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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 26/01/2024

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… Yamê

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 26/01/2024

Novo ano, mesmo ócio. Se foi desejada uma resolução de menos tempo de ecrãs, os primeiros dias de 2024 sopraram-na para fora da mente. Depois de dias de trabalho árduo, cada um relaxa como quer e como pode, seja num café com os amigos ou em casa a colar em vídeos que, com o simples gesto de um dedo, brotam aparentemente sem fim de um rectângulo iluminado. Num desses serões tardios no sofá, um dos vídeos que apareceu foi de um gato a ser metamorfoseado em tempo real numa orca, transformação síncrona com um refrão intoxicante. Não foi a primeira nem a segunda vez que apareceram vídeos daqueles a alguém cujo algoritmo apelidou de “fã de gatos”, e certamente não será a última. Mas no mar de conteúdo, aquela entrega ritualista ficou presa na cabeça. E lembra outra coisa que os primeiros dias de um novo ano trazem: música nova.

Depois de alguma pesquisa, foi descoberto o benfeitor: Yamê a interpretar “Bécane” no A COLORS SHOW. A pujança que se ouve nesta versão perde alguma da introspecção da versão de estúdio, mas o mais importante continua lá: a voz do artista francês nascido Emmanuel Sow, que flui pelos ritmos do drill e rivaliza fielmente os 808s arrebatadores. Há teatro na sua entrega, na maneira como ajusta o volume e timbre das notas que parecem caminhar por cima das teclas do piano. Ouvimos momentos que lembram o pomposo trote vocal de Benjamin Clementine, existem certas semelhanças nas abordagens ao canto. E isto não é coisa rara na discografia de Yamê.



Foi nos arredores de Paris que nasceu e o piano foi o instrumento que escolheu desde os seis anos. Mas só abraçou verdadeiramente a carreira musical aos 27, com o lançamento da Bantu Mixtape. Ouvimos Yamê a dar os seus primeiros passos, com a confiança de quem ainda está a descobrir o seu ângulo. Os instrumentais são pouco fora do molde, mas o malabarismo vocal que ouvimos — e que vai desde a abrasão seca de “Caraibos” até à suavidade de “Sentiments” — dita o desfecho musical.

Um ano depois, Yamê volta com Agent 237, o seu álbum de estreia. É um projecto à base de drill — oiça-se “Nubi” e o seu hook sorrateiro. Mas músicas como “Tracktopelle” — de baixo presente e bateria saltitona — ou “RQPLM” — r&b pintalgado por uma batida de trap — mostram que a única certeza sobre a música de Sow é que é a sua voz que está no comando. Seja qual for o género que abraçar, seja qual for o instrumental que servir de base para as suas melodias, é o instrumento com que nasceu que lhe permite explorar a sua identidade sonora ao máximo. 

E essa exploração atinge um novo auge em ELOWI. O álbum lançado em Outubro do ano passado é o desabrochar de uma personalidade vocal e uma clara evolução no percurso musical de Yamê. Desde a peça em dois actos composta pela contemplativa “Ayo Mba” e a profética “Mon bail”, passando pelo trap cru de “Bahwai”, pela balada blues “Business” ou pela orgulhosa festa solarenga de “Quête”, Sow parece apontar em várias direcções, e fá-lo com critério e ambição. Quanto mais ouvimos este artista evoluir, menos palavras nos chegam para descrever estas novas espécies que surgem. 

É, portanto, difícil saber onde se encaixa Yamê. É um rapper que se senta ao piano? É um cantor que alterna sem espinha entre vibrato vocal e barras de fazer tremer os pares? É um evocador de melodias ondulantes cuja sua praia é o confortável meio-termo? A terceira opção parece a mais acertada, embora seja a primeira vez que alguém se refere desta forma em relação a um artista. Para evitar complicar a tentativa de descomplicação por excesso de categorização, é importante cingirmo-nos aos factos: Yamê é a prova de que, por vezes, um refrão intoxicante tem mais que se lhe diga.


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