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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/03/2023

Sobre crescer e saber tirar proveito do processo.

Agnes Nunes: “A nossa luta não pode parar, todos os dias quebramos paradigmas”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 21/03/2023

O que seria da vida se ela viesse com um manual de instruções? O que aconteceria à primeira queda de uma criança ao brincar à apanhada? Que valor teriam os “eu bem te avisei” das nossas mães? O primeiro beijo, o primeiro amor ou um primeiro coração partido?

São 10 as faixas nas quais vão confraternizando elementos musicais de r&b, jazz, pop e música popular brasileira, Agnes Nunes faz-se menina-mulher enquanto se observa como professora-aluna de uma história protagonizada por si: a sua vida. Crescer é, decerto, aceitar que todo o proveito que tiraremos da vida virá de tudo aquilo para o qual não estamos preparados. É o subir alto e ter como única certeza de que quanto mais subimos, maior será a queda. É o ver o fim do mundo em dias de tristeza e continuar por cá para contar a história no dia seguinte.

Felizmente para alguns de nós, quem se rodeia de mulheres fortes, torna-se no reflexo delas. O inferno podem ser os outros, mas o paraíso também. Que o diga Agnes Nunes: da mãe à avó, passando pela sua empresária Maria, faz questão de se fazer valer e evidenciar o contributo de cada uma para a menina-mulher como a conhecemos hoje.

Uma aurora nordestina que chega a Lisboa (Teatro Maria Matos) no próximo dia 22 de Março, seguida do Porto (Casa da Música) a 24, Coimbra (Auditório do Conservatório de Música de Coimbra) a 25 e, por fim, Braga (Theatro Circo) a 1 de Abril.



O YouTube foi a plataforma que possibilitou o teu boom musical no que diz respeito a dar-te a conhecer aos internautas e não só.

Em 2019, comecei a fazer covers de músicas das quais gostava e tentava reproduzir o que ouvia no meu teclado. Na altura, não tinha condições de pagar aulas. Ainda assim, sentia uma sensação tão boa quando cantava, que queria que as pessoas sentissem isso também e decidi começar a gravar e compartilhar com os outros.

E isto tudo enquanto lá fora existia uma pandemia pelo meio…

Todo o mundo foi forçado a desacelerar, estava toda a gente num ritmo tão maçante que tivemos todos de nos reinventar. Principalmente os artistas, tal como eu, mas considero-me privilegiada porque mesmo nesses tempos eu pude continuar a produzir música. Sinto-me privilegiada, acima de tudo, porque a arte me abraçou da forma que abraçou e foi uma grande parceira para mim.

E agora, não sentes saudades desses tempos de menor exposição e em que eras só tu, uma câmara e o teu teclado?

Tenho, mas estar aqui é sinónimo de progresso. As coisas naturalmente começaram a crescer, os vídeos a serem produzidos com uma melhor qualidade. Quando começo a sentir saudades, gravo vídeos como antigamente, até porque foi isso que me exibiu na Internet. Nós não nos podemos esquecer de onde a gente vem, e eu gosto e não quis perder essa intimidade de cantar em frente a uma câmara e o meu teclado.

Que memórias queridas te vêm à cabeça quando pensas em música?

Sempre foi tudo para mim, a minha melhor amiga. Acompanha-me desde que me lembro de existir neste mundo. Recentemente, falei sobre isso com a Liniker, sobre o quanto fomos abençoadas pela arte, uma forma de transcrever os teus sentimentos e mostrá-los ao mundo. Uma das memórias que tenho é, com 12 anos, ir para a escola e havia muitas situações ruins, quando chegava a casa só queria trancar-me e tocar no meu teclado e ouvir música até deixar passar todos os episódios maus. Sempre foi e será minha companheira.

Ganhar asas e levantar voo tem sempre os seus prós e contras, principalmente quando o fazemos tão jovens. Como combates a saudade?

Sinto muita falta da minha família quando estou longe, eu sou uma pessoa muito familiar. Cada vez que sinto essa saudade, lembro-me de quando era pequenina e olhava para a minha mãe e avó. Sempre que bate aquela vontade de chorar, lembro-me delas e que tudo tem um motivo. Lembro-me de dizer à minha mãe e avó que um dia elas iam morar num castelo e ter tudo do melhor. É por isso tudo que estou aqui, por muito que tenha saudades, é isso que me move.

Uma das características boas da distância é que ela nos faz ver as relações que temos com os outros de um modo diferente, seja um ente-querido, amigo ou parceiro.

