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Texto: Vítor Rua
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 11/06/2025

O som que veio de fora.

A travessia inconvencional da Sonoscopia

Texto: Vítor Rua
Fotografia: Direitos Reservados
Publicado a: 11/06/2025

[O Som Antes da Forma]

Há uma frequência que vibra antes da matéria, uma ressonância que atravessa o ar e o pensamento, uma música que escapa às formas convencionais. Nesse espaço que não tem nome, que não tem limite, emerge a Sonoscopia, um colectivo, uma entidade, uma criatura sonora que se instalou no Porto para ouvir o inaudito. A Sonoscopia não é apenas uma associação, é uma ideia viva que, desde a sua criação, faz do som uma matéria tangível, maleável, que se pode construir, desconstruir e transformar em novas realidades.

Concertos, residências, discos, livros, instrumentos musicais que não seguem as regras dos manuais — a Sonoscopia faz tudo isto, e faz mais. Ela abre portas para o desconhecido, criando uma comunidade que se sintoniza com as frequências marginais da música experimental. Não há notas escritas no papel, mas há mapas invisíveis que guiam cada evento, cada encontro. A Sonoscopia é uma viagem pelo som e pelas possibilidades infinitas de o transformar.

[Sonosfera #01: As Fronteiras Dissolvidas]

Em 2011, nascia a Sonoscopia, não com fanfarras, mas com uma pulsação subterrânea, uma pequena revolução sonora no Porto. Desde o início, o seu objectivo foi claro: dissolver fronteiras. O que é som? O que é ruído? O que é música? Estas são perguntas que pairam no ar, que se infiltram nas residências artísticas e nos concertos/jantares que organizam. Há uma resposta, talvez, mas essa resposta está sempre em movimento, como um eco que se transforma a cada reflexão.

A Sonoscopia não se contenta em ser apenas promotora de eventos, é uma criadora de novas realidades sonoras. Os seus membros não programam, constroem. Convidam músicos de todo o mundo e de várias tipologias musicais, trazem vozes e instrumentos que não se encaixam nos moldes da música comercial. Nas suas residências, os compositores e performers experimentam, erram, descobrem, e, ao final, deixam-se transformar pelo processo. Tudo é som, tudo é uma nova forma de ouvir.

[Sonosfera #02: Instrumentos do Invisível]

Mas o som, para a Sonoscopia, não é somente algo que se ouve; é algo que se pode tocar, que se pode construir com as mãos. Num dos aspectos mais fascinantes do seu trabalho, a Sonoscopia organiza workshops onde se criam instrumentos musicais invulgares, máquinas de som que não existem em catálogos, mas que nascem do encontro entre o objecto e a imaginação. Há algo de alquímico neste processo: uma peça de metal, um motor de brinquedo, um pedaço de madeira, todos podem tornar-se vozes.

A construção de instrumentos além de uma curiosidade estética é uma forma de expandir os limites do que entendemos como música. Quando se ouve um desses instrumentos, o som que ele produz é ao mesmo tempo familiar e estranho, como um eco vindo de uma galáxia distante, onde a harmonia e a dissonância são conceitos irrelevantes. A Sonoscopia oferece-nos novas ferramentas para ouvir o mundo e, ao mesmo tempo, constrói um mundo sonoro completamente novo.

[Sonosfera #03: Ecos do Passado, Frequências do Futuro]

A Sonoscopia também se move entre tempos. Ao editar discos e livros, constrói uma memória, uma história de todas as explorações sonoras que realiza. Mas não é uma história linear. As suas edições são como cápsulas temporais, pequenos fragmentos que podem ser ouvidos ou lidos num futuro distante e que, ainda assim, continuarão a ressoar com a mesma força. Cada disco é uma janela para uma outra dimensão sonora, um mapa que guia o ouvinte por territórios desconhecidos.

Os livros que publicam são mais do que simples documentos de um evento ou de uma criação musical. São objectos de exploração, texturas literárias que dialogam com o som, que criam pontes entre o que se ouve e o que se lê. Ao trabalhar com música e palavra, a Sonoscopia amplia o alcance das suas explorações, criando uma comunidade que não só ouve, mas que pensa o som de maneira diferente, que o sente como algo vivo e mutável.

