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Fotografia: awamally
Publicado a: 27/05/2022

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… Ricki Monique

Fotografia: awamally
Publicado a: 27/05/2022

A música de Ricki Monique tem algo curioso. Nascida e criada em Minneapolis, no estado do Minnesota, a artista desafia noções de que há frio por essas bandas: a sua (para já) curta obra musical é calorosamente convidativa, abraça-nos no seu mundo intrincado de barras pertinentes e instrumentais gingados. A contradição assenta-lhe, mostra de forma interessante as relações que consegue criar entre os seus dois habitats naturais: a música e sua existência terrena. 

A viagem de Ricki Monique pela música começou desde nova através do seu pai, que criava beats para ele e para a filha na brincadeira — e pedia ajuda nas barras, um incentivo claro à veia de escritora. O derradeiro despertar surgiria anos mais tarde, depois de um ano como professora do ensino primário. Desapontada com o sistema de ensino e com o seu papel enquanto agente da mudança, encontrou na música uma nova forma de contribuir para esse objectivo. Estreou-se em 2019 com “Always Knew”, tema solarengo que surripia a batida a “Been Around” de Cordae para transmitir uma mensagem de auto-confiança e de certeza de que o sucesso está dentro de cada um de nós. É uma canção jovial de alguém com apetite para mais, o primeiro passo de pé direito numa carreira que estava agora a começar. 

Um ano depois, a sua voz exasperada e mais frenética mostrava-se metódica: “Garden of Better” presenteia-nos com uma cadência de poetisa, recostada mas nunca relaxada, sempre à distância certa da fogueira à volta da qual conta as suas histórias. Os instrumentais que servem de base para as suas letras sinceras lembram-nos a produção inspirada pelo jazz dos BADBADNOTGOOD ou os grooves suaves dos instrumentais de The Internet. Nomes como Noname, Saba ou Smino surgem no mesmo radar sonoro, assim como Sampa the Great ou Little Simz. Mais do que artista, Monique é uma dinamizadora da arte: como uma das fundadoras da Tangible Collective, foca-se em criar um espaço para artistas negros crescerem e desenvolverem a sua arte em Minneapolis de forma orgânica e apoiada. É alguém que conhece intimamente a sua comunidade, e procura criar e crescer sem nunca a esquecer, e para a ver crescer consigo.

É nesse contexto que surge GOOD SEEDS, o EP de estreia de Ricki Monique. A maneira como se apresenta ao mundo no curta-duração é uma escolha calculada e que nos diz muito sobre o seu trabalho. “We scream, we sob, and we create again”, ouvimos pelo meio do neo-soul descontraído de “FTG”, palavras de alguém que sofre pelo seu trabalho mas que também não o faria de outra forma. Ela semeia ventos que a sopram a si (e aos ouvintes) na direcção certa, sem esquecer as muitas tempestades que terá de colher pelo caminho, uma dualidade fielmente capturada por “CEREAL”. Depois de uma primeira parte mais introspectiva, Monique entra a todo o vapor, transformando uma reflexão pacata acolchoada em sintetizadores num grito do Ipiranga resoluto. 

Ao ouvirmos GOOD SEEDS torna-se claro que no centro da vida de Ricki Monique está a sua arte ou, como confessa na brilhante IMMORTAL, “I exist as a creative, what I make, I feel it”. Das terras frias de Minnesota chega-nos Ricki Monique, criando sem pressa ou pressões. É uma resposta corajosa perante as frentes gélidas desta cidade, mas para os nativos a história é outra. Esses estão mais habituados a estas investidas, e a jovem artista triunfa na sua busca pelo calor sonoro. 


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