Uma coisa que aprendi nesses quase 5 anos no meio da música, profissionalmente, foi que a dor também ensina. Amadureci muito no que diz respeito à distância, à dor e como essas coisas servem pra ensinar-nos a ver as coisas de uma forma diferente. Não vejo a distância de forma ruim, ela ensina-nos a ser mais fortes, é algo que dá força para continuarmos.

Este álbum, Menina Mulher, é como uma consolidação desse teu mesmo amadurecimento.

Para mim é quem eu sou hoje, o processo de transição de menina para mulher e ver as coisas de um outro modo, sem deixar de ter a pureza de ver a beleza nas coisas mais simples. Saber sentir a dor, dar-lhe espaço e externalizá-la. Todos sofremos e sentimos dor, aprendi muito nesse processo de criação do álbum. Quando eu comecei a fazê-lo, nem eu sabia que estava a fazê-lo. Uma das primeiras músicas que compus foi a “Vish“, escrevi-a com 15 anos — era sobre uma das primeiras dores relacionadas com o amor. Daqueles que tu sabes que não vai dar certo, a tua mãe avisa-te que não vai dar certo e mesmo assim tu tentas – é necessário ir para saber que não vai dar. E até no amor próprio isso me ajudou, sempre tive problemas com a autoestima e essa foi uma jornada de auto-conhecimento para comigo e com o mundo.

Embora a idade nem sempre seja um fator credível, como alguém que entrou na indústria musical muito nova, decerto tiveste de lidar com muitos olhares de descrédito.

Inclusive já vi muitos outros artistas dizerem que não devia estar no lugar no qual eu estava. Perguntavam-se como era possível já ter cantado com a Elza Soares e o Seu Jorge. Eu não vejo as coisas assim… Tento lidar com essas críticas com amor. Sempre fui muito grata pelo lugar que venho a ocupar. Ainda assim, nunca julguei ninguém por dizer isso. Embora entenda, também sei que estou ali porque mereço e só espero ser uma boa representante do Nordeste, do Brasil.

Na capa do teu álbum, apresentas-te com uma afro bem ao estilo de Angela Davis e no videoclipe da “Cabelo Bagunçado” estás a ser trançada. A nossa auto-estima enquanto mulheres negras depende muito do nosso cabelo, é uma peça fundamental da nossa identidade. Como é a tua relação com o teu?

Amo o meu cabelo, é quem eu sou. É uma das formas de expressão mais bonitas que tenho. Simboliza muito a força para mim. A capa do álbum surgiu duma forma muito despretensiosa. Nós estávamos na Bahia, em processo de criação do álbum, eu tinha acabado de desfazer as tranças que tinha de um videoclipe que tínhamos gravado. Estava a pentear e desembaraçar o meu cabelo, ia correr para o mar e o meu fotógrafo disse “estás linda, vamos tirar a foto assim. Imagina o que isso significará para outras meninas”. Eu que já passei por tanta coisa quando era criança por conta do meu tom de pele e cabelo, vê-lo assim natural representa a beleza de tudo o que posso ser e queria isso registado pra sempre.

É que uma afro tem esta peculiaridade de esconder os olhos, protegendo-os mas depois todo o volume emana um certo poder…

Sim, sim, e foi por isso. A gente é forte, é o que a gente é. Que sejamos forças umas para as outras e que assim sigamos seja de que forma for, mas que estejamos cá uns pros outros.

Escrever sobre racismo tem duas nuances: a que liberta e consciencializa quem lê e a que pesa por parte de quem escreve. Como lidas com isto?

Acho muito importante levantar a bandeira, seja através da música ou redes sociais. Já que temos essa visibilidade, que usemos isso de forma positiva. A nossa luta não pode parar, todos os dias quebramos paradigmas. Fica pesado sim, mas foi o que eu escolhi, com escolhas vêm sempre consequências.

Como é que se chega a um meio-termo entre se ter de falar sobre questões étnico-raciais (e isso pode implicar fazer denúncias) e, por outro lado, o não se poder falar com receio de represálias?

Boa pergunta. A minha maior missão nesse mundo da arte é tratar esses assuntos através da música, então não me calo quando sinto que tenho de falar. Sou muito expressiva, mas sei os meus limites, é importante saber como fazê-lo e não gerar situações desconfortáveis.

Para finalizar, fala-nos sobre artistas brasileiros em quem devemos ficar de olho.

Hum, boa. O Ivyson. Ele canta uma música muito boa chamada “Girassol”. E a Mari Froes, mas ainda me fica a faltar muita gente…


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