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Publicado a: 05/11/2016

7 momentos que fazem da Stones Throw uma das mais reputadas editoras do planeta hip hop

Publicado a: 05/11/2016

[TEXTO] Alexandre Ribeiro [FOTO] Direitos Reservados

 

A Stones Throw Records está a festejar o 20º aniversário da sua fundação em 2016 e o Rimas e Batidas aproveita a ocasião para agradecer o excelente trabalho que têm feito pela cultura hip hop. Recuperamos assim o artigo lançado a propósito dos 12 anos passados desde a edição de Big Shots. Basta ouvirmos o recentemente lançado Yes Lawd! para comprovar que a editora está melhor que nunca. Parabéns, Stones Throw!

 

Foi há precisamente 12 anos que Charizma e Peanut Butter Wolf, amigos de longa data que cresceram juntos no exotismo cultural da Califórnia, editaram o seu primeiro e único álbum conjunto: Big Shots. Mas não se percam nas datas: Charizma faleceu a 16 de Dezembro de 1993, pelo que o registo é póstumo. Ainda assim, são 15 faixas que estão carregadas de um significado maior: foram editadas com o selo que tanto Wolf e Charizma sonharam fundar ao longo de 20 anos de amizade.

O ano de nascimento da Stones Throw reporta-se, certamente nos registos fiscais norte-americanos, a 1996. Contudo, os livros de história situam a génese do selo alternativo da West Coast uns bons anos antes, quando Wolf e Charizma coleccionavam cassetes e gravavam as suas próprias explorações nas rimas.

Hoje, podemos considerar a Stones Throw um império. Não no sentido comercial da nomenclatura, mas na sua reverência e reputação nos circuitos alternativos e underground do hip hop a nível global. É uma editora sofisticada cuja aposta nos artistas segue uma ideia simples e poderosa: liberdade absoluta de expressão artística. Um ideal honesto para uma editora que, segundo palavras recentes de Peanut Butter Wolf, um dia vai acabar.

Para assinalar o dia em que os dois fundadores (vamos considerar aqui o Charizma uma figura tão importante quanto Wolf no nascimento da STR) lançaram o disco colaborativo que sempre desejaram, passamos em revista 7 momentos soltos que fazem da Stones Throw um santuário do hip hop – e neo-derivados – global.

 


[O INÍCIO DE UMA EDITORA DIFERENTE]

Chris Manak, mais conhecido por Peanut Butter Wolf, é o mentor por trás de todo o aglomerado de música, álbuns e artistas que vão surgindo através da Stones Throw. Mas o caminho da editora nem sempre se fez em linha recta. Teve desvios, contra-tempos e morte. Peanut nunca desistiu e trilhou o seu sinuoso caminho com um objectivo em mente: dar voz à música underground que admirava. A oportunidade de criar uma plataforma que dava espaço às idiossincrasias de cada um, que eram vistas sempre como mais-valias, foi o principal impulso da criação de uma discografia tão diversificada e imponente. Foi assim que surgiu uma das forças-motriz da música marginalizada – hip hop, reggae, dub e o funk são géneros que estão presentes – numa tentativa clara de glorificar os géneros que foram ficando escondidos devido a racismo, falta de credibilidade musical, etc..

A morte foi o impulso negativo que levou à criação de algo bastante positivo. A fundação da editora localizada em Los Angeles adveio da necessidade de lançar os álbuns que Peanut Butter Wolf criou com Charizma, rapper com quem colaborava e que acabou por falecer pouco tempo depois dum contrato falhado com a Hollywood Basic, subsidiária da Hollywood Records com especial atenção para o hip hop. Desde o início, o mote foi lançar o que era relevante a nível artístico, extravasando todas as barreiras e limites que fossem possíveis.

