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Fotografia: Eric Garault
Publicado a: 08/05/2025

A artista francesa estreia-se em Portugal com o seu quarteto pela mão do Jazz Valado’25.

Airelle Besson: “Sou uma grande adepta da interdisciplinaridade e da multidisciplinaridade”

Fotografia: Eric Garault
Publicado a: 08/05/2025

A compositora e trompetista Airelle Besson é hoje uma das vozes mais inovadoras no jazz francês. De Paris, onde se formou nos campos da música clássica, cedo embarcou a tocar junto de grandes referências, como Carla Bley, Charlie Haden ou Michel Portal. Esses primeiros tempos depressa a converteram em trazer a voz própria, a da sua música, assumindo identidade e novos cruzamentos de linguagens. 

Com o quarteto que enverga o seu nome tem editado um disco a que resolveu chamar Try! (2021) e faz a sua estreia em palcos portugueses no âmbito do Valado Jazz’25 no dia 10 no Cineteatro da Nazaré. Um concerto com data única em Portugal e uma oportunidade de ver acontecer esta música que traz muito de frescura e beleza pelos campos sonoros que cruza.

Em entrevista ao Rimas e Batidas, Airelle, já a pensar nesta data especial, partilha mais da sua música. Abordando a importância da voz nas suas composições, a génese de temas, o processo de construção e até o tema das mulheres no jazz.



Vais fazer a estreia com a tua formação em Portugal daqui a dias. É em absoluto a tua primeira vez como música num palco português? O que traz de especial um primeiro encontro com um público, à partida desconhecido?

Esta não é a primeira vez que toco num palco português como música. A primeira vez foi em 2006 [no Guimarães Jazz], onde tive a imensa sorte e honra de tocar com Charlie Haden e Carla Bley na Liberation Music Orchestra. Nunca vou esquecer esse concerto memorável. Desde então, nunca mais voltei para tocar. Esta é a primeira vez que venho a Portugal para tocar com um grupo meu. O que é que há de tão especial em conhecer alguém pela primeira vez? As primeiras vezes têm sempre um sabor especial, são sempre especiais, penso eu. Sobretudo num país que não se conhece muito bem. É o desconhecido que é interessante! E no jazz há muitas incógnitas!

Imagino que o teu alinhamento para o Jazz Valado será muito feito em torno de Try!

Sim, o programa será baseado no Try! Posso confirmar isso. Vamos tocar quase todas as músicas do álbum. 

Um álbum cheio de boas mensagens, positivo, assertivo e com uma enorme beleza leve.

Obrigado pelos elogios, fico muito sensibilizada.

Podes falar-nos um pouco desse lado emocional das composições como “The Sound of Your Voice”, ou “Try!”, ou mesmo de “Fly Away”?

Não é fácil falar sobre o lado emocional das composições…”The Sound Of Your Voice” é uma suite em três partes: a primeira parte em quarteto com um início muito desenvolvido; exposição de uma melodia, vários solistas, andamento médio; a segunda parte é uma peça muito rápida em trio com Fender Rhodes e bateria; a terceira é uma balada lenta cantada por Lynn Cassiers. Esta peça em três partes é um tributo a todas as vozes. Gosto muito da voz cantada, é pura e directa. Também gosto muito das vozes faladas, por exemplo na rádio.

A composição “Try!” nasceu num aeroporto na China, em Xangai, durante um voo de ligação. Ouvi os anúncios do voo em chinês e consegui ouvir a melodia que vinham desses anúncios. Gravei-a, trabalhei nela e o resultado foi esta melodia. Depois, a letra surgiu naturalmente. Experimentámos tudo em conjunto com o quarteto.

Já “Fly Away” é uma composição muito antiga.

Na grande parte dos temas encontramos os teus outros dois cúmplices criativos: o Benjamin Moussay em piano, no teclado Fender Rhodes e ainda num envolvente sintetizador modular baixo; e o Fabrice Moreau na bateria. Como se começam a desenhar os vossos temas? Partindo de uma linha melódica em trompete? Ou há um processo conjunto de criação a três desde o início?

