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Fotografia: Beatriz Santos
Publicado a: 09/03/2019

40 artistas a representar 25 anos de história do rap em Portugal, no palco da Altice Arena.

A noite em que a bandeira do hip hop tuga foi hasteada na maior sala de espectáculos do país

Fotografia: Beatriz Santos
Publicado a: 09/03/2019

Uau. Ainda estamos a digerir o que aconteceu na noite desta sexta-feira, 8 de Março, na Altice Arena, em Lisboa. Vimos história a acontecer à nossa frente. Vimos união. Vimos as quatro vertentes da cultura hip hop em Portugal reunidas na maior sala de espectáculos do país. Vimos Porto, Lisboa e o Algarve no mesmo palco. Não houve trap nem boom bap, apenas rap português.

Depois de funcionar como formato especial no Sumol Summer Fest, A História do Hip Hop Tugaestreou-se em nome próprio na Altice Arena. O mote era simples: 40 nomes a representar 25 anos de história do rap em Portugal. Quem assistiu ao espectáculo no festival na Ericeira já sabia como a coisa iria funcionar: o concerto desenrolou-se de forma cronológica.

1994 foi o ano em que foram editados os primeiros álbuns de rap em Portugal — e o ano por que começou esta grande celebração da cultura no antigo Pavilhão Atlântico. O primeiro rapper português (pelo menos o primeiro a ter um disco) foi quem abriu as hostes da noite. General D, herói do Miratejo, interpretou o seu eterno clássico “Black Magic Woman”, acompanhado por Sam, que canta o refrão e nos fez lembrar que Samuel Mira não foi o primeiro Sam a marcar o rap nacional.

Se a Altice Arena, por muito icónica que seja, está longe de ter as melhores condições de som, pelo menos a sala permitiu que existisse uma óptima disposição de palco. Ao centro, uma cabine de DJ elevada, com dois painéis de cada lado que mostravam o ano em que estávamos naquela viagem pela história do hip hop tuga. De cada lado do palco, duas telas enormes iluminadas que foram pintadas ao longo das quase quatro horas que durou esta noite. Os históricos writers YouthOne e Nomen, de Carcavelos, fizeram duas peças incríveis ao longo do concerto.

Com duas telas de lado e uma cabine de DJ elevada na retaguarda, onde houve mais movimento foi na frente (e nas laterais) do palco. Os rappers sucederam-se uns aos outros, single após single, ano após ano, e não vale a pena estar a enumerar de forma cronológica cada um.

O mesmo público que aplaudiu o primeiro grande hit do hip hop tuga, “Nadar”, dos Black Company, foi quem no final vibrou com os singles de Dillaz, Piruka, Bispo, Holly Hood, Wet Bed Gang ou ProfJam. O mesmo público que abraçou as rimas conscientes de Chullage ou dos Dealema foi quem iluminou a Altice Arena para ouvir os temas sobre amor dos GROGNation ou de Bob da Rage Sense. O mesmo público que ouviu a guerrilha cor-de-rosa comandada por Capicua foi quem ouviu os sons do underground de Blasph & Sanryse, dos históricos Micro ou as viagens mais introspectivas pela poesia de Nerve, Virtus e Keso.

Tanto havia miúdos adolescentes como jovens adultos e fãs na casa dos 30 (ou mais) anos. O hip hop tuga é de todos e, como Boss AC fez questão de frisar, o interesse tem sido renovado geração após geração, literalmente de pais para filhos. A sala não estava esgotada, mas bastante bem composta.

Entre os melhores momentos da noite — à parte do entusiasmo em torno dos hits mais recentes que figuram nas tendências do YouTube — estão a incrível entrada de Sam The Kid em palco para interpretar “Não Percebes”, um dos maiores hinos do rap nacional. Nos ecrãs gigantes vimos Samuel Mira no meio do público, rodeado por dois seguranças, enquanto o ídolo de Chelas caminhava pela plateia da Altice Arena a rimar, embrulhado no meio da multidão que sorria, tirava fotos e aplaudia, até chegar ao palco. Foi marcante.

