pub

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 13/08/2020

À procura da sorte grande.

Achero: “Eu sempre fui uma pessoa que vai atrás do que quer”

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 13/08/2020

Há artistas a quem o primeiro disco tarda a chegar. Para Achero foi o contrário, aconteceu tudo demasiado rápido. Rápido demais para ter o efeito que esperava: o disco vendeu pouco e a visibilidade ficou também aquém.

Mas a carreira musical constrói-se vitória após vitória e, um ano e meio depois, o rapper, que é conterrâneo de Estraca, com quem cresceu, lança o seu novo single “Filho da Pouca Sorte”, que promete ser o mote para o próximo passo numa carreira em ebulição. Um projecto jovem e empreendedor que até já mereceu props do veterano DJ Kronic após uma actuação no Avante. Este é mais um perfil do que parece ser uma geração dourada do hip hop do Lumiar.



Como e quando é que começaste a rimar?

Este é o meu segundo ano de carreira. Comecei em 2018. Abrimos o canal no YouTube em 2017 e eu só comecei em 2018, a 10 de Fevereiro, que é o aniversário do Lumiking [manager].

Contas esse dia como o primeiro da tua carreira porquê?

Foi o primeiro som que meti no YouTube. Chamava-se “No Estúdio Ocupado”. Surgiu com o nome, um gajo estava sempre no estúdio ocupado. Na altura se alguém me ligava a perguntar onde é que eu estava, dizia sempre, “epá, estou no estúdio ocupado”. [risos]

Mas uma pessoa não pode ir só bater à porta de um estúdio e pedir para gravar uma música. De onde é que vêm as primeiras rimas? Sei que és do Lumiar: tens alguma ligação à OPA?

Eu tirei o meu nono ano num curso vocacional, e nesse curso tinha três áreas: animação socio-cultural, gestão desportiva e teatro. Onde eu me sentia mais à vontade era mesmo no teatro e na interpretação, e também tínhamos umas aulas com alguma componente musical. Foi aí o meu primeiro contacto com um estúdio nesta altura, mas gravar a minha voz, com um produtor ao lado, e fazer aquelas coisas todas, isso não. Mas foi algo já produtivo para mim porque fomos lá e cantámos todos o “Impossible” do James Arthur. Um teve que cantar uma parte, o outro outra, tudo em inglês… foi a minha primeira experiência enquanto “cantor”, digamos assim. Depois o Lumiking saiu de cana, e disse-me que tinha um sócio [Rutz, também conhecido por ZOO]. É ele que me produz e faz os vídeos. É um mágico, mesmo. Ele faz os beats, as masters, captação… Ele na produção assina ZOO, mas está registado como Rutz Records, mas é tudo a mesma pessoa.

A minha primeira experiência foi com ele. E, muito sinceramente, todas as minhas experiências de gravação a sério foram com ele. Em dois anos não fui captar voz a nenhum lado, não fui fazer som a mais nenhum lado… apesar de ter já sido contactado por alguns produtores para ir lá captar voz e fazer alguns projectos com eles, mas até hoje nunca calhou.

Então, tu és da zona do Lumiar, do Bairro da Cruz Vermelha. O Estraca também é de lá. Mas tu não tens ligação nenhuma à OPA…

Em 2013 ou 2012 eu andava por lá, mas sem grande ligação. Imagina, se alguém fosse cantar a algum lado, eu era o fotógrafo. Era mesmo isso, mas sempre com aquele bichinho ali por dentro. Entretanto, houve um festival lá na zona, com um dedinho do Francisco Rebelo [dos Orelha Negra], em que nós íamos conseguindo falar com ele e tudo mais. Mas na altura eu ainda não me tinha lançado, e tínhamos uns artistas lá no bairro, ainda temos, e na altura o Estraca pertencia aos CLK. Eles estavam lá a actuar e eu a fotografá-los e a fazer a imagem. E foi essa a única ligação que tive com a OPA. Depois, acabei por me lançar em 2018 e nunca mais surgiu nenhum convite, a não ser mais recentemente o Estraca, que me convidou para ir ao live dele no Youtube, mas só fazer a nossa presença. Foi giro.

