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Fotografia: Rashad White
Publicado a: 29/04/2022

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… BLK ODYSSY

Fotografia: Rashad White
Publicado a: 29/04/2022

Sorte de principiante é uma expressão que ouvimos com frequência, normalmente com algum tipo de sarcasmo à mistura. É a felicidade daqueles que, sendo iniciados, excedem as modestas expectativas de forma surpreendente. Um triplo no primeiro lançamento, um chuto na gaveta de um novato, o projecto musical de estreia de um jovem artista que soa a alguém que já o faz há mais tempo. BLK ODYSSY é a mais recente “vítima” dessa expressão, mas, ao apresentar um trabalho tão confiante, o artista nascido Sam Houston mostra que está certamente pronto para lidar com o mundo. 

Houston nasceu em Plainfield, Nova Jérsia, uma cidade que também viu nascer o quinteto Parliaments, fundado por George Clinton. Nativo de um lugar que viu um dos maiores ícones do funk dar os seus primeiros passos, a sua sorte de principiante começa aqui a dispersar, imbuída pelos ares musicais que o vento trouxe. A carreira musical de Houston só começou quando se mudou para Austin, no Texas, e ao conhecer o músico Alejandro Rios. O guitarrista tem sido um dos seu principais colaboradores e desde 2017 que actuavam como Sam Houston & BLK ODYSSY. A sua música era mais virada para o rock, e os riffs de dedos rápidos de Rios confluíam com a voz melosa de Houston. Mas o artista sentia que a sua música podia ir mais longe. E foi por isso que decidiu reformular como se queria apresentar ao mundo, e BLK ODYSSY — agora em nome próprio — nasceu.



Antes de encapsularmos a música polivalente de Houston, é importante perceber o porquê do seu interesse. Cada música do projecto BLK VINTAGE apresenta uma direcção musical com critério, e as canções são ricamente instrumentadas. O seu autor refere numa entrevista que o álbum contou com a participação de mais de 50 pessoas, e essa multidão sente-se nos vários temas o compõem. Convida à descoberta e a múltiplas audições, e recompensa o ouvinte com uma melodia de teclas mais escondida na mistura ou um par de notas de sopros que tornam a música tão mais carregada de sentimento antes de sequer nos apercebermos que lá estão. Os opulentos instrumentais remetem-nos para o r&b, a soul e o funk, e há mais do que um piscar de olhos à discografia de D’Angelo. Mas a entrega vocal impede qualquer catalogação: ouvem-se barras, palavras declamadas e também habilmente cantadas. Houston rivaliza os instrumentais orelhudos e plurais com uma entrega igualmente versátil. 

Mas a entrega é só uma parte do trabalho. As palavras não conhecem timbre e afinação, e as de BLK ODYSSY mostram alguém que não descura o activismo e a consciência social. Em “NINETEEN EIGHTY”, Houston partilha memórias do uso de drogas com um final agridoce e confessional. Em “MURDA” a direcção é mais clara: insurge-se contra o sistema que vitimiza homens e mulheres negros, e desarma essa violência com uma música que é tudo menos pesada. “GHOST RIDE” é sobre os perigos do frenesim e da juventude, com uma entrega que nos lembra DAMN. e Kendrick Lamar. Todos estes temas culminam em “DRINKING GOOD”, a música mais vulnerável do álbum, em que Houston fala sobre o momento em que o seu irmão foi morto por um polícia. Letra e batida unem-se num momento de destaque do projecto, desde referências a “The Story of O.J.” de JAY-Z a solos confessionais de trompete sob a luz da Lua.

BLK VINTAGE prova que na realidade Houston não é nenhum principiante. Os temas que discute sempre estiveram com ele, os triunfos e as tragédias do que é crescer nos Estados Unidos como homem negro. Há um ambiente soturno que permeia todo o projecto, mas há também momentos celebração como “HANG LOW” ou “FUNKENTOLOGY” demonstram. Foi preciso reinventar-se para descobrir a fórmula com que se sente confortável, mas encontrou o veículo sonoro certo para se expressar. E de agora em diante vai ser só rasgar alcatrão.


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