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Fotografia: Guarionex Rodriguez, Jr.
Publicado a: 25/11/2022

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… HAWA

Fotografia: Guarionex Rodriguez, Jr.
Publicado a: 25/11/2022

O ano é 1771. Um jovem Wolfgang Amadeus Mozart choca tudo e todos ao dizer adeus à sua carreira e à prestigiada Accademia Filarmonica di Bologna. Isto não aconteceu, mas certamente que na infinitude do multiverso terá acontecido. E depois deste desvio a um universo paralelo, voltemos para o nosso e para o ano de 2015. Hawa Sakho abandona a filarmónica de Nova Iorque aos 15 anos depois de se ter tornado a mais jovem compositora da orquestra e das suas obras a levarem a países como a China ou a Venezuela. Ambos são compositores, mas só um se sentiu preso pela rigidez da música clássica e decidiu explorar para além das partituras. 

A verdade é que HAWA não queria ser uma compositora, ainda que isso seja para sempre uma parte de quem ela é. Nascida em Berlim, Sakho cresceu em Conakry na Guiné antes de se mudar para Nova Iorque, tudo isto antes dos 10 anos, portanto está habituada a diferentes ambientes. Mas depois de cinco anos a compor para uma orquestra, HAWA teve de aprender a compor para si. O processo não foi instantâneo, e a artista teve um hiato de dois anos até que voltasse à carga, aprendendo a gravar a sua voz e a explorar a produção musical. Em 2018, estreia o seu primeiro singleMight Be”, trocando os cintilantes violinos, violas e violoncelos por 808s nocturnos e barras joviais.

Se ouvirmos alguns dos primeiros temas que HAWA lançou, como “Kill Some” ou “I’m Safe”, ouvimos dois dos elementos que estão presentes na música desta artista: as rimas, lançadas com impunidade e desdém, e uma densidade instrumental que recompensa audições sucessivas. Mas antes que a pudéssemos chamar “uma rapper munida de beats carregados e pimenta na língua”, eis que em 2020 surge o EP the ONE que baralha tudo outra vez. O projecto de estreia deambula pelo hip hop através de temas como “AROUND ME” ou “FRICK” – esta última cantada com um piscar de olhos ao flow de Playboi Carti – mas “OFF” ou “IPHONE” mostram que o r&b também faz parte do ADN de HAWA, e também afrobeat pela mão de temas como “MY LOVE”. the ONE tem toda a estética e sonoridade de um projecto de estreia, em que HAWA nos introduz aos planetas que escolhe visitar no nosso vasto universo musical.



Seguiu-se o tema “Wake Up” em 2021, despreocupado, descontraído e de energia contagiante, uma antítese da música clássica que HAWA escrevia seis anos antes. Este lançamento surgiu com o anúncio de que a artista tinha assinado pela 4AD, sonante editora independente britânica, e este mês chegou o primeiro projecto pela editora. HADJA BANGOURA, o seu álbum de estreia, partilha o nome com a avó da artista, figura importante que sempre a inspirou e que faleceu pouco tempo antes da edição do álbum. Mas desenganem-se aqueles que esperam um elogio fúnebre e contido: a deambulação musical é mais acentuada e a sua força enquanto escritora de canções faz-se sentir cada vez mais.

Há muita coisa a acontecer nas batidas, o álbum é um conjunto de canções com beats metódicos e uma atenção inimitável ao detalhe. Em “GEMINI” ouvimos uma autêntica sinfonia de percussão enquanto HAWA desespera vocalmente pela sua cara-metade e em “ACTUALLY” já a ouvimos recuperada numa batida acolchoada por teclas fugazes e um belo break de guitarra. the ONE é mais rapidamente apelativo, mas, ainda que temas “EN ROUTE” ou “CREDITS” desafiem essa noção, o objectivo principal de HADJA BANGOURA não é encantar, é explorar. É mais experimental, e vemos uma maior maturação na maneira como os instrumentais são compostos e a na flexibilidade da voz de HAWA, provando sem dúvida que este projecto é um passo em frente no seu percurso.

O que está a faltar a Sakho neste momento são temas mais sumarentos e menos esparsos. Quem sabe se não poderá pedir ajuda a um familiar seu, talvez alguém popular no mundo do afrobeat? Tanto Mozart como HAWA tiveram familiares que os inspiraram. Sem Maria Anna Mozart, será que alguma vez teríamos as maravilhosas composições do seu irmão? E sem Ziakiou Camara, mais conhecido como Oudy 1er, um nome popular do afrobeat guineense e tio de Sakho, será que teríamos o hook caramelizado de “TRADE” ou todos as outras melodias adocicadas que certamente estarão para vir? Felizmente que nunca teremos de nos preocupar com essas questões.


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