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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 27/10/2023

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… Laura Misch

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 27/10/2023

O título do álbum de estreia de Laura Misch suscita uma questão: Sample the Sky remete-nos para a interrogação de tal façanha. Em termos musicais, pensamos em como será capturar sonicamente o detalhe do céu que desfrutamos em tempos de ócio e amaldiçoamos em tempos de chuva. Mas o objectivo da artista britânica vai para além do céu, procura uma comunhão com o mundo natural, o próximo passo lógico da sua curiosa carreira artística.

Ao contrário do seu irmão Tom Misch, o abraçar de um destino musical aconteceu mais tarde na sua vida. Antes, ainda passou pela Universidade de Newcastle onde fez um curso em comunicação e cultura. Mais tarde, estudou ciências biomédicas na Suécia. O seu percurso académico informa a sua música, que na verdade esteve presente desde o início. Surgiu primeiro nas finas cordas de um violino e aos 11 anos em expirações que se transformaram em notas de saxofone. A sua abordagem é particular, há algo de terapêutico nas suas melodias, na maneira como incorpora ecos e reverb nas notas metálicas. Por vezes soa a algo mais experimental, por vezes Misch não esquece a singela beleza de algo mais convencional. A sua música tem laivos de jazz embrenhados entre camadas de electrónica, almejados pelo calor reluzente do instrumento dourado.



O seu primeiro trabalho surge em 2016, o EP Shaped by Who We Knew. É um projecto em que se nota a jovialidade da sua autora, fortemente inspirado pela nova vaga de jazz londrino. O EP não foge a essa fluida rigidez, notando-se ambição na construção musical. Um ano depois, Misch volta à carga com Playground, um trabalho em que mostra os seus dotes para a produção, especialmente evidentes em temas como o potente instrumental “Climb” ou no abraço melodioso de “This Road”. Segue-se Lonely City em 2019, que nos mostra uma nova faceta da artista, algo mais sóbrio, menos impetuoso mas com mais critério, a modulação do som é um aspecto cada vez mais fulcral na sua música. “Night Drive” — que nos traz à mente o trabalho de James Blake  com um resultado mais apoteótico — faz jus ao nome de instrumental nocturno de olho nos néons da metrópole, e em “Glass Shards” parecem mesmo ouvir-se pedaços de vidro pelo meio das melodias de saxofone. E depois de três projectos em que é clara a sua evolução no trabalho de estúdio, Misch decidiu que estava na altura de sair à rua. 

Para o seu álbum de estreia, Laura Misch contou com a inspiração da natureza e fez-se presente de corpo e alma. Criou equipamento portátil para que pudesse criar e manipular as ondas sonoras onde quer que estivesse. As melodias em músicas como a fantástica e ponderada “Hide to Seek” — cujos apontamentos electrónicos sarapintados pelo instrumental nos lembram Floating Points — ou a serena “Sax Rise” surgiram de explorações ao ar livre de Misch. Imbuído pela intrincada sabedoria espiritual, Sample the Sky é um projecto orgânico, consideravelmente mais maduro do que a discografia que o antecede e a prova viva de que há mais música para além das quatro paredes de um estúdio.

Num mundo em que nos rodeamos cada vez mais de ecrãs e rogamos preces aos deuses do lítio, a música de Laura Misch trespassa suavemente essa fortaleza tecnológica e estende-nos a mão para os que nos espera lá fora. “Hearing in the sound of my feet on the ground / There’s more to be found”, ouvimos em “Birdseye”, a última música de Sample the Sky. E é ao som desta inventiva saxofonista que redescobrimos o encanto dos pés sobre a relva molhada.


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