Essa é uma pergunta muito boa. Eu faço composições bastante completas, arranjadas para cada um de nós, com uma ou duas linhas de melodia, um baixo, acordes e ritmos que eu quero. Mas deixo muita liberdade a cada músico do quarteto. Tocamos as peças, são trabalhos em curso, gosto deste processo de criação em conjunto, nós os quatro, de uma forma colectiva. Gosto de ouvir e ver o Benjamin, o Fabrice e a Lynn a experimentar coisas nas peças, ver algo a emergir e a criar-se… Gosto de deixar um pouco de criatividade e espaço ao grupo. 

Depois há essa voz de encaixe fundamental com a tuas frases de trompete? Que vem de Isabel Sörling, que tem às vezes nem são palavras que canta, apenas sons belos, expressões vocais primordiais, antes do código e significado das palavras? Essa poesia é escrita é trazida por quem?

As letras são escritas por mim. As linhas melódicas das vozes também são escritas por mim. A Isabel Sorling não faz parte do quarteto há dois anos, é a Lynn Cassiers — que tem sido a substituta de Isabel desde o início da banda — que faz agora parte do grupo.  

Tu tens uma formação e trajectória na música que vem da clássica e faz chegar ao jazz. Algo que vimos acontecer em muitos outros músicos. Isso capacita-te em algo mais? Torna-se uma vantagem em relação a outros músicos que se ocupem num só campo da estética musical? Outro nome fundamental nesses dois domínios é Michel Portal, com quem aliás tocaste de perto.

De facto, tenho seguido este caminho musical. Sou uma grande adepta da interdisciplinaridade e da multidisciplinaridade. Para mim, é a música, seja ela clássica, jazz, pop… cantada, instrumental, sinfónica, de câmara… Não sei se diria que confere um certo poder… diria que dá perspectiva, amplitude… abertura, distância, acrescenta riqueza à paleta sonora.

Tens discos inscritos em selos de grande prestígio como Naïve ou Alpha Classics, mas tens a tua própria editora, a Papillon Jaune, onde aliás editaste Try! Como vai essa aventura enquanto editora nos dias de hoje, onde se apresentam constantes desafios? E é fundamental para editares realmente a música que queres fazer, de forma totalmente independente?

De facto, lancei dois álbuns com a Naïve e um com a Alpha Classics. Desde então, o mundo mudou, e a indústria discográfica mudou muito, com a chegada das plataformas digitais. Para o álbum Try!, decidi fazê-lo de uma forma mais “artesanal”, produzindo o álbum eu própria e rodeando-me de um círculo de profissionais escolhidos por mim. É um processo muito interessante, que requer muita organização e tempo, mas estou feliz por o fazer e por ser eu a produzir os meus álbuns.

Em 2022 foste uma das sete mulheres nomeadas ao “Chevalier de l’Ordre des Arts et des Lettres” pelo ministro da cultura francês. Como foi para ti estar nessa lista? Sentiste mais pela tua música ou até mais por seres mulher compositora nos campos do jazz?

Em primeiro lugar, pela música e pelo meu trabalho na indústria musical. Mas ambos, penso eu. 

Hoje é um tema importante, o da paridade entre homens e mulheres, entre programadores e salas de espectáculo, no que respeita à cultura, à musica e ao jazz em particular. Como te sentes nesse campo de “batalha”? Parece-te que muito já foi feito ou ainda é mais o que falta fazer?

Sim, é uma pergunta recorrente… é um assunto que vem à baila há muito tempo, desde que actuo que me fazem essa pergunta, perguntam-me o que penso sobre isso. A realidade é que não há muitas mulheres músicas, sim. Mas há muito mais agora do que quando comecei a actuar há vinte anos. Vejo cada vez mais raparigas a tocar trompete (e outros instrumentos de sopro), e isso deixa-me muito feliz. Estou em contacto com algumas delas para lhes dar conselhos e orientação.


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