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Publicado a: 11/09/2018

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[TEXTO] Miguel Santos 

A carreira de A$AP Rocky é marcada por uma multidisciplinaridade incomum. Ficou claro desde o início que a música era apenas uma das expressões artísticas do nova-iorquino: actor, modelo, realizador de videoclipes, apreciador e criador de alta costura, o rapper nascido Rakim Mayers parece ser capaz de tudo. Até aqui, a sua música apresentava uma atmosfera própria, sonicamente entorpecida, instrumentais psicadélicos e nocturnos que são banda sonora para o consumo de drogas e festas que duram até às primeiras horas de sol do dia seguinte. As suas barras não são as melhores mas o carisma de Rocky sempre transpareceu nas suas canções, e esse é um dos principais motivos para a sua popularidade. As letras descrevem o modo de vida que imaginamos que as celebridades têm, mas Mayers traça-o com um estilo e pinta inigualáveis.

TESTING, o mais recente álbum de Rocky, é o que mais espelha a sua personalidade artística multifacetada, apresentando o conjunto de músicas mais sonicamente diverso que o rapper já fez. Mayers introduz-nos a este momento na sua carreira como uma espécie de soundcheck através de “Distorted Records”, que inicia o disco de forma ameaçadora com um baixo crepitante e envolvente, uma boa oposição ao timbre e cadência de Rocky. Torna-se óbvio desde os primeiros momentos que está a evoluir. O artista tem um papel cada vez mais preponderante como produtor, e apesar dessa actividade não ser algo estranho para o músico, é a primeira vez que o vemos tão investido na direcção musical dos temas, estando envolvido na produção da maioria das músicas do projecto. “Brotha Man” mostra um instrumental lounge e descontraído e um refrão cantado com classe por French Montana, e logo a seguir somos surpreendidos por “OG Beeper”, de batida esparsa e pouco preenchida, palco sonoro modesto para Rocky divagar sobre a sua caminhada e as aspirações que tinha noutros tempos, de crescer e de ser um rapper.

A vida de A$AP Rocky é mais explorada do que nunca nas barras de TESTING. Mas ao contrário de projectos anteriores, não é só a sua existência hedónica que preenche as letras. Há espaço para isso, seja no braggadocio de “Tony Tone” ou da energética “Praise the Lord (Da Shine)”, ou na consagração da sua caminhada pela mão de “Fukk Sleep”, em que Rocky se arrasta discretamente e de forma amolecida e contida por uma das melhores batidas do projecto, um tema com um hook intoxicante e um verso curto mas eficaz de FKA twigs. A grande novidade é a discussão da sua vida pessoal, o seu crescimento enquanto ser humano, a sua tentativa de ser honesto consigo mesmo e as mudanças que a sua vida e a vida de pessoas próximas ao rapper o têm afectado. No ano em que completa trinta anos de idade, sentimo-lo pronto para iniciar uma nova etapa. A sua escrita é mais confessional e introspectiva, como mostra em “Black Tux, White Collar”:

“’Cause in this world, I feel lost
I’m feelin’ trapped in my thoughts (yeah)
I don’t know who to trust, just got my word and my balls (yeah, yeah)”

É, sem dúvida, o álbum mais pessoal de Rocky até à data, nos assuntos que escolhe abordar. Nota-se uma maturação na sua personalidade mas a sua música não parece acompanhar essa tendência. Infelizmente, a coisa mais acertada neste projecto é o seu nome. Há músicas que parecem testes, como as repetitivas “Buck Shots” e “Gunz N Butter” ou a franzina “Kids Turned Out Fine”, pequenas demos que vieram à tona demasiado cedo, ideias que poderiam ser mais desenvolvidas para mostrar mais expressão e mais conteúdo. É de louvar a decisão de Rocky em experimentar novas sonoridades mas o carisma do rapper não chega para carregar este projecto, especialmente vindo de alguém que nunca mostrou menos do que uma total e avassaladora ambição. É experimental sem nunca justificar completamente essa experimentação.

O longa-duração termina em grande com a íntima “Purity”, a música mais introspectiva, e na mesma ouvimos o sample de “I Gotta Find Peace of Mind”, da cantora Lauryn Hill. O artista está à procura dessa paz interior, deseja-a, mas, pelo que ouvimos, parece querer apressar a caminhada que o levará até esse objectivo, destilando a sua psique em temas que por vezes soam precários. A sua vontade de querer fazer “tudo” impede-o de se focar verdadeiramente em algo específico. TESTING é a prova de que Mayers é cada vez mais o arquitecto da sua música mas cada vez menos transparece a sua personalidade cativante. O som de Rocky está transfigurado, segue noutra direcção. Mas ainda não é claro o seu real valor.

 


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