pub

Fotografia: Fanny Chu
Publicado a: 18/07/2025

A poeta e artista norte-americana em discurso directo antes do concerto no MIMO.

Aja Monet: “Cada geração tem a sua luta e vai ter a sua recompensa”

Fotografia: Fanny Chu
Publicado a: 18/07/2025

Poeta, música e activista, a norte-americana Aja Monet encontra-se pela primeira vez em Portugal. Depois de ter actuado no Musicbox, em Lisboa, ruma ao festival MIMO, em Amarante, para um concerto este sábado, 19 de Julho, no Parque Ribeirinho.

Ao vivo, acompanhada pela sua banda, leva a poesia numa viagem da palavra dita pelas sonoridades do jazz e pela tradição ancestral dos blues, afirmando posições políticas e levando aos palcos (e aos públicos) textos interventivos, antirracistas, feministas ou descolonizadores, enfrentando de frente os autoritarismos e as opressões.

Criada na zona de Brooklyn, na grande metrópole que é Nova Iorque, Aja Monet lançou em 2023 o seu primeiro álbum, que tem servido de base para esta tour internacional. Nomeado para um Grammy, em when the poems do what they do ouvimos a voz assertiva e vivida da poeta sobre paisagens jazzísticas, num disco que soa a hip hop mesmo que não contenha um flow rappado. Enquanto viajava entre Lisboa e Amarante, Aja Monet atendeu a chamada do Rimas e Batidas para uma conversa sobre o seu trabalho e aquilo que se segue.



As suas actuações ao vivo carregam muitas vezes um peso espiritual e emocional profundo. Que papel desempenha a improvisação na performance?

Antes de mais, temos uma base, temos uma estrutura, mas a improvisação permite-nos afastar-nos disso e, idealmente, levar-nos à emoção e conduzir-nos à verdade do momento. Por isso, tentamos estar muito presentes no momento.

O seu trabalho vive muito da intersecção entre a poesia, o jazz, os blues e a tradição do black radical thought. Como define a sua prática? Considera-se mais uma poeta, uma música, uma activista ou algo diferente? Também já se descreveu, por diversas vezes, como uma “poeta surrealista dos blues”.

Acho que é tudo isso, sabes, mas penso que a base do que faço é a poesia. Mas sim, é uma combinação de tudo isso. Muita gente chama-se a si própria poeta. Nem toda a gente tem a mesma educação sobre o que isso realmente significa. Por isso, para mim, é importante dar às pessoas contexto e perceber com quem estás em conversa, que legado ou que tradição estás a trabalhar. Como em qualquer outra forma de arte, há professores, há mestres, pessoas que estudamos. Por isso, para mim, é importante estudar os blues e o movimento surrealista. E uso essa definição para que as pessoas compreendam o que estou a fazer. É um bom contexto e linguagem para falar sobre o meu trabalho, que ajuda a criar um ambiente seguro para estarmos numa conversa. Muitas vezes, os repórteres ou as pessoas com quem falas sobre o teu trabalho não fazem uma boa pesquisa sobre o que estás a fazer, por isso, muitas vezes, podem limitar o teu trabalho apenas à tua raça ou ao teu género ou a coisas que estão associadas. Por isso, quando digo “poeta surrealista dos blues”, isso situa o meu trabalho numa linhagem muito específica. E ajuda a dar às pessoas um enquadramento de referência. Assim, não estou limitada pela falta de imaginação ou de pesquisa por parte do entrevistador, do crítico ou do ouvinte, é algo que ajuda a dar contexto.

Falando sobre a relação entre a sua poesia e a música, disse numa entrevista que os seus poemas são como música de partitura. Que papel desempenham o ritmo e o silêncio na urgência da sua escrita, quando está no processo criativo? Está a escrever e a pensar na performance, ou isso vem depois?

A poesia… Tudo é composto por som e música. Para mim, não se trata tanto da performance — trata-se de como as coisas soam. Por isso, quando estou a dizer algo, estou a tentar ouvir a música daquilo que estou a dizer. E vou editando e revendo esses pensamentos.

Falava da falta de imaginação, e muitas vezes tem defendido a importância daquilo que descreve como “imaginação radical”, no sentido de ser muito intensa. Numa era em que existe um cinismo muito presente, em que vivemos em sociedades que muitas vezes se deparam com crises de valores morais, como é que mantém a sua imaginação radicalmente viva? Existem coisas que faz para a alimentar, ou é algo que está muito dentro de si?