Eu já conheço o Estraca há bué anos… Somos da mesma escola, fizemos teatro juntos. Depois, com mais calma, vamos ao YouTube e eu mostro-te umas coisas que te vão fazer rir muito [risos].

Falemos, então, do teu EP. Como é que aconteceu tudo?

Eu estava num dia normal, e entretanto o Lumiking dá-me o toque. Disse-me que tinha vindo da Big Bit (a produtora que conta com a ajuda de Beatoven, NBC ou Sir Scratch), onde já tínhamos ido umas vezes mesmo antes de eu me lançar. Entretanto já me tinha lançado, e na altura foi o Lince quem deu o toque o Lumiking para lá ir falar de mim. Estiveram a falar, conversaram e chegaram a um acordo — fazer um EP em formato físico com a ideia de distribuir na FNAC e vendermos nós mesmos.

Isso foi de facto muito súbito. Mas para tanta agitação momentânea, depois andaste muito parado. Entre o EP e o “Filho da Pouca Sorte”, o teu mais recente single só tens outros dois temas lançados…

Tenho o “Tinta”, de Outubro, tenho o “2020”, de Janeiro, e agora com o corona… Mas antes tive umas situações com o meu produtor — problemas pessoais e familiares dele — que acabaram por afectá-lo e afectar o trabalho também. Cada pessoa reage às coisas de maneira diferente, e a maneira dele foi reservar-se um bocado mais. Estivemos sempre em cima dele e ele agora está aí e cheio de fome. Agora, quando voltarmos a pegar na música não vamos parar mesmo. Um gajo agora quer compensar estes últimos seis meses em que estive essencialmente parado. Tenho bué sons gravados, tudo à espera de clipe e imagens.



São também vocês que estão por trás dos vídeos?

Sou eu, o Lumiking e o Rutz que temos as ideias. Neste clipe do “Filho da Pouca Sorte”, por acaso até tínhamos outra coisa em mente. Nem era para ser a preto e branco, mas acabou por ser porque o Iuri Policarpo gravou. Ele é mesmo top, uma máquina também. Mas mediante o que o Rutz queria e o que ele fez, existiram alguns compromissos. Não era a ideia original, mas ficou uma cena a que tiro o chapéu. Fiquei muito orgulhoso. Nem estava à espera que as pessoas reagissem assim.

Está a ter alguma exposição.

Pois está. E recebemos de pessoas já com nome. E ainda nem está no Spotify.

Vamos falar um pouco deste tema, o “Filho da Pouca Sorte”. Qual é a ideia por trás deste tema?

A minha mãe é cigana e o meu pai é senhor. É assim que nós dizemos quando nos referimos a nós. A minha mãe é cigana e o meu pai é senhor — é branco. Ela está-me sempre a dizer expressões tradicionais da etnia dela e, em várias situações da vida, ela diz-me, “és mesmo o filho da pouca sorte”, como quem diz que não tenho sorte nenhuma, que nem em casa comia, que estava sempre em estúdio, mais magrinho, que nem dinheiro suficiente recebo apesar de estar a perseguir o meu sonho… Um gajo chega a casa e começa a levar com isto tudo… eu cheguei à conclusão que tinha de fazer um som que fosse o “Filho da Pouca Sorte”. Se fores bem ver o meu projecto, todos os meus sons têm um pouco de egotripping. Então, este é uma coisa mais nostálgica e mais ao que é a minha área. Até porque quando me lancei a minha ideia era fazer algo diferente do que estou habituado a ver — não gosto de estar preso ao mesmo registo sempre. Comecei numa onda, depois fui para outra, e se fores ver o meu registo até agora vais ver muita diversidade. E, se calhar, podia haver coisas nos meus sons que podiam bater mais, mas só não batem porque eu não tenho ainda o devido nome. Mas se fosse alguém com um grande nome a lançar estes temas já estava mesmo em altas. O “Filho da Pouca Sorte” vem um bocado nessa linha, e mostrar também que não é só egotripping que eu sei fazer. Sei fazer storytelling, sons de amor, um som da tua vida… um bocado de tudo. É o meu next level.

