LP / CD / Digital

Afonso Cabral

Demorar

louva-a-deus / 2024

Texto de Filipe Costa

Publicado a: 15/11/2024

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O novo álbum de Afonso Cabral é um convite à demora. Só assim se poderia ter chegado  ao lânguido conjunto de canções que enformam Demorar, tratado de pop lúdica e pastoral que assinala o segundo lançamento da voz dos You Can’t Win, Charlie Brown em nome próprio. 

Tal como já havia acontecido no passado, Demorar é amparado pela mesma pandilha de músicos que ajudaram a tecer as tramas bucólicas de Morada, a estreia de Cabral a solo editada em 2019. Francisca Cortesão, Pedro Branco, David Santos, Margarida Campelo e António Vasconcelos Dias, que acompanham o músico em projetos como os já mencionados YCWCB e nas bandas de Minta e de Bruno Pernadas, são alguns dos muitos convidados que dão cor a um disco carregado de letras que refletem temáticas em torno da família (“Jogos, filmes em família, tudo o que imaginas / O cheiro a mar, o cheiro a mãe e o meu sofá / Conversas à volta de uma noite sem fim”, escuta-se nos últimos versos de “Paraíso”). Dedicado aos filhos de Cabral, “as maiores influências na escrita e no processo” do cantor-compositor, como descobrimos na entrevista que concedeu à Time Out, Demorar reúne uma série de vinhetas sobre as sementes da parentalidade, os prazeres da rotina e a demora como antítese da correria da vida. 

Mas o exótico também tem lugar no novo disco do português. “Paraíso”, por exemplo, vai buscar o título ao disco com o mesmo nome de Harry Hosono (Yellow Magic Orchestra, Happy Swing). “Confusão”, um dos singles que apresentam Demorar, nasce de uma parceria feita por correspondência com o japonês Shugo Tokumaru. Na base desta sinergia está uma simples troca de ficheiros e uma canção luminosa devedora das colagens sonoras de Tokumaru no álbum Toss, de 2016. Para este trabalho, Cabral trabalhou também com Manuela Azevedo, dos Clã, na faixa-titular e com o histórico engenheiro de som Nélson Carvalho, responsável pela masterização do disco. O álbum foi gravado nos estúdios louva-a-deus, com gravações adicionais no Estúdio Marginal e na casa de Cabral, e realinha a intimidade do antecessor Morada com um renovado sentido de ludicidade, anunciado desde logo nas palmas da inaugural “Indivisível”.

O músico oscila com propriedade entre o indie insular dos YCWCB e o progressismo pop de Bruno Pernadas, fruto de anos a acompanhar o polímata português em discos e digressões (inclusive pelo Japão). Desta conjugação de experiências resultam canções vespertinas que ecoam silhuetas do jazz, da soul e da exótica, anos de cancioneiro português e arranjos manifestamente enxutos. Um caminho perscrutado nos cantos orquestrais de Morada, aqui amplificados pela eletricidade de uma banda que confere o oxigénio necessário para a respiração muito própria do músico de Lisboa.


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