 



Compreender a dimensão da Stones Throw pode parecer, a princípio, difícil mas, quando se procura nas entrelinhas, não demoram a aparecer razões/artistas que foram inspirados pelo seu catálogo. O documentário Our Vinyl Weighs Ton tem a presença de autênticos monstros de hip hop como o megalómano Kanye West, o fundador da Brainfeeder, Flying Lotus, o baterista dos The Roots, QuestLove, o recentemente oscarizado Common ou os membros Odd Future Earl Sweatshirt e Tyler, The Creator. A liberdade artística é um princípio, que embora devesse ser prioritário na criação, vai-se perdendo no meio das amarras comerciais. Os artistas atrás mencionados tiveram a sorte de, por diferentes razões, conseguir conquistar a pulso essa liberdade. A Stones Throw é fiel à arte, dá viabilidade comercial ao “produto” e basta olhar para o calendário de eventos no site da editora para perceber que já não existe mais espaço para ser coberto. Madvillainy, Donuts e as explorações de Madlib são os filhos de uma relação entre o espaço sideral e o planeta Terra. E foi assim que, em 1996, nasceu o selo discográfico que abalou os pilares do mainstream, através do subsolo.

 

[MADLIB, O CIENTISTA LOUCO]

Mil personas, mil caras e mil e um samples. A expressão criativa no seu apogeu é o único guia de Madlib, mestre com maior representação no catálogo da Stones Throw. Otis Jackson Jr., nome de nascimento, foi criado em Oxnard, Califórnia e é DJ, produtor e rapper. O irmão mais velho de Oh No, produtor que também está associado à Stones Throw, é obcecado pela experimentação e percebe-se a sua obsessão pelo hip hop e jazz, géneros que permitem a procura pela inovação e a junção de estilos que para outros não faria sentido.

Os Lootpack , composto pelo trio Wildchild, DJ Romes e Madlib, foram o princípio de uma relação editorial perfeita com a Stones Throw. Lançaram apenas Soundpieces: Da Antidote, mas isso foi só o início da erupção dum vulcão chamado Madlib, responsável por expedições laboratoriais de alto risco. Os Yesterdays New Quintet são delírio jazz com o cérebro de Madlib a dividir-se numa big band e Quasimoto assume-se como a face “drogada” do produtor que, com esse alter-ego, lançou um dos melhores álbuns que o underground testemunhou, The Unseen. O seu apetite é voraz no que toca ao diggin’ e já disse várias vezes que “não existe sample que não seja possível de trabalhar”.

 


https://www.youtube.com/watch?v=Z73FthAvt34

 


O Beat Konducta é, em todos os seus volumes, uma ode ao sample exótico. Os seis volumes produzidos até agora vão de Bollywood a homenagens a J Dilla. Com o jazz no sangue, a Blue Note, gigante editora do género que imortalizou John Coltrane ou Miles Davis, deixou o super produtor entrar nos seus arquivos e fazer uma excelente homenagem a músicas de Herbie Hancock, Donald Byrd, entre outros.

Sempre envolvido em algum mistério, Madlib já deu algumas entrevistas interessantes e que ajudam a desvendar o pouco da sua personalidade. Numa lecture no Brasil, a propósito do Red Bull Music Academy, o produtor falou sobre a influência que Sun Ra teve nele. Numa passagem pela Radio France voltou a falar no artista e percebe-se que a transcendência do músico interferiu directamente na forma como Madlib vê e faz música. Nessa mesma entrevista chama a J Dilla o Coltrane do hip hop. Se Sun Ra era a ligação do ex-Lootpack com o cosmos, J Dilla era o seu guia na transformação da máquina em algo humano.

 

[JAYLIB E OS DONUTS]

Madlib precisava de um parceiro de laboratório? Não. Ele existia? Sim. James Yancey, mais conhecido por Jay Dilla ou Jay Dee, era a outra metade de Lord Quas. Os Slum Village foram o ponto de partida, tendo chamado a atenção de Q-Tip aquando do lançamento de Fantastic Vol. 1. O super produtor já tinha um cartório notável quando encontrou o produtor de L.A,, tendo produzido para Janet Jackson, Common, Erykah Badu, De La Soul, entre outros. A maneira metódica como abordava o sample e tirava partido do mesmo sem medos nem barreiras era o motivo do entusiasmo à sua volta. A chegada a Los Angeles e o encontro com Madlib foi como juntar as únicas duas peças dum puzzle.

