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Fotografia: Wendy N
Publicado a: 25/02/2022

Na última sexta-feira de cada mês, Miguel Santos escreve sobre artistas emergentes que têm tudo para tomar conta do mundo da música.

Abram alas para… Amber Mark

Fotografia: Wendy N
Publicado a: 25/02/2022

“O sonho comanda a vida”, diz-nos António Gedeão no esperançoso poema A Pedra Filosofal. É uma forma eloquente de nos dizer que estabelecemos os nossos próprios limites, um mantra expectante que nos impele a alcançar os nossos objectivos, por mais desvairados e surreais que nos possam parecer à primeira vista. Mas por vezes, também temos o inverso, a vida a informar o sonho, uma série de acontecimentos que tornam claro o que sempre esteve lá. No caso de Amber Mark, a sua infância passada em vários sítios informa a sua música plural e influencia o seu percurso, mostrando-se como uma artista completa em controlo da sua obra. 

Nascida numa quinta no Tennessee, Mark viveu em Nova Iorque e Miami antes de se mudar para a Índia, para que a mãe pudesse estudar pintura thangka, uma forma de arte tradicional de monges budistas tibetanos. Depois de alguns anos a viver num mosteiro em Darjeeling, Mark e a mãe fizeram de Berlim a sua nova casa. Este lufa-lufa habitacional certamente influenciou a produção artística da norte-americana, exposta desde nova a uma multitude de influências que deixaram a sua marca. Aos 12 anos, a mãe ofereceu-lhe uma guitarra, que começou a aprender de forma autodidacta ao mesmo tempo que se juntava ao coro da escola em Berlim. Foi neste momento e de forma consciente que começou a crescer dentro de si o sonho de ser artista. 

A música que Amber Mark faz não foge da norma mas é acima da média, um showcase sonoro que nos remete ao r&b alternativo com umas pitadas de música pop e instrumentais dançáveis, tudo isto aliado a uma voz possante e altiva, muito segura de si mesma e dotada de um vibrato poderoso. Estreou-se em 2017 com 3:33am, um mini-álbum que é uma efervescente confluência de diferentes atmosferas sonoras, conjugadas em sintonia pela sua autora. O projecto é uma reflexão sobre o luto, construído na ressaca da morte da sua mãe, sendo que o trabalho de produção também foi todo da responsabilidade de Mark, algo transversal ao seu trabalho. Há uma procura de controlo em como o seu som soa, uma característica que demonstra ambição, e que já lhe valeu uma nomeação para um GRAMMY, pelo seu trabalho no álbum dos Chromeo, Head Over Heels



Em 2018 chega Conexão, um confortável interlúdio entre o que veio e o que está para vir, bebendo da música brasileira e da electrónica dançável, um EP que nos consegue agarrar de forma veemente em pouco mais de um quarto de hora. Dois anos depois, no auge da pandemia, enquanto estávamos fechados em casa a trepar paredes, Amber Mark trepava oitavas: durante o confinamento estreou COVERED-19, uma série de covers para acalentar a alma durante tempos claustrofóbicos. A sua cover de “Heart-Shaped Box” dos Nirvana é fenomenal, uma abordagem curiosa e a melhor versão desta música desde o tratamento orquestral que o tema recebeu na série Westworld. Até a interpretar as músicas de outros se vê o seu talento. 

E depois de uma série de singles lançados em 2021, chegamos a 2022 e ao seu álbum de estreia. Se até agora os seus projectos eram curtos, Three Dimensions Deep prova que Mark estava só a aquecer: lança uma hora de música para nos introduzir ao seu mundo sonoro de forma condigna. A facilidade com que os seus temas nos conseguem cativar é deslumbrante. Vemo-la expandir o processo de criação, trazendo mais pessoas para a festa sem perder aquilo que a torna especial, e as músicas respiram, através da sua instrumentação rica, conjugando eficazmente o digital com o analógico. 

Three Dimensions Deep tem momentos em que bebe da obra de outros artistas — ouvimos Tkay Maidza em “FOMO”, ou SZA na sincera “Healing Hurts”. Mas em vez de ser um sósia sem sabor, vemos alguém com a mesma postura musical que essas artistas mas num percurso diferente. Com o pé no moderno e outro no vintage – como o delicioso solo de guitarra de “What It Is” surripiado aos anos 80 tão bem demonstra – Mark apresenta um projecto que soa quase sempre de forma contínua, levando-nos por uma viagem introspectiva ao seio das suas emoções, inseguranças e mensagens para o mundo: oiçam “Worth It” e confiram se não é um hino motivacional mais forte que qualquer palestra do Tony Robbins

Depois de ouvirmos estas canções, percebemos que há algo especial na obra desta artista. Com apenas 28 anos, a sua expressão musical denota alguém que parece mais maduro, ambicioso e com uma criatividade acérrima. Há sonhos e objectivos mas quem comanda esta demanda é, sem dúvida, Amber Mark, desbravando novos horizontes pelas suas próprias mãos. 


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