pub

Fotografia: Arlindo Camacho
Publicado a: 25/04/2025

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… Máximo

Fotografia: Arlindo Camacho
Publicado a: 25/04/2025

Aos nove anos de idade, este que vos escreve realizou um feito absolutamente incrível: bater o recorde de tempo do circuito “Rainbow Road” no fenomenal Mario Kart: Super Circuit. Para aqueles que sabem do que estou a falar: bem-vindos, parceiros de Game Boy Advance! Para aqueles que não sabem, têm de acreditar na palavra dos devotos quando dizem que é uma tarefa hercúlea. O recorde foi conseguido à custa de muitas horas a cair de precipícios, a fugir de sorrateiras carapaças de tartaruga e a substituir incontáveis pilhas que foram sugadas de energia até ao tutano. Aos meus nove anos de idade, eu sentia-me o rei de todos os reis. E aos seus nove anos de idade, Máximo Francisco compunha “Mártires”, uma muito fiel aproximação do que seria ouvir esperança melancólica destilada em notas de piano. Ambos petizes, mas um apertava botões como se não existisse amanhã, e o outro percorria as teclas do piano com a destreza e mestria que se viriam a comprovar anos mais tarde.

O jovem artista português que assina como Máximo começou o seu percurso musical aos sete anos quando entrou para o Conservatório. Apesar de ainda se ter deixado seduzir pelo violoncelo, o piano já era um romance antigo. A chama foi acesa pelos avós, que o presentearam com um teclado aos quatro anos. Mais tarde, foi atiçada pelo pai e por um sintetizador comprado na Feira da Ladra, instrumento onde foram desenvolvidas as suas primeiras composições. A vontade de criar era voraz, e foi desafiante acabar o Conservatório, a rigidez da música clássica contrastava com a sua ambição e inspiração. As suas influências incluem os compositores Maurice Ravel e Claude Debussy, mas foi Bill Evans quem o introduziu ao mundo do jazz, auxiliado por outros artistas de renome como Herbie Hancock ou Robert Glasper. As suas notas são emotivas, de alguém que aprendeu a estrutura e a técnica mas que não se deixa definir por isso. O resultado são peças instrumentais complexas e carregadas de sentimento. 

O primeiro álbum surge em 2023, quando Máximo tinha apenas 20 anos. Máximo – Greatest Hits foi o título escolhido, uma decisão jocosa sem um pingo de presunção. Para alguém que considera compor tão natural como caminhar, percebe-se que ao fim de 10 anos queira seleccionar os trabalhos que mais ressoam com ele e com aqueles que o rodeiam. A beleza de ser um trabalho em que se ouve “apenas” piano é que o ouvinte pode popular o espaço que resta com a sua própria imaginação, seja a desbravar o universo dentro de um foguetão ao som de “big bang” ou a saltitar levemente pelos recantos da mente acompanhados pelos arpejos convidativos e tons agudos de “Marta”. Em “neblina” ouvimos alguma apreensão, algo retraído, semelhante a “Capita”, agridoce nos seus acordes iniciais, uma ternura magoada. São 12 temas compostos ao longo da sua curta vida que Máximo tocava para amigos e família, a solidão do piano abraçada pelo calor da comunidade.



Após terminar o Conservatório, zarpa para os Países Baixos, atracando em Roterdão e na universidade Codarts, para ingressar numa licenciatura em composição jazz. A liberdade deste género musical assenta que nem uma luva nas proficientes mãos de Máximo, permitindo-lhe expandir-se e abraçar novos horizontes. A prova mais imediata disso é “MALHA”, um tema que faz jus ao título de maneira fabulosa, composto como banda sonora da edição de 2024 da Lisboa Fashion Week. Mas a prova mais definitiva disso foi Residência., o álbum que lançou com Plástico by Philibar Tone, produzido inteiramente durante uma residência artística em Portalegre. É um trabalho que se preocupa mais com a exploração do que com a edificação sonora, mas pelo seu caminho vêem-se bonitas paisagens, como o cruzamento entre modernidade e tradicionalidade de “Barre” ou a frescura epiléptica de “Brass”. É um projecto esparso, livre de expectativas e de julgamentos, que prova que Máximo joga bem com os outros.

E eis que em Outubro de 2024 Máximo surge com o seu segundo álbum de originais, PANGEA. Pede emprestado o nome do supercontinente para endereçar um tema que diz respeito a todos nós: a crise climática. E é claro desde o primeiro tema a maturidade musical de Máximo face aos seus trabalhos anteriores. Vemo-lo abraçar a colaboração mais do que nunca, aliando-se aos músicos Joppe van Noten (bateria) e Jan Honnef (baixo) para formar um poderoso trio de ataque. Composto ao longo de um ano, quatro das faixas do álbum representam as sazões e, qual Antonio Vivaldi dos tempos modernos, os temas encapsulam com sucesso os sentimentos que associamos às várias fases do ano. A efervescente “autumn” recebe-nos em grande forma e com os ânimos em alta, esmagados pela lugubridade de “winter”, com uma mensagem sincera sobre um futuro tristonho proferida por um robô cuja voz se funde com o piano, munida de interferências sonoras semelhantes a frias gotas de chuva. Em “spring”, o disparar de teclas lembra o chilrear de pássaros, ouvimos nas notas do piano uma esperança trazida pelo sol. E é esse sol que vemos no ponto mais alto em “summer”, com um motivo musical cintilante capaz de desenhar sorrisos nos ouvintes, auxiliado por bonitos sopros cortesia de João Costa (flauta) e Martijn van Ditshuizen (saxofone). PANGEA é encapsulante, ouvimos todas as valências de Máximo sob o mesmo tecto. 

Mas mais do que isso, ouvimos experimentação. A interessante “Suspiro” desconstrói a voz de Selma Uamusse numa espécie de zumbido, algo incessante. Parece ouvir-se a Terra a querer dizer algo urgente, um momento introspectivo dividido entre o choro e o clamor, tenso mas flexível. Já na faixa-título ouvimos o Máximo de outros tempos com um novo alento, mais intrincado e cuidado. E não somos só nós que o dizemos: “Pangea” foi escolhida como a música oficial de Portugal para a Expo 2025 em Osaka, no Japão. É claro que estamos perante um artista em franca ascensão, dar o máximo está-lhe no nome. E não há recordes do Mario Kart que suplantem este talento.


pub

Últimos da categoria: Abram alas para...

RBTV

Últimos artigos