Nem em Champion Sound, álbum de colaboração entre os dois cientistas de estúdio, a novidade parou. A probabilidade de o álbum ser uma abordagem a dois do sampler acabou por ser defraudada. Jay Dilla criou os beats e Madlib rimou e vice-versa. Champion Sound acabou por ser surpreendente pela fluidez lírica que ambos apresentam – não eram conhecidos pelas suas fantásticas performances a rimar. “Madlib and Dilla’s the illest my nigga”. A mudança para L.A. não demoraria e foi o que despoletou a sua obra-prima. A diferença entre Jay Dee e os outros produtores é a procura da verdade através da batida. No livro da série 33 1/3 sobre o álbum Donuts, J Dilla disse: “I used to listen to records and actually, I wouldn’t say look for mistakes but when I hear mistakes in records it was exciting for me. Like, “Damn, the drummer missed the beat in that shit. The guitar went off key for a second.” I try to do that in my music a little bit, try to have that live feel a little bit to it”.

A morte voltou a cercar a editora e levou alguém que que já tinha uma batida planeada até ao mais ínfimo pormenor na sua cabeça antes de começar a construí-lo com as suas próprias mãos. Três dias antes de desaparecer para sempre, a 10 de Fevereiro de 2006, vítima de uma doença rara, a sua obra-magna foi editada. Donuts não é roupa: é alta-costura musical.

 


 


[A CRIAÇÃO DE MADVILLAINY, UM MONSTRO SAGRADO DO UNDERGROUND]

A vilania não é para todos. Até porque ser vilão não parte de uma decisão pessoal, mas sim de um conjunto de factores adversos que nos vão fazendo mudar a nossa perspectiva perante a vida. O que é que isto tem a ver com música? Tudo, se falarmos de MF Doom. Daniel Dumille ficou com uma cruz pesada às costas, metaforicamente falando, quando perdeu o seu irmão e companheiro DJ Subroc. Os KMD eram um colectivo hip hop prometedor. Em 1991 lançaram Mr. Hood e preparavam-se para lançar Black Bastards quando o desastre aconteceu. Doom, na altura Zen Love X, retirou-se do universo musical e desapareceu durante vários anos. Passou a ser um degenerado, refugiou-se e emergiu com uma persona que seria impossível de derrubar – um ser ficcional que veio para atormentar os mortais. É um dos emcees mais misteriosos, diz-se que manda impostores para substitui-lo em alguns concertos e é também um dos artistas hip hop mais admirados – Tyler, The Creator e Earl Sweatshirt foram alguns dos que já mostraram admiração pelo vilão.

Numa entrevista para uma televisão holandesa, Madlib e Doom aparecem costas-com-costas a fazer diggin’ numa loja de discos. Esse momento, apesar de ser efémero, representa uma ligação preciosa. Valete dizia, em entrevista à Blitz, que a melhor rima de sempre teria que estar acompanhada do melhor beat de sempre. O Madvillainy é o casamento perfeito. A sujidade das batidas de Madlib vai ao encontro das metáforas em catadupa que Doom entrega na perfeição através dum flow irrepreensível. Sem refrões, pedaços de anúncios num corta-e-cola sem paralelo e o vilão mais temido do hip hop a demonstrar todo o seu skill: “The best emcee with no chain ya ever heard. O legado deixado pelo álbum é de um valor incomensurável e esta união é o sonho molhado de qualquer geek amante de música. Não seria de admirar que num futuro próximo esta obra recebesse tratamento académico, numa tentativa de decifrar todos os enigmas que ficaram por descobrir.

