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Fotografia: Dasom Han
Publicado a: 28/04/2023

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… Yaeji

Fotografia: Dasom Han
Publicado a: 28/04/2023

Os primeiros segundos de “For Granted” não antecipam o caos perfeitamente encapsulado que encerra o tema. Para isso muito contribui a voz da sua autora, Yaeji. A sua entrega é sedutora e relaxada, sem grande espalhafato e absorvida pelo instrumental progressivamente mais complexo e repleto de sons. A virtude da música da artista nascida Kathy Yaeji Lee reside na construção cuidada e progressiva do instrumental: tudo caminha para a explosão frenética e a tremenda conclusão que nos oferece neste tema. E não é caso isolado na (ainda) curta e interessante discografia da jovem artista de 29 anos.



Lee nasceu em Queens nos Estados Unidos mas cinco anos depois estava a mudar-se para Atlanta. Seguiu-se uma mudança para Seoul, na Coreia do Sul, e como conta numa entrevista à NME, nunca se sentiu verdadeiramente abraçada pelo ambiente que a rodeava. Na Coreia do Sul mudava de escola frequentemente, o que fez com que as amizades que travasse fossem na internet. Foi também nesse espaço cibernético que ouviu as primeiras músicas. Anos mais tarde, quando voltou aos Estados Unidos para estudar, voltou a descobrir a música quando abraçou o desafio de ser DJ como um hobby

Em 2015 termina os estudos na Universidade Carnegie Mellon com direito a uma licenciatura não oficial em Ableton. O primeiro single surge em 2016, “New York ‘93”, em que alguns dos elementos que caracterizam a sua música começam a surgir: a entrega calma, as letras proferidas em inglês e coreano numa busca da harmonia entre as duas línguas, um instrumental crepuscular e aquoso. Yaeji demonstra ter um talento nato para a repetição, fá-lo sem nunca soar exaustiva, seja nos loops ou nas letras que os espelham, repetitivas e convidativas. O timbre, apesar de pouco flexível tem algo de muito teatral e único ao mesmo tempo, o minimalismo joga a seu favor.



Um ano depois do primeiro single, chega o primeiro projecto, Yaeji, em que se notam essas valências e o manifesto da artista é claro: é para dançar ou sair da pista. Foi também em 2017 que Lee começou a gerar burburinho com o seu remix nocturno e saudosista do tema “Passionfruit” de Drake. A música foi incluída no seu segundo trabalho, adequadamente apelidado de EP2, e a sua electrónica começa aqui a ganhar outro contorno. Ouvimos desabafos emocionais em temas como a confessional “Feelings Change” ou no psicadelismo de “After That”. Mas a dança continua a ser fulcral, como tão bem o demonstra o fenomenal banger de discoteca suada que é “Raingurl”. Em 2020, em plena pandemia, WHAT WE DREW 우리가 그려왔던 mostra-nos de forma mais discreta que há muito mais do que música electrónica na obra de Yaeji. Esta mixtape é expansiva e por vezes mais esparsa que aquilo que a antecedeu; percebe-se que Lee está a experimentar, a apalpar terreno à procura do melhor local para a base da casa musical em que nos recebe. É um projecto que espelha o tempo em que foi lançado, e mais uma prova da ambição sonora de Yaeji.

E em 2023, a artista entra com tudo com o seu frenético álbum de estreia With A Hammer. O disco é catarse para a sua autora e uma abrasão sonora a que nos submetemos de bom grado. É uma investida meticulosa, que dá gosto descobrir, seja a cacofonia que cura de “Fever” ou as texturas sonoras desconcertantes de “Michin”, que nunca deixam de soar cativantes. Mas nem tudo são punhais sonoros, há espaço para a leveza e a capacidade de Lee para equilibrar tudo é também o que carrega o projecto para a frente. “Done (Let’s Get it)” é inspiradora enquanto “Happy” soa a conclusão de uma viagem, felicidade em movimentos de pés e pratos frenéticos. Este álbum marca também a primeira vez em que percebemos a importância que Yaeji dá à sintonia entre o analógico e o digital, pela mão da saudade chorada por um trompete uivado em “I’ll Remember For Me, I’ll Remember For You” ou os laivos de flauta de “1 Thing To Smash”.

O álbum termina com o choro fantasmagórico de “Be Alone In This”. É uma música desprovida de percussão – os pingos de teclas imprimem um certo ritmo ao tema – mas é repleta de emoção. É isso que é central à música de Yaeji. Seja na pista de dança ou num canto choroso da sala vazia, o sentimento está todo lá, pronto a ser descoberto.


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