Na semana passada (28 de Maio) faleceu o grande Al Foster, um dos meus bateristas favoritos. Tinha 82 anos. Al Foster possuía uma batida espetacular, transversal entre o bebop, o funk e a fusão, com um groove incrível, o que se costuma chamar “in the pocket”, que dá à música uma pulsação rítmica excitante, sólida, mas ao mesmo tempo solta, mantendo a secção rítmica num jogo de precisão e flutuação. Ele toca em cima do tempo “um”, ou “on the beat”, uma característica dos músicos negros de Nova Iorque.
Oiça-se por exemplo “Fat Time”, do álbum de Miles Davis de 1981, The Man with the Horn, onde Foster faz um beat, um jogo entre a tarola o bombo, com um shuffle absolutamente incrível colado ao baixo do Marcus Miller como se fosse o motor de um comboio imparável. Foster aguenta este beat durante todo o solo de Miles e explode, aos cinco minutos e trinta e nove segundos, com um prato de crash por cima do solo de Mike Stern. Esta batida é contagiante e só queremos que nunca acabe. Este ritmo rotativo e circular que nos sugere algo de transcendente, entre o dramatismo de “Tristan e Isolde” de Wagner e uma pulsação rhythm and blues, é o que faz da sua interpretação algo de extraordinário. Foster é um baterista criativo. Quando ouvimos os seus solos somos confrontados com uma linguagem melódica, cheia de polirritmias, mas também muito colorida. Veja-se, por exemplo, este fabuloso solo num concerto com Sonny Rollins; ou aqui com a banda do pianista McCoy Tyner. É dos bateristas mais musicais que já ouvi, talvez a par de Elvin Jones, outro dos grandes coloristas.
Vi-o ao vivo, pela primeira vez, com Miles Davis em 1985 num concerto magnifico no Avery Fisher Hall, em Nova Iorque. Era a banda eléctrica do período de retorno de Miles, depois do interregno de cinco anos que fez no final dos anos 70. Al Foster foi o músico que transitou das últimas gravações dos 70’s para os anos 80 mantendo a firme pulsação funk desse período. A banda era magnifica, com Marcus Miller no baixo e Mike Stern na guitarra eléctrica. Tive uma estranha sensação de nunca ter ouvido música assim, como se o tempo tivesse parado. Nunca ouvi música tocada com aquela eletricidade e com aquele nível criativo. Aliás, oiça-se o que ele fez nas gravações do Miles Davis daquela época. Aqui, por exemplo, o up-tempo explosivo em “One Phone Call” do disco You’re Under Arrest numa combinação explosiva entre rock e funk, ou o minimalismo da bateria no tema “It Gets Better” do álbum Star People, em que praticamente só usa o prato de choque combinando em perfeita sintonia com a simplicidade da percussão do Milo Cinelu, ou ainda a batida completamente frenética em “That’s What Happened”, num estilo quase jazz-punk do álbum Decoy de 1983.
Meses mais tarde fui estudar guitarra com o Mike Stern, naquele tempo — e por causa de Miles — o guitarrista mais em voga de Nova Iorque. A cena de jazz na cidade era fantástica e tive oportunidade de ver o Al Foster tocar muitas vezes em pequenos clubes, ás vezes em jam sessions. Lembro-me de uma jam magnifica do John Scofield no Bottom Line, no Greenwich Village, em que fiquei sentado mesmo à frente do Foster. Era dos tipos mais divertidos que vi a tocar. Via-se que estava a curtir e viver a música. Neste clipe, sente-se isso, a vida.
RIP. Descanse em paz, Aloysius Tyrone Foster (1943-2025).