Pontos-de-Vista

Vítor Rua

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Em contramão.

A nave “IGOR” beijou languidamente a superfície do planeta “CCB”

O oiro do rio cravejava em mil estrelas o firmamento da ramagem; ruídos de vento solar agitavam os anéis refulgentes da água, argênteos cometas sopravam nas uníssonos do veludo das folhas.

Cada cintilação era relativa a um som de flauta específico no radar mental.

Muito longe, a neblina de Betelgeuse, quase uma “Ópera” ruidosa; além, Aldebaran, mais próxima e intensa, chispando clusters; com um evento fantástico, a fosforescente Alfa Centauri; deleitou-se com a energia sónica de um Barítono radioforme do frutedo de Cassiopeia; mini-relâmpagos de “Strange Smoke” alumiavam o líquido Orion num som estrídulo percussivo/repetitivo e contínuo de “Over My Skin”.

Ouvia-se o chocalhar do rio na sua curva de Via Láctea, rasgando a vegetação atonal; a nebulosa magalhânica das copas; o estampido duma super nova ofuscante; seguiu-se um vazio silêncio que cegava… depois… misticamente… glissando e, súbita agitação das folhas de luz e som, prenhes de seiva.

Ouviu-se uma gama entre sons infra — guitarra baixo — e ultra — guitarra eléctrica –, raios resplandecentes “C”, impulsos sonoros analógicos variáveis, cordas eléctricas sibilantes.

Na perspectiva textural, uma corola, Tau Ceti, roçava tarolas em elipses as pétalas de Andrómeda; pressentiu-se o explodir microacústico dum planetóide alojado numa semente; a queda asa delta amarela dum meteoro arpejado vindo do topo da árvore dissonante que ao poisar no solo levantou poeira sideral.

O concreto e o imaginário; mais longe até a vista ficar louca de som imenso: o Sol, que naquela noite embebedava de radiações audioextravagantes… e nos confins da Galáxia, entre os sons da Natureza – uma melodia arcaica de um Ensemble Bizarro Musical a esvair-se…

“Música!”- o Humano não estava só no Universo…

Desde há décadas que colegas músicos me convidam para ir assistir a concertos da chamada Música Contemporânea de tradição Clássica, para ir escutar, por exemplo, os quartetos de cordas de um Pascal Dusapin, ou uma orquestra a interpretar um Henri Dutilleux, ou dois compositores que eu adoro como o Helmut Lachenmann ou Salvatore Sciarrino, e eu, quase sistematicamente lhes respondo que não vou e que já dei para esse peditório, pois para ver um grupo de indivíduos vestidos de smoking parados de pé ou sentados a tocarem, geralmente sem amplificação, numa sala grande, com um maestro a dirigir, e a ouvirmos as tosses do público e o virar das páginas dos programas, prefiro ficar em casa a escutar no meu computador com os meus auscultadores, sentado confortavelmente a ver imagens do Espaço ou da Natureza e a beber um chá.

Isto para referir que esta tipologia musical, muitas vezes e pretensiosamente intitulada de música “erudita”, parece a maior parte das vezes ser pouco “contemporânea”, e de erudita tem a chatice e aborrecimento de a escutarmos, interpretada por uma espécie de manequins-sem-vida, sob uma luz sem estética ou qualquer arte, e quase sempre sem amplificação.

Música geralmente sem emoção, sem força, sem qualquer relação com a sociedade dromológica em que vivemos, e sem ter atenção à importância que todos nós damos, na actualidade, à componente visual.

Vem isto a propósito do espectáculo no CCB, intitulado Strange Smoke Over My Skin, do jovem compositor Igor C Silva, um cometa da Nova Música a nível internacional.

Nascido no Porto e a residir na Holanda, Igor dedica-se à criação de obras multimédia, com performance, coreografia, encenação, luminotecnia, vídeo, tudo integrado como num Teatro Musical (nome criado pelo compositor Mauricio Kagel), pequenas e grandes óperas, de uma beleza, originalidade e rigor únicos.

Assistir a um concerto de Igor C Silva é uma Viagem no Tempo, com paragens em variegados estilos musicais, do rock ao jazz e ao free jazz, da música concreta à electrónica, passagens subliminais de paisagens espectrais até à música dita improvisação total, mas tudo dentro de uma linguagem que é muito própria do compositor.

Esqueçam o que pensam como é assistir a um concerto de música contemporânea. O mais similar que temos com este show, quer visual quer musicalmente, são os concertos rock art/free jazz/total improvisation multimédia.

Em palco estão seis músicos, que são simultaneamente intérpretes, improvisadores e performers, tocando flauta baixo, saxofone barítono, violoncelo, guitarra eléctrica, guitarra baixo, bateria e percussão, e um maestro/performer, que tem nos pulsos de cada braço sensores que interagem com o som pré-gravado, ou faz disparar novos sons, e cujos gestos, são mais de uma coreografia de dança, do que propriamente gestos com a intencionalidade de dirigir alguém, mas isso também acontece.

A luminotecnia e o som são miméticos. Interagem em interdependência. Com um rigor de um relógio suíço.

A música de Igor é facilmente reconhecida, pois tem uma gramática que lhe é idiossincrática.

Usa sons concretos como o som de um scanner, ou máquinas fabris, ruídos percussivos, ruído branco, rosa, vermelho, e todos estes sons, levam um tratamento granular, dando-lhe um timbre da música glitch.

Os sons, sejam os sons do suporte digital, sejam os sons produzidos pelos músicos em palco, parecem padecer de uma gaguez digital. Sons que ficam presos e se arrastam no tempo com aparente dificuldade, mas sempre com uma noção temporal preciosa de onde devem iniciar, repousar e terminar.

Visualmente tudo é impressionante: o já referido rigor com que a luz e o som dependem cada um de si, os figurinos dos músicos/performers, e a coreografia que faz com que o palco esteja sempre vazio ou cheio de instrumentos musicais, pois estes são transportados pelos próprios músicos que os usam como pedaços cenográficos, criando coreografias de rara beleza.

A peça parece não ter início (apenas começa), e não ter fim (apenas termina).

A cada módulo musical performático, segue um outro e um outro, encadeados com destreza notacional, e com um lirismo radioso.

A simplicidade gera complexidade.

A obra Strange Smoke Over My Skin de Igor C Silva é uma lufada de ar fresco, num estilo musical cada vez mais bolorento e pretensioso.


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