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Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 28/10/2022

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… Ana Lua Caiano

Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 28/10/2022

Há um tipo de artistas que faz parte da dieta equilibrada de qualquer fã de música. É um tipo de músico que dá para acompanhar a qualquer momento, excepto como música de fundo. Porque estes artistas cativam-nos ao encarar a melodias e as palavras que proferem com um tom teatral, que nos chama a atenção.

É uma tarefa difícil, ignorar a possante e ameaçadora performance de Nick Cave em “Red Right Hand” ou o choro de “Bang Bang (My Baby Shot Me Down)” cantado de forma tão pessoal e imponente por Nancy Sinatra. São músicas que convidam a que se faça silêncio, que se apaguem as luzes e que se escute estas vozes a desempenharem papéis inauditos, inseparáveis e intransmissíveis delas mesmas. De forma semelhante, Ana Lua Caiano e “Nem Mal Me Queres” mostram-nos que a música desta artista tem teatro na voz sem estar a seguir um texto.

Esse tema, lançado em Maio de 2022, foi o single que a apresentou a solo ao mundo, depois de em Março ter dividido o palco com Rossana em “Lobo Rouco”, mas a sua relação com a música já é antiga. Aos 23 anos, Ana Lua Caiano conta com um percurso marcado pela arte de conjugar sons, uma paixão desde nova que começou pelo piano clássico. Mais tarde, fez um curso no Hot Clube de Portugal antes de ingressar pelo Ensino Superior e uma licenciatura em Design de Comunicação. Mas também aí a música teve um papel importante, incorporada nos seus projectos sempre que possível.



Em 2020, começa a trabalhar em bandas sonoras, colaborando com a realizadora Camilla Ciardi. É curioso que tenha sido também nesta altura que começa a escrever para o seu projecto a solo, em que as músicas que acabaria mais tarde por revelar ao mundo mostram muita encenação na maneira como as notas são cantadas, como as palavras são ditas. Circunda-se de sua voz multiplicada em coros e cânones, recorrendo à música tradicional portuguesa para a voz mas também para a parte instrumental, sendo o bombo o principal instrumento de percussão utilizado nas músicas do EP Cheguei Tarde A Ontem, editado pela Chinfrim Discos em Setembro último.

O projecto de estreia de Ana Lua Caiano pega na tradição portuguesa e funde-a com a música electrónica, e faz justiça tanto a uma como a outra. Ouvimos uma cantoria familar em “Olha Maria”, cautelosa e assustadora pela mão de sintetizadores perscrutantes, instrumento que na enérgica “Um Menos Um” junta-se a palmas que batem ocupadas com uma melodia que dá vontade de bater os pés. Em “Que O Sangue Circule”, ouvimos loops de respirações e melodias folclóricas num tema profético e marcado por um instrumento da música tradicional portuguesa, um bombo transfigurado e adaptado ao universo da artista. Junta dois mundos diferentes mas não incompatíveis e o resultado é um projecto ambicioso que não podia ter sido criado noutra altura e que não podia existir sem aquilo que foi criado antes.

O EP termina com a fugaz “Cheguei Tarde A Ontem”, uma música cuja letra corre atrás de si própria, abraçando a árdua azáfama da sociedade actual de forma derrotista, numa busca incessante do tempo que já passou. Mas neste caso específico, Ana Lua Caiano adiciona teatro tanto à sua voz como ao seu estado de espírito. Porque com um novo EP já confirmado para Abril de 2023, é claro que o caminho é para a frente, com os olhos postos no futuro.


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