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Não é fácil entrar dentro de Watch The Throne. Ouvi-lo é como tentar nadar numa piscina de geleia – luta-se para se avançar, mas aprecia-se o sabor do que nos rodeia. Jigga e Ye estão em topo de forma, mas essa é uma condição habitual, sobretudo para Kanye que tem sido mais prolífico – cinco álbuns desde 2004, contra apenas três de Jay-Z – e que no final do ano passado deixou a fasquia elevadíssima com o incrível My Dark Twisted Fantasy. Mas WTT é outra coisa. Quando se anunciou esta colaboração, seria lícito pensar num álbum produzido mais numa sala de reunião e negociado pelos respectivos managers, mas Jay e Kanye estiveram sempre juntos em estúdio e percebe-se ao longo destas 16 faixas que o segredo da força deste trabalho está precisamente na troca de energia que acontece entre os dois rappers: há rimas para todas as formas e feitios, com cada um dos MCs a encarregar-se dos 16 compassos da praxe ou a trocarem linhas como se fossem duas faces de uma mesma moeda. Não são.
Jigga e Ye surgem como iguais e claro que gastam boa parte do tempo a enumerar marcas de estatuto e a descrever os contornos do seu incrível sucesso (ou como citar Mark Rothko numa letra de rap). Jay-Z dispara em “Ni**as in Paris” que é “Michael” e que dá para escolher o apelido – “Jackson, Tyson, Jordan – Game 6”. Jay não se contenta com a grandeza e aponta a escala do mito: Michael Jordan na final de 98 da NBA quando deu a vitória aos Bulls no Jogo 6, a cinco segundos do final. Kanye também calçou as luvas de Michael na apresentação de MBDTF, mas aqui parece mais interessado em mostrar que é humano e garante que não vai permitir que o seu filho cresça com um ego… Yeah, right…
Musicalmente, WTT é um caleidoscópio: múltiplos produtores a representarem todas as escolas – de RZA e Pete Rock a Swizz Beats, Neptunes, Q-Tip ou Lex Luger. O que garante uma viagem onde samples clássicos de Otis Redding, Nina Simone, James Brown e Curtis Mayfield surgem lado a lado com reinvenções de músicas recentes de Cassius ou Flux Pavillion. Pisca-se o olho à energia do dubstep, recruta-se Frank Ocean na mesma Odd Future que nos deu Tyler, The Creator, até se atiram três minutos de silêncio para o intro de “Illest Motherf**ker Alive”. Jay e Kanye quiseram experimentar, descer do pedestal para observar o que movimenta as ruas. E fizeram tudo isso sem nunca perderem de vista o trono, cruzando retratos de champagne e altas cilindradas com provas de humanidade e sensibilidade, sabendo que o hip hop ainda é acerca de cuspir a rima certa no momento certo.
*Texto originalmente publicado na Blitz.