[Sonosfera #04: O Som Que Habita a Cidade]

Mas o som não fica contido nos eventos ou nos discos; ele habita a cidade. A Sonoscopia não se limita às suas paredes, ao seu espaço, mas propaga-se por diferentes locais do Porto e além, levando as suas experiências sonoras a outros públicos, a outras comunidades. Cada concerto, cada workshop, cada residência é uma semente plantada em novos territórios, que cresce e reverbera.

A sua importância no panorama cultural nacional é inegável. Ao longo dos anos, a Sonoscopia tem-se afirmado como a principal promotora de actividades ligadas ao som e à música experimental em Portugal. O seu trabalho não se limita a um nicho artístico; ele toca em algo universal, na nossa capacidade de ouvir o mundo de formas novas e transformadoras. Cada evento, cada colaboração é uma oportunidade de criar novas maneiras de estar no mundo através do som.

[Sonosfera #05: A Matéria do Imaterial]

O som, como matéria imaterial, é aquilo que nos une ao invisível, ao inaudito. E a Sonoscopia constrói sobre esse paradoxo. Ela constrói com o que não se pode ver, com o que não se pode tocar directamente. Cada instrumento, cada obra é uma ponte entre o tangível e o intangível. O som, que flutua no ar, é a sua matéria prima, mas, ao mesmo tempo, não pertence a ninguém.

Os músicos, os compositores, os artistas que por lá passam deixam marcas invisíveis, mas duradouras. Cada nota tocada na Sonoscopia reverbera além do tempo e do espaço. O Porto, com a Sonoscopia, torna-se um ponto de confluência para músicos de todo o mundo, um farol para quem procura novas formas de criação.

[Quando o Ruído Se Torna Luz]

Há uma presença contínua, uma corrente submersa, algo que nunca se dissipa. O som. Ele vibra nas paredes invisíveis da Sonoscopia, e mesmo depois de se extinguir no ar, ele permanece. O som nunca acaba. É esta a verdade que ecoa no trabalho da Sonoscopia, como um mantra, como uma afirmação inabalável de que o som é uma matéria sem fim, uma força que escapa ao tempo e à memória, mas que, de alguma forma, nos toca sempre.

A Sonoscopia é mais que uma plataforma para a divulgação de música experimental; é um organismo vivo, pulsante, onde cada projecto é uma peça de uma sinfonia interminável. Desde os concertos e residências aos discos e livros, passando pelos instrumentos musicais invulgares que nascem das mãos dos artistas, a Sonoscopia transforma o som numa experiência sensorial, espiritual, que não pode ser contida. E é precisamente nesta intangibilidade que reside o seu poder. O som, esse som que nunca acaba, é uma forma de existir além da matéria, além das convenções.

Quando se assiste a um concerto na Sonoscopia, não se trata apenas de ouvir uma obra musical. Trata-se de entrar num fluxo contínuo de ideias e emoções, de participar num diálogo aberto com o desconhecido. O som invade, envolve, ressoa no corpo e na mente, e mesmo depois de terminado, ele permanece. Não porque o ouvimos, mas porque o sentimos. O som transforma-se numa parte de nós. É um eco que não morre. Cada evento organizado pela Sonoscopia é um fragmento dessa continuidade, uma linha que se desenha no espaço e no tempo, unindo passado e futuro numa vibração única.

Os artistas que passam pela Sonoscopia sabem disso. Sentem isso. Ao participar nas suas residências, ao trabalhar com os instrumentos e as técnicas que desafiam as normas tradicionais, eles contribuem para essa sinfonia infinita. Eles não compõem apenas para o momento; eles compõem para o que está por vir. Cada nota, cada ruído, cada silêncio que se propaga nas suas criações é um convite à escuta atenta, à contemplação do que não pode ser facilmente categorizado.

O som é uma presença contínua, uma corrente que atravessa o espaço e o tempo. Embora invisível e intangível, o som resiste à transitoriedade, permanecendo como uma vibração que não se dissipa. Na Sonoscopia, esta é uma verdade fundamental: o som nunca acaba. Ao contrário de outros materiais que se desgastam ou desaparecem, o som é infinito, reverberando para além do instante em que é produzido. Este princípio, quase filosófico, está no cerne da prática artística da Sonoscopia, um colectivo onde o som se transforma numa matéria imaterial que ressoa muito para além do momento da sua criação. 