É o meu primeiro boom bap/boom trap… uma coisa assim, essencialmente por causa dos BPMs, que já não são 80 nem 90.

Tu no Tráfico de Rimas disparas em todas as direcções. Tens, inclusive, dicas contra a polícia. O Achero és tu, sem tirar nem pôr, ou uma espécie de alter-ego a quem te permites estas coisas?

Acaba por ser um pouco dos dois. Achero vem de “ao cheiro”, eu sempre fui uma pessoa que vai atrás do que quer. Queria fazer teatro, fui atrás disso e acabei o 12º ano em teatro. Eu queria jogar à bola quando era puto, então fui a um clube que era o ACC e comecei a jogar lá até ser o número 10 e o capitão. Sou bastante ambicioso, e mesmo no mundo da música fui atrás do cheiro. Podia ter mil e um nomes, mas mesmo no bairro a minha alcunha é Achero, toda a gente me conhece por Achero e até as mães dos meus amigos me tratam por Achero. Ninguém me conhece por Bruno. As pessoas às vezes perguntam-me se o meu nome é francês ou alemão… mas não é nada disso. Sou só mesmo o Achero. Faço questão que me tratem mesmo por Achero para mostrar a minha ambição de ir atrás daquilo que eu quero.

Um gajo no YouTube vê os clipes dos outros e pensa, “fogo, estão mesmo em altas”. Mas eles são carne e osso, e se lá chegaram então eu também tenho hipótese. É só fazer por mim, não pisar ninguém e eventualmente hei-de alcançar o que quero. Achero vem claramente daí, da minha ambição e do meu faro.

E para 2020, quais são as tuas ambições?

Eu para este ano tinha imensos projectos e cenas em mente, mas com o coronavírus e com tudo o que se está a passar o ano já fico um bocado morto para nós. Se lançarmos o que temos para lançar este ano, pode não ser visto como queríamos que fosse visto. Contudo, não deixamos de fazer o que gostamos e de lançar algumas coisas à mesma, mesmo que não sejam interpretadas da forma que queremos. 2020 é para mostrar trabalho e compensar o tempo que estivemos parados. Parecendo que não, lancei o som em Janeiro e estive seis meses parado. Há quem me diga que nem parece que foi há tanto tempo, mas este ano tem sido muita estranho…

Vou tentar lançar um som por mês, talvez dois, e já estou a trabalhar num álbum para o próximo ano. Estou a trabalhar nalgumas faixas, o nome também está a ser trabalhado e a ideia é “derrotas e vitórias”. Também tenho alguns feats para lançar, com o Danny The Dawg que já é old school e está a regressar ao game forte e feio, e com o Duplex — um rapaz cigano do nosso canal que canta rap crioulo.

O Avante deve ser um palco desafiante para alguém que faz musica como a tua…

Vou-te ser sincero, fui visto de uma forma que nem estava à espera. Tinha lá público que não era o meu alvo, mas curtiram. Mostraram-me muito love e aderiram imenso ao concerto. Estavam sentados, e cantar para um público sentado… já não é o teu público-alvo, então sentado… mas estavam a curtir e a bater bué palmas e a fazer barulho. No fim ainda pediram um acapella.

E quais são as tuas referências? O que é que tu ouves e onde vais buscar inspiração para as tuas músicas?

Eu oiço imenso hip hop internacional. Francês, italiano… gosto muito de ouvir. Não quer dizer que perceba tudo o que eles dizem, mas gosto que tenham muita diversidade. Eles têm imensos flows diferentes, vozes, dicções e cenas fixes que posso utilizar. Não quer dizer que faça como eles fazem, mas tiro aquilo como proveito e referencia. Capo Plaza, Sfera Ebbasta. Em Portugal ouço muito Dillaz, Jimmy P e Valete. Sam The Kid nem se fala. Mas confesso que não ouço muito rap tuga — já ouvi mais.


pub

Últimos da categoria: Entrevistas

RBTV

Últimos artigos