A performance de beatbox de SP Deville e Wilson foi outro dos momentos mais vibrantes desta noite. O beatbox é uma vertente a valorizar da cultura hip hop e faria sentido estar representada na Altice Arena por dois dos mais criativos e talentosos a fazê-lo.

E uma das canções mais aclamadas, ali a meio do alinhamento, foi “Hip Hop (Sou Eu e És Tu)”, de Boss AC. O público cantou pelo “breakdance, graffiti, DJ, MC, beatbox, streetwear, rimar no MIC” que tão bem simboliza aquela noite. A performance de “Tendências”, de Sir Scratch, com Sam The Kid na MPC, foi outro momento alto.

Quase todos os intervenientes, dos mais veteranos aos mais novos, falaram da importância daquele momento e pediram aplausos pelos colegas que naquela altura estavam nos bastidores da Altice Arena.

Como forma de colmatar a inevitável ausência de vários nomes que podemos considerar relevantes para a história do hip hop nacional, a organização do evento foi exibindo, nalgumas pausas de actuações, imagens e excertos de músicas de alguns desses artistas, fossem rappers, bboys, DJs ou writers. Uma voz off ajudava a contextualizar tudo.

Num evento que tem um título com esta responsabilidade — mesmo que seja uma iniciativa comercial e artística e não um livro de história ou um artigo académico e científico — é natural que surjam (e surgiram ao longo dos últimos meses) críticas sobre a ausência — e presença — de determinados nomes.

Uma das principais críticas teve a ver com a pouca presença de mulheres no cartaz, ainda por cima quando o evento aconteceu a 8 de Março, no Dia Internacional da Mulher. Capicua foi a única rapper a actuar e a representar o hip hop tuga feminino, mas levou consigo a muito aplaudida M7, Eva Rap Diva e Tamin. O evento dedicou um dos tais espaços de homenagem aos que não estavam ali presentes exclusivamente às rappers, DJs, writers e bgirls que marcaram a história do hip hop português. Apesar de serem referidos vários nomes do rap crioulo, o único que actuou foi o enérgico Vado Mas Ki Ás.

O espetáculo não era fácil de concretizar — e foi feito de uma forma sublime e sem falhas. Afinal, foram praticamente quatro horas com rappers sempre a sair e a entrar no palco — além das maravilhosas actuações de breakdance dos Gaiolin City Breakers e dos 12 Makakos, que animaram a plateia — sem qualquer pausa desconfortável ou momento aborrecido. Foi um único concerto e não uma série de mini-actuações de seguida em que se perdia o entusiasmo de cada vez que alguém saía do palco. Isso é de louvar. O alinhamento foi bem pensado e atrás dos MCs os DJs (em menor número) tiveram um papel vital nisso e também foram rodando. Essa missão essencial coube aos históricos e talentosos Bomberjack, Kronic, Nel’Assassin e Cruzfader.

Há nomes óbvios que deveriam ter estado no cartaz e que só podemos imaginar que terão recebido convites mas que não devem ter querido fazer parte deste evento. É natural que nem todos os fãs ou artistas de hip hop em Portugal se tenham identificado com esta História do Hip Hop Tuga — mas é estranho que nomes como Valete, Regula ou Slow J tenham passado completamente ao lado, sem qualquer menção. Isto sem referir outros mais recentes e porventura mais alternativos que também pudessem ter estado representados. Há ainda o caso de NGA, que foi anunciado no cartaz mas não esteve presente na noite de ontem. Mas, tal como disse, definir um cartaz destes é uma tarefa difícil e, muitas vezes, ingrata.

O que importa é que vamos recordar a noite de ontem como um marco histórico, em que o grande cabeça de cartaz da maior sala de espectáculos do país não foi este ou aquele rapper específico, mas sim o hip hop tuga. Essa bandeira foi hasteada bem alto ontem. E isso é bonito — e muito importante. Temos a certeza de que haverá outras edições para convidar outros nomes que possam ter faltado desta vez. Saímos de coração cheio. E nunca se esqueçam: hip hop sou eu e és tu. Somos todos nós que contribuímos para esta história ao longo dos anos — história essa que continua a ser escrita (e bem) todos os dias. E que merece ser celebrada mais vezes.


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