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Fotografia: Tanay Shetty
Publicado a: 27/09/2024

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… Hanumankind

Fotografia: Tanay Shetty
Publicado a: 27/09/2024

Este mês divagamos sobre um artista que à primeira vista parece ser demasiado grande para esta rubrica. Hanumankind conta com mais de 21 milhões de ouvintes mensais no Spotify, números até modestos tendo em conta que o seu país natal e onde o seu talento (para já) mais brilha é a Índia, o território mais populoso do mundo. Mas apesar das métricas nos apontarem o contrário, o rapper nascido Sooraj Cherukat está ainda a dar os seus primeiros passos na música. E este começo augura algo de muito especial para o artista natural de Malappuram no estado de Kerala.

Ainda que Cherukat tenha nascido no subcontinente indiano, as suas primeiras duas décadas de existência foram marcadas por constantes mudanças de localização, fruto do trabalho do seu pai. Durante os primeiros anos de vida, passou pela Nigéria, Dubai, Catar, França ou Egipto, sendo que aos nove anos a sua família fixou residência em Houston, no estado norte-americano do Texas. Foi nesta cidade que a aprendizagem musical de Cherukat começou. Cresceu a ouvir artistas como UGK, Chamillionaire, DJ Screw ou Three 6 Mafia, que tiveram um profundo impacto na música que faz actualmente. Em 2012, mudou-se de volta para a Índia. O seu percurso inicial regeu-se pelo tradicional trabalho rotineiro de assalariado de forma a honrar a família e deixar as expectativas de outros gerir a sua existência.

Mas a vida tinha outros planos para Cherukat e em 2019 lançou o seu primeiro single. “Daily Dose” é um tema sem grande espalhafato, onde ouvimos alguém a descobrir o seu próprio ritmo, a perder-se em alguns lugares comuns mas com uma entrega característica. Inspirada pela obra de artistas como Kendrick Lamar, J. Cole ou Logic, a sua escrita espelha intervenção, mostra que ele não quer ser mais um que se perde no hedonismo que permeia grande parte do hip hop mainstream actual, discursando com mais consciência social e menos carros de alta cilindrada e jóias cintilantes.



Ainda assim, Hanumankind é um rapper atento ao ambiente onde se insere. No seu primeiro EP Kalari, frases como “Stack that paper ‘cause the capital a must” ou “But while I’m chasing goals I be getting hoes”, em “Wildshit”, destoam da restante estética, mas não são de estranhar tendo em conta o que se passa à volta do rapper. Em “Southside” procura uma fusão entre o trap e a música indiana recorrendo ao uso da tabla, instrumento de percussão muito utilizado na música deste país. De ouvidos apurados para o que veio antes, faz também uso do olhar de cronista para o que se passa no presente: “Bottle of MH” descreve uma geração desinspirada, de forma geral numa primeira abordagem, mas focando-se em si mesmo à medida que a música se desenvolve. Kalari é um trabalho juvenil de alguém que ainda está à procura da sua inspiração, mas é óbvio que ímpeto não lhe falta.

O seu próximo trabalho surgiu apenas um ano depois, em 2020. No EP Surface Level volta a trabalhar com Kalmi, produtor indiano que tem acompanhado o seu percurso e com quem já tinha trabalhado em Kalari. Ouvimo-lo mais ambicioso em temas como “Cowboy Samurai” — em que mistura duas estéticas distintas de forma astuta — ou “Catharsis”, frustrado com a ordem das coisas e com os problemas que assolam os seus conterrâneos, mostrando raiva e balas que surgem disparadas da sua caneta. Em “No Hook”, a sua entrega lembra-nos Vince Staples, e essa tem sido uma das principais críticas apontadas a Hanumankind, a maneira como por vezes parece emular demasiado o trabalho de alguns artistas norte-americanos, o que pode limitar o impacto que tem com ouvintes indianos que não falam inglês. Mas esta abordagem torna-o bem posicionado para abrir portas a quem não conheça o hip hop deste país. E é aí que entra o seu maior e mais potente cartão de boas-vindas, “Big Dawgs”.

O seu mais recente single é o culminar de um curto mas significante percurso. O instrumental — mais uma vez cortesia de Kalmi — é opulente, agressivo sem nunca rebentar com os ouvidos, avassalador sem nunca nos sentirmos enterrados em incontáveis elementos sonoros. E Cherukat iguala a energia do fenomenal beat com algumas das melhores barras da sua carreira — “Ten toes in when we standin’ on business” ou “Uh, the skin colour like the bourbon / A worldwide sign that we face closed curtains”. E ainda que a qualidade de uma música não seja medida pelo seu videoclipe, a insanidade dos visuais de “Big Dawgs” tem muito que se lhe diga e mostra que Cherukat é definitivamente um artista sem medo. De milhões na Índia para milhares de milhões no mundo inteiro, não parece haver limite para a música de Hanumankind.


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