A Sonoscopia não se limita a criar música ou arte sonora; ela constrói uma relação viva com o som. Cada projecto é uma manifestação dessa relação, onde o som se torna tangível, quase palpável. Ao longo dos anos, a associação desenvolveu uma prática que vai além do acto de ouvir, abrindo portas para um diálogo constante entre o som, o espaço e o público. Seja através de concertos, residências artísticas, discos ou livros, a Sonoscopia transforma o som numa experiência que vai além do auditivo — uma experiência que envolve a totalidade do ser e que continua a reverberar mesmo depois de o som ter cessado.

Quando assistimos a um concerto na Sonoscopia, não estamos apenas a ouvir. Estamos a ser transportados para um fluxo contínuo de ideias e sensações, a entrar num campo vibracional onde o som se transforma em algo que sentimos fisicamente. Cada onda sonora, cada ressonância, envolve o corpo e a mente de uma forma que se prolonga no tempo. Este som não se limita ao momento presente; ele deixa uma marca. Continua a ecoar na memória e no espaço. Neste sentido, o som que a Sonoscopia nos oferece é uma manifestação de algo mais profundo — uma ligação entre o que ouvimos e o que sentimos, um elo entre o tangível e o intangível.



[O Som Como Forma de Existência]

O som nunca acaba porque ele não é unicamente uma experiência auditiva, mas uma forma de existência. A Sonoscopia, na sua essência, compreende que o som é uma ferramenta para explorar o mundo, para questionar as fronteiras do que conhecemos. O som atravessa barreiras — culturais, físicas, emocionais — e cria pontes entre realidades que, à primeira vista, parecem impossíveis de unir. E neste sentido, o som torna-se uma linguagem universal, capaz de comunicar aquilo que as palavras não conseguem dizer.

O trabalho da Sonoscopia é, em grande parte, sobre este entendimento profundo do som como meio de ligação. As suas colaborações com artistas nacionais e internacionais, as residências que organizam, não são apenas intercâmbios culturais; são experiências transformadoras, onde o som se torna o ponto de convergência para diferentes formas de pensar e sentir o mundo. Ao colocar em diálogo artistas de diferentes origens e estilos, a Sonoscopia cria uma rede invisível de som que atravessa fronteiras e gera novas possibilidades.

[Um Som Para o Futuro]

Mas o som não vive apenas no presente. Ele aponta para o futuro. Na Sonoscopia, cada concerto, cada workshop, cada colaboração é um acto de antecipação, uma tentativa de imaginar o que o som pode ser no “amanhã”. Como é que vamos ouvir daqui a cinquenta anos? Que formas de música, de som, de ruído, ainda estão por inventar? A Sonoscopia não tem as respostas, mas oferece um espaço para essas perguntas. E, mais importante, oferece um espaço para experimentar essas respostas, mesmo que sejam incompletas, temporárias, provisórias.

Os instrumentos invulgares que se constroem nos workshops da Sonoscopia são um exemplo claro disso. Eles não são apenas objectos curiosos; são ferramentas para explorar novas formas de produzir som, novas maneiras de escutar o mundo. Esses instrumentos desafiam as normas da música tradicional e convidam os participantes a pensar o som de maneira diferente, a partir da sua construção. Ao tocar neles, ao ouvir os sons que produzem, estamos a entrar num futuro ainda por escrever, onde o som se liberta das convenções e se transforma numa linguagem completamente nova.

[Uma Comunidade de Som]

O som na Sonoscopia também é um fenómeno comunitário. O público que participa nas suas actividades não é um mero ouvinte passivo; é parte activa de uma rede de escuta. Ao longo dos anos, a Sonoscopia construiu uma comunidade que se define pela vontade de ouvir e experimentar, de se envolver profundamente com o som. Esta comunidade, formada por músicos, artistas, investigadores e ouvintes curiosos, transcende o simples consumo de música. Ela envolve-se activamente num processo de co-criação e exploração sonora, onde cada membro contribui com a sua sensibilidade e visão. Mais do que um público, é uma rede viva que partilha experiências, desafia limites e se deixa transformar pelo poder do som. Esta comunidade de escuta activa torna-se cúmplice na criação de novos horizontes sonoros, onde o som é uma linguagem em constante evolução, uma força que une e transforma, criando uma ressonância que continua a ecoar para além de qualquer performance ou evento.

