos da nossa editora. Talvez a minha verdadeira resposta a esta pergunta já esteja presente no facto de eu usar naturalmente as palavras “nós” e “nosso” quando falo da International Anthem. A equipa que compõe esta editora é uma colisão terna, obstinada, séria e muito fixe, de explosões ousadas de humanidade. O meu público nos Estados Unidos arde com uma esperança vulnerável, e isso exige de mim que eu seja cada vez mais verdadeiro e aberto. Vim a este mundo para ser verdadeiro e aberto. O desafio deles torna-me mais capaz de o fazer. Eles desafiam-me com o seu amor.

A tua música possui uma qualidade catártica-regenerativa que ressoa profundamente nos ouvintes, oferecendo consolo e cura. Como abordas a criação de canções como, por exemplo, “Don’t Forget You’re Precious” e “Did You Know”, que têm um impacto tão profundo no bem-estar emocional das pessoas?

João, talvez não saibas o quão profundamente influencias este mundo quando nos tratas com tanto encorajamento, na escolha das tuas palavras. É muito gentil da tua parte partilhares essa perspetiva comigo, obrigado. As canções, tal como as pessoas, terão cada uma a sua própria forma de serem acolhidas. Se eu pudesse dizer como acolher um ser humano, então esse ser humano não precisaria de estar lá (e, portanto, não seria esse ser humano que estaríamos a acolher, mas apenas “qualquer”, apenas “um” ser humano, um tipo de ser humano que eu posso prever usando os meus débeis e lentos processos de pensamento). O mesmo se passa, a meu ver, com as canções. Acolhamo-las como elas escolherem, o que exigirá sempre algo de novo. Respeitemo-las como são, e deixemo-las ensinar-nos o que significa para elas o respeito, se tivermos a sorte de ser visitadas por elas.

Enquanto músico-poeta, apercebes-te de alguma distinção entre estas duas formas de arte? A música pode ser poesia e vice-versa?

Talvez eu considere a poesia como pertencente a um momento entre pessoas, mais do que a um objeto ou material concreto. Correndo o risco de não responder à tua pergunta, devo dizer-te que não me considero qualificado para dizer a alguém o que é ou não “poesia”. Continuo a ser um estudante, e a tua apreciação deste mundo é tua, e tão válida como qualquer outra. Ao mesmo tempo, considero que as colecções de palavras são úteis na medida em que podem apoiar a música opondo-se a ela — como uma cor que se torna mais ela própria quando está perto do seu oposto, ou como as pedras de uma ponte agindo umas contra as outras, formando uma tensão que mantém a estrutura unida.

As vossas actuações, como a do We Out Here Festival no ano passado, que pude testemunhar em primeira mão, mostram uma mistura notável de espontaneidade e profunda empatia com o público, promovendo um sentido de comunidade e envolvimento a vários níveis. Sentes que a tua verdadeira expressão artística se concretiza principalmente durante as actuações ao vivo?

Obrigado por teres feito parte desse momento connosco no We Out Here no ano passado, adorei esse tempo e foi nosso. E adoro o facto de teres falado em empatia, que considero fundamental para o trabalho que precisa de ser feito neste mundo. Ao empatizar com os outros, estamos a envolver a nossa própria vulnerabilidade e a envolver a imaginação. A imaginação é o domínio do artista, e aqui reside uma das principais responsabilidades dos artistas em termos dos desafios que vemos hoje em dia no mundo, na nossa vida quotidiana a nível local e também a nível mais alargado — por exemplo, os crimes cometidos pelo estado israelita na Palestina. Há uma maior preocupação nas pessoas em geral, por empatia, do que por vezes pensamos. O facto de pessoas como tu responderem a este elemento dos meus espectáculos parece testemunhar isso mesmo. Acredito nas pessoas deste mundo e na sua paixão pela empatia. Se eu tivesse de decidir qual é a minha “verdadeira expressão artística”, sinto que poderia correr o risco de fechar portas. Prefiro deixar esse grande título em aberto, para que possa dar espaço às interacções que ainda vou ter com inúmeras pessoas para chegar a um consenso orgânico. Mais uma vez, a minha resposta é vaga. Mas direi que os nossos momentos juntos — ou seja, os momentos que partilho contigo, o leitor, o público — me comovem de uma forma profunda e sempre pessoal, para nós.

Já tiveste a oportunidade de actuar em Portugal em algumas ocasiões e vais regressar esta semana para concertos em Lisboa, Coimbra e Braga. Como vês a receção à tua música em Portugal e o que pode o público esperar das tuas próximas actuações?

Os tempos que passámos até agora no vosso país ensinaram-me a fazer duas coisas — brincar, quero dizer, ser brincalhão, e viver. Estar cheio de vida. Pode dizer-se que o público do vosso belo povo salvou da quietude alguns fragmentos da vibração do meu coração. Isto não quer dizer, no entanto, que possamos “esperar” a mesma coisa dos nossos próximos espectáculos. Que tempos serão esses? O que é que vai acontecer em Coimbra, em Lisboa, em Braga, daqui a uns dias? A resposta a esta pergunta depende de quem vai lá estar. Quem és tu e como é que te respondo, como é que aprendo a oferecer-te amor, um amor que só tu podes reconhecer. O que é que descobrimos quando nos encontramos. Isto é algo que nunca posso “esperar”, mas apenas aspirar a estar presente, e verdadeiro, e totalmente eu próprio, quando nos encontrarmos.


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