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Publicado a: 12/01/2018

Afinal, O Gato Mariano tem “hip hop cred

Publicado a: 12/01/2018

[TEXTO] Gonçalo Oliveira [FOTOS] Sebastião Santana

Há um par de dias, aquando do anúncio do evento no DAMAS, O Gato Mariano deixava transparecer a sua tristeza com o défice de credibilidade de que sofre na cultura do hip hop. A escolha da quinta-feira para a realização da festa não ajudava as previsões e apontava para uma celebração exclusiva para amigos. Não podíamos estar todos mais enganados…

A estética sala onde decorrem os espectáculos no DAMAS foi o primeiro sinal de que algo de bom estaria reservado para esse serão: a parede em azulejos brancos, já envelhecidos pelo tempo, e um par de fornos a lenha atribuíam ao espaço um ar de cozinha antiga, meio mórbida, a fazer lembrar uma potencial cena à filme de terror. O soundcheck, com os artistas a fazerem uso dos decibéis oferecidos pelo sistema de som implementado no espaço de modestas dimensões, deu-nos um novo vislumbre de que aquilo que se iria passar a seguir poderia ganhar proporções maiores do que o esperado.

As pessoas começaram a chegar e, por volta das 22 horas, altura em que M.A.F. deveria estar a começar a sua actuação, já a Rua da Voz do Operário estava bastante preenchida, ali perto da porta número 60, de ambos os lados da estrada. Conversa, bebidas, boa disposição e alguns “isto não deveria já ter começado?” — um delay que durou até às 23h15, hora em que finalmente M.A.F. tomou o palco de assalto. A sala do DAMAS estava ainda a meio gás e as pessoas ainda estavam a caminho — já não era apenas uma festa para amigos, o hip hop cred d’O Gato Mariano está, afinal, em dia.

 


m-a-f


Tiago da Bernarda marcou presença com a sua banca, despachando algum do seu material felino: fanzines, posters, stickers e um saco de pano personalizado. O espírito d’O Gato Mariano cabe em todos os formatos.

O arranque das festividades colocou M.A.F. a abrir o espaço. E tudo começou com um autêntico festival de bass e future beats repletos de originalidade — com o auxílio de controladores MIDI, M.A.F. largou várias bombas da sua autoria, entre material unreleased e vários mashups às batidas mais alucinantes da autoria de Holly, Umru, Gangus ou Dabow, resgatadas ao limbo digital pelo seu incessante diggin‘ na plataforma SoundCloud, o actual grande berço da produção avant garde mundial.

DarkSunn, o experiente produtor e capitão da nave da Monster Jinx, foi o segundo a ditar as regras na sala de concertos do DAMAS, protagonizando uma actuação bastante personalizada. Com recurso ao Ableton Push, um dos dispositivos mais interessantes na actualidade para a produção digital, Bruno Dias disparou várias faixas da sua autoria numa altura em que a casa estava a ficar cada vez mais composta. São já mais de dez anos de experiência que DarkSunn leva a reformular as receitas que mexem com as pistas de dança e não há público que fique indiferente à presença do homem da Margem Sul. “The Ropes”, o single que editou em 2016 pela sua Monster Jinx, causou o delírio entre a multidão.

 


darksunn


Last but not least, o colectivo Colónia Calúnia começou a organizar-se para distribuir os seus membros pela hora que ainda restava até fecharem as portas do espaço situado na Rua da Voz do Operário. Metamorfiko deu o pontapé de saída através da máquina, o clássico modelo SP-404 da Roland, e transportou-nos para o centro de Los Angeles pelos pouco mais de 20 minutos que esteve em palco. Pouca luz e batidas carregadas de glitch, os condimentos perfeitos para um Boiler Room à portuguesa, sem qualquer espaço disponível entre ele e o público que se encontrava na sala. Instrumentais inéditos, “Kitties” de Samiyam e, para deleite da multidão, um par de faixas que vão integrar Caixa — o álbum que prepara a meias com Secta.

Seguiu-se VULTO. que subiu ao palco acompanhado de L-ALI para assim darem início ao melhor final de noite possível. Dois temas de LISTA DE REPRODUÇÃO, o aguardado EP que preparam para sair “ainda este mês ou no próximo,” conforme anunciado pelo MC durante a actuação. Tilt juntou-se à dupla pouco tempo depois, aproveitando o momento para rimar alguns dos temas que tem assinado lado-a-lado com os colegas de Colónia Calúnia — SEMINÁRIO e DILÚVIO, este último produzido por Pesca, também ele presente na plateia.

A entrada de Tilt em cena serviu ainda para dar a conhecer ao público o projecto que tem vindo a preparar no laboratório de VULTO.. Três temas de BESTA ecoaram no sistema de som do DAMAS, um dos pontos altos do evento curado pel’O Gato Mariano, que teve o seu clímax com a “carta aberta ao hip hop português”, que tem sido apresentada nos seus últimos concertos a solo em modo acapella. Desta vez com a batida de VULTO. na retaguarda, o momento inédito foi recebido com gáudio pelo público presente. A noite parecia já não ter mais nada para nos oferecer depois daquelas barras.

 


l-ali


Não houve encore, até porque VULTO. tinha uma última carta guardada na manga. “Apresento-vos o Caronte“, anunciou ao microfone, e eis que ao palco sobe o newcomer que teve a sua primeira edição ao lado do homem-sombra. “MIGUEL” foi a lufada de ar fresco que a multidão tanto precisava — primeiro entranha-se, depois estranha-se. O público reagiu com um forte aplauso, muitos certamente admirados por não se terem ainda cruzado com a faixa nas malhas da Internet. Para a despedida: “Beka Beka”, a primeira colaboração de sempre entre VULTO., L-ALI e Tilt, certamente um dos momentos-chave nesta relação artística que agora culmina com a convivência na grande casa de talentos de Colónia Calúnia.

“Já acabou?! Devia ter continuado mais um pouco.”, ouviu-se entre as vozes das pessoas que começaram relutantemente a abandonar o Damas. Já na rua, a opinião manteve-se — soube a pouco. Mas soube ao suficiente para podermos olhar para 2018 com esperança. Em conversa de despedida, Tiago da Bernarda, o homem por detrás da personagem d’O Gato Mariano, confirmou: “Foi a melhor curadoria que assinei até hoje”. Acreditamos.

 


caronte

metamorfiko

vulto

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