Na Sonoscopia, cada evento é uma oportunidade para expandir essa rede, para criar novos laços através do som e das suas infinitas possibilidades. O público e os artistas, numa troca dinâmica, constroem juntos o que virá a ser ouvido e sentido. Assim o som nunca acaba, porque vive em cada um dos que participam desta jornada sonora, espalhando-se de forma invisível e criando uma comunidade que ouve, cria e transforma, numa contínua sinfonia colectiva que nunca chega a um fim.

E, ao longo do tempo, essa exposição contínua transforma a forma como ouvimos. O som torna-se uma experiência mais rica, mais complexa, mais profunda. E é essa transformação que nunca acaba. O som, tal como a Sonoscopia o entende, é um processo contínuo de educação, de revelação, de descoberta.

[O Som Infinito]

Na Sonoscopia, o som não se limita ao presente. Ele projecta-se no futuro, apontando para novas possibilidades de audição e criação. Os instrumentos invulgares construídos nos workshops da associação são um exemplo claro dessa projecção. Não se trata apenas de objectos curiosos; são ferramentas para explorar novas formas de produzir som e, ao mesmo tempo, novas formas de o ouvir. Cada instrumento, com a sua singularidade, desafia as normas da música tradicional e convida-nos a imaginar o que o som pode vir a ser.    

Este gesto de antecipação está presente em todos os aspectos do trabalho da Sonoscopia. E embora as respostas possam ser provisórias, o importante é que a pergunta continua viva, impulsionando novas criações, novas formas de pensar e de sentir o som.

O som nunca acaba porque ele além de ser uma vibração no ar, é uma ferramenta de transformação. A Sonoscopia compreende o som como uma forma de expandir a percepção, de desafiar fronteiras e normas. O som é capaz de atravessar barreiras invisíveis, conectando pessoas e ideias que, à primeira vista, parecem distantes. É neste poder de ligação que reside o potencial transformador do som. E a Sonoscopia explora precisamente este potencial, oferecendo um espaço onde o som se torna um meio de questionar e reimaginar o mundo.

Os músicos e artistas que passam pela Sonoscopia não estão apenas a criar para o momento; eles estão a contribuir para uma sinfonia contínua, uma obra que nunca termina. As suas criações, muitas vezes fruto de colaborações improvisadas e experimentações, são uma parte deste todo em expansão. Cada nota, cada ruído, cada pausa é uma contribuição para uma conversa mais ampla sobre o que o som pode ser, sobre o que ele nos pode revelar.

O som que começa na Sonoscopia nunca acaba. Ele atravessa o tempo, passa de um músico para outro, de um ouvinte para outro, de uma cidade para outra. O Porto tornou-se um epicentro deste movimento sonoro, mas os ecos propagam-se muito além. A Sonoscopia, com a sua visão única e inovadora, tornou-se uma referência incontornável para quem se interessa por música experimental e pela exploração do som em todas as suas formas.

O seu trabalho, embora enraizado no local, tem uma ambição global. Cada evento, cada publicação, cada colaboração é uma peça de um puzzle maior, uma parte de uma sinfonia que continua a ser escrita. E como qualquer grande obra, essa sinfonia nunca estará completa. Porque o som nunca se esgota, nunca se encerra. Ele continua, mesmo depois do silêncio, mesmo depois de a última nota ter sido tocada.

A Sonoscopia mostrou-nos que o som não tem fim. E, ao fazê-lo, abriu-nos os ouvidos para novas possibilidades, novos futuros. O som que nunca acaba é, no fundo, o som do futuro. Um futuro onde a escuta se torna uma forma de existência, uma maneira de nos ligarmos ao mundo e uns aos outros, numa ressonância infinita.


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