Acho que está dentro de toda a gente, mas há coisas que se podem fazer para a cultivar e para a nutrir, preservar, mas também proteger. Está dentro de toda a gente, mas acho que toda a gente tem de ser disciplinada quanto a isso. Sabes, qualquer ofício ou empreendimento exige disciplina, por isso, às vezes, as pessoas, todos nós, podemos ser vítimas da nossa própria espécie de preguiça e arranjamos desculpas para nós próprios sobre o que não está a acontecer ou o que não vemos a acontecer ou o que queremos que esteja a acontecer. Mas isso exige disciplina, as coisas exigem prática e esforço, exigem trabalho e ética, por isso acho que, como qualquer coisa, se não arranjares tempo, então não vais conseguir ter uma boa relação com isso. Se quiseres ter uma relação profunda e significativa com a tua imaginação, tens de arranjar tempo e ser disciplinado quanto a isso. Estamos a viver um momento de falta de imaginação política por parte dos líderes mundiais. Reduzimos e controlamos muito a nossa relação connosco próprios e uns com os outros, por isso acho que parte do nosso trabalho é reprogramar, descolonizar e democratizar as nossas ligações com a Terra, com o território e uns com os outros. Assim que conseguires fazer isso, estás óptimo, resolveste a questão.

Sente que o seu trabalho é mais importante do que nunca, considerando esse contexto?

Não sei. O meu trabalho sempre foi importante. Acho que o mundo é que leva tempo a acompanhar… As pessoas têm épocas, tudo tem uma época. Há momentos em que as pessoas prestam atenção, há momentos em que não prestam, por isso cabe-te a ti manteres-te comprometido e consistente. Se estás comprometido com o trabalho, tens só de esperar que as pessoas apanhem o barco. E se conheces a história, se estudas a história, compreendes que o que vivemos agora não significa que este tempo seja extraordinariamente novo, é só que… Diria que é prevalente para nós porque este é o nosso tempo, mas cada geração tem o seu tempo, cada geração tem a sua luta, e cada geração vai ter a sua recompensa, mas neste momento a Internet, as redes sociais, aceleraram a nossa relação com o que está a acontecer. Nunca vimos esta quantidade de informação, nunca vimos pessoas a serem inundadas com esta quantidade de informação ao mesmo tempo. Estou fascinada com a forma como isso está a moldar as pessoas e com a forma como a informação está a ser disseminada, mas em termos do que fazemos e da tradição de que falamos, nós apenas podemos tentar garantir que se mantém certo para a classe, que se mantém certo para o dom em si. Tens de garantir que não deixas as pessoas explorarem o que fazes, porque isso te pode mesmo levar a tornares-te numa caricatura de ti próprio. Por isso, tens de fazer o que puderes para te manteres fiel à origem da razão por que fazes o que fazes. E prestar sempre homenagem aos mais velhos, às crianças. Acho que isso é mesmo importante, para dizer se o trabalho é relevante ou não.

when the poems do what they do foi um dos álbuns de spoken-word mais relevantes dos últimos anos. Essa experiência, as vivências de actuar ao vivo pelo mundo, o feedback e a recepção que tem tido desde então — isso está a influenciar as novas criações em que provavelmente já está a pensar? Tem sido um marco que vai influenciar o seu futuro trabalho na música e na poesia?

Tudo isso que referiste toca-me, tudo isso também está a criar algo novo. Vou ser sempre impactada pelas coisas que faço, e mesmo antes do álbum, os open mics, tudo o que faço com encontros e organizações, os espaços culturais em que estive durante tantos anos, todas as grandes salas e todos os lugares onde actuei, tudo isso toca-me… Acho que, se alguma coisa, o álbum vai informar as decisões que tomo daqui para a frente. Quer funcione ou não, há coisas que se aprendem pelo caminho. Por exemplo, agora sou uma líder de uma banda. Isso é algo diferente. Viajar e andar em digressão com a música nos últimos três anos mudou tudo. Portanto, claro que tudo isso informa e molda aquilo que se segue. Estamos a trabalhar no próximo álbum agora. Acho que vai ser muito diferente do último.

O que é que pode contar sobre ele?

É um álbum honesto, é uma colaboração criativa entre mim e os músicos de quem gosto mesmo. O Justin Brown, que é o meu parceiro, tem tido um papel muito importante. A Meshell Ndegeocello é uma das grandes produtoras, é a produtora principal. Neste momento estamos só a sentir, a explorar. A ver o que vem e a tentar manter-nos aqui no momento, sem pensar demasiado.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos