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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 24/06/2022

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… AV Dummy

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 24/06/2022

Em 1968, um jovem Brian May colocou um anúncio no boletim da faculdade à procura de um baterista para a sua banda. Essa banda viria a ser conhecida como Queen, um dos maiores nomes da história da música rock. Para o grupo AV Dummy, o boletim da faculdade foi a Internet. Na imensidão das redes sociais, memes em catadupa e tudo o que alguma vez se quis comprar, o incisivo rapper Jarred Morriss-Buchanan – conhecido como BUCHANAN – e o multifacetado produtor Christy Carey conheceram-se e deram origem a um grupo em que o rock é apenas uma das armas no seu arsenal sonoro.

Apropriadamente, os primeiros anos do duo foram digitais. Trocavam batidas, melodias e palavras por Facebook ou e-mail. BUCHANAN refere numa entrevista que há ideias que demoraram mais de meia década até estarem completamente formadas, o que mostra que a relação do duo é muito mais profunda que os cabos submarinos de fibra óptica que a proporcionaram. Há uma sintonia entre a produção de Carey e a evolução demonstrada pelas palavras de Morriss-Buchanan e a sua cadência vocal ao longo de cada tema. Estrearam-se com “Brave New World”,  um tema que entra simultaneamente de rompante e aos tropeções, empurrando o ouvinte para uma tempestade cáustica de glitches sonoros e frases disparadas com tremor, sarcasmo e violência, que ganham consistência e vigor ao longo da música. Apresentou-os ao mundo como dois tipos barulhentos, decididos e com muito para dizer sobre o que os rodeia.


https://www.youtube.com/watch?v=PP896b_HzlU

O primeiro single dos AV Dummy reflecte o objectivo da sua música. Diminutivo de Audiovisual Dummy, a sua sonoridade é informada por grupos como os Death Grips ou os clipping., e influenciada pelo turbilhão de informação e conteúdo a que somos expostos diariamente. Ouvimos guitarras, bateria e drum loops, sintetizadores orelhudos e abrasivos, e apesar de a voz de BUCHANAN nos remeter para o universo do hip hop, a sua verdadeira destreza está maneira como se adapta aos instrumentais fragmentados. Dois anos depois desse Admirável Mundo Novo sonoro ter surgido, PORNOVIOLENCE sucede-o e cimenta a atitude da música que inicia esse álbum. 

Inspirado pelo ensaio de Tom Wolfe do mesmo nome, em que o escritor norte-americano critica os media por glorificarem imagens gráficas para estimular o interesse do público, o primeiro longa-duração dos AV Dummy é uma crónica de realidades difíceis, críticas sociais e uma exploração dos excessos que assombram a Humanidade, contada através de temas que são na sua maioria excessivamente barulhentos. Mas esse ataque sonoro não ofusca a qualidade do material. “Man Burns Self Online” conjura um desterro estranhamente convidativo, um curioso desconforto que nos faz aumentar o volume para absorver o veneno aliciante das estrofes. “In Colour”, que soa a um rascunho de um tema perdido dos Radiohead, anseia pela liberdade do exterior, com alguns laivos de paranóia à mistura. A psique de BUCHANAN é dissecada ao limite e como neurónios a disparar exasperadamente, os instrumentais respondem com igual ímpeto. 

PORNOVIOLENCE é um álbum sobre pessimismos e ansiedades de uma existência subnutrida, e nunca nos deixa esquecer isso: “Commercial Street” é um banger assumido contra o consumismo, para abanar a cabeça com vontade e incinerar as dívidas na sua energia incessante, e “DWP” é uma crítica acérrima da desigualdade financeira, alimentada por um instrumental que tem tanto de punk como de música electrónica.  Mais recentemente, o duo passou a quarteto para dar o passo para os palcos, contando agora com o baterista Jerome Johnson e a baixista Sat Chatterji. A complexidade dos instrumentais levou Morriss-Buchanan e Carey a fugirem do tradicional formato de produtor e rapper e reforçar o seu espectáculo tanto de forma visual como de forma sonora, dando outra dimensão à sua música plural.

Não obstante a sua polivalência, há algo comum a todas as músicas de AV Dummy: um frenesim constante, um impaciente zumbido que espelha o espaço físico e social que rodeia os seus autores e que está saturado. E é essa saturação que faz com os que os AV Dummy não tenham interesse em reinventar a roda, mas é certo que vão experimentá-la em todos os veículos que conseguirem. E enquanto rolar, estaremos aqui para ouvir. 


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