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Fotografia: Gabriel Moses
Publicado a: 25/03/2022

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… Bakar

Fotografia: Gabriel Moses
Publicado a: 25/03/2022

Numa entrevista à Pigeons and Planes em 2018, Bakar descrevia a sua música como “esquizofrénica”, um critério normalmente usado para doenças do foro mental, não para descrever obras sonoras. A comparação tem algo que se lhe diga, mas o diagnóstico é outro: a música de Bakar é bipolar, apresenta-se com múltiplas sonoridades, pedindo emprestado de umas, pescando outras, para construir algo reconhecível mas reticente na altura de dar nome. Mas mesmo que não tenha nome, artistas como Elton John ou Skepta reconhecem o valor da arte deste jovem músico britânico. 

Abubakar Baker Shariff-Farr começou a fazer música em 2015, quando tinha 21 anos, de forma anónima, juntando loops de músicas de King Krule e Bombay Bicycle Club. De acordo com o seu diagnóstico, a sua personalidade musical foi primeiro apresentada ao mundo através de outras duas, antes de surgir o seu primeiro grande single, “Big Dreams”. Este fugaz e infeccioso tema lançado em 2018 traz à memória o indie rock de outros tempos e especialmente os Bloc Party, pela maneira como o timbre de Bakar se assemelha ao do vocalista Kele Okereke. Badkid — a sua mixtape de estreia — passa-se num efervescente universo em que existem guitarradas orelhudas e uma voz que as carrega para a frente, populado por temas como “Handful” ou “Million Miles”. No entanto, existem também paisagens electrónicas em momentos mais introspectivos como em “Wtf”, “4am” e “Unhealthy”. E ainda que o timbre seja reconhecível, ouvimos uma expressão vocal plural, com barras e palavras cantadas e declamadas a guiarem a música num caminho seu.

Badkid é uma estreia jovial e oscilante e como tal vemos Bakar apontar em várias direcções em pouco menos de 30 minutos, e dá gosto ouvir a facilidade com que o faz, mostrando-se ao mundo como tela pintalgada por várias cores, que vai ficando cada vez mais preenchida à medida que se descobre enquanto músico. Ouvimos uma grande vontade, uma entrega carregada de alguém inexperiente mas com toda a confiança do mundo, e as suas canções manifestam essa confiança. A sua música assenta entre as massas e os nichos, e subsiste ao encontrar um equilíbrio entre esses dois, seja ao cativar 10 mil ou 10 milhões. No caso de “Hell N Back”, está mais perto da segunda opção, um solarengo tema para dançar de mão dada com a cara-metade e que serviu de apresentação para o EP Will You Be My Yellow em 2019, lançado depois de assinar pela editora Black Butter Records. Este pequeno interlúdio entre projectos mostra temas mais polidos, em que a guitarra está mais misturada no resto do instrumental, e fortalece a relação da voz com a batida. 

E, em 2022, Bakar dá força à ideia de que a loucura é fazer a mesma coisa várias vezes e esperar exactamente o mesmo resultado: Nobody’s Home é a estreia oficial do artista e assenta sobre as mesmas valências que os seus projectos anteriores. O foco é maior, que o diga o resplandecente single “The Mission”, que consegue dizer muito sem sair do centro da pista de dança. Mas vemo-lo novamente a apontar em várias direcções,  como “Free”, “Youthenasia” e “Ginger Pubes” demonstram. Neste álbum viajamos até outro universo, algo que sonicamente nos remete para locais mais recatados pela mão de temas como “Not From Here”, “Noun” ou “Gotham”, em que Bakar cria com um tom mais confessional. A energia que transmitia em Badkid está mais diluída, capturada de outra forma que revela mais maturidade. 

Nobody’s Home consegue mostrar que a caminhada de Bakar continua a bom ritmo, mas também mostra que o artista ainda não sabe exactamente como é que a quer percorrer. Felizmente que não há loucos sem acerto, nem sábios sem loucura. E ao contrário da medicina moderna, o que Bakar precisa é que a sua insanidade seja estimulada, pelo menos no sentido metafórico. E por isso, cá estaremos para ouvir os seus berros de um louco.


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