 


https://www.youtube.com/watch?v=ewc1hixzYPY

 


[ALOE BLACC, O CROSSOVER QUE ESTEVE PARA NÃO ACONTECER]

O dinheiro não traz felicidade? Só quem não o tem. Aloe Blacc nasceu no Sul da Califórnia e despertou cedo para a música. A chegada à Stones Throw parecia um casamento perfeito. O seu reportório levava-o para o hip hop, R&B e soul, géneros que iam de encontro aos gostos pessoais de Peanut Butter Wolf. Shine Through foi editado em 2006 – ano em que também saiu Donuts – e mostrava um artista que deambulava entre estilos de forma exímia. A produção do álbum ficou a cargo do próprio, tendo direito a duas faixas produzidas pelos irmãos Oh No e Madlib. Apesar de prometedor, o álbum não conquistou o público que devia. O melhor ainda estava para vir…

And if I share with you my story would you share your dollar with me?. A história da canção é sobre um sem-abrigo mas Aloe Blacc acabou por virar a sua vida do avesso quando a Stones Throw lança Good Things, álbum que abre com “I Need a Dollar”. O sucesso alavancou a sua carreira para a estratosfera e deu-lhe direito a ter um contrato com uma major. Este álbum, que teve um parto tão difícil, foi o segundo e último registo pela editora. O single foi o principal responsável: vendeu cerca de um milhão de exemplares e foi requisitado para ser o genérico de How to Make It in America, série que tinha como produtor executivo Mark Wahlberg.

O seu sucesso deveu-se muito a Egon, general manager da editora de 2000 até 2011, que teve de convencer o seu patrão que o álbum tinha valor artístico. O agora fundador da Now-Again diz em entrevista ao site Medium: “Aloe was working on the second album, a record that was all over the place like Shine Through, but didn’t have the rough, organic feel to it. It was more of a polished commercial sound, and Wolf said, Yo, this is horrible. I don’t only not want to put this record out, but I just want to get rid of him. There is no helping this guy.” I was like “Chris, that’s insane we payed half of his second advance,” which was ridiculously low, and we were broke at the time… So if you really don’t care about him that much, I’ll just go and take the remaining bit of our budget and I’ll make a record.” And that became Good Things. It took me two years to complete the record”. Um tiro no escuro acabou por ser uma aposta ganha em todas as frentes. O mediatismo adquirido não quebrou os valores que regem as escolhas de PBW e deu folgo financeiro para partilhar os projectos mais obscuros que brotavam na editora.

 



[7 DAYS OF FUNK: UM DINOSSAURO À PROCURA DE RECUPERAR CREDIBILIDADE]

Snoop Dogg já teve várias encarnações (Snoop Lion é uma das últimas a serem desvendadas) e tem estado alheado dos grandes álbuns, sendo um dos emcees que mais colaboram no mundo pop. A sua lista vai de Pharrel Williams, com quem recentemente lançou o belíssimo Bush, a Katy Perry, passando pelo português David Carreira. Dâm-Funk, produtor que destila funk por todos os poros, convidou Snoop Dogg para formar os 7 Days of Funk. O selo Stones Throw está presente e o registo acaba por trazer Snoop Dogg para perto dos malabarismos que apresentava aquando da sua estreia com Doggystyle. Neste projecto assume-se como Snoopzilla, uma homenagem ao baixista Bootsy Collins.

A magia da Stones Throw também passa muito por isto: encontrar um som antigo e dar-lhe outra vida. Snoopzilla, que andava confuso com as suas derivações reggae, lançou o álbum homónimo com Dâm-Funk e limpou um pouco a sua imagem – há quem lhe chame o maior sellout da história da música. O sangue a correr é funk e Snoop sabe muito bem como se mover nesse estilo. O seu flow meloso flui de forma perfeita através dos instrumentais concepcionados pelo produtor de Pasadena. É bom ver um autêntico monstro do hip hop a esquecer a conta bancária e a conseguir divertir-se num terreno que lhe é tão querido. Será um caso de uma noite ou teremos mais Snoop Dogg na Stones Throw?

 



[O PRESENTE E O FUTURO DA STONES THROW RECORDS]

Wolf é actualmente um homem de negócios de sucesso. Egon criou a sua editora Now-Again, Madlib também criou a Madlib Invazion (Rappcats) e a Stones Throw continua imperturbável, seguindo o seu rumo confiante e sem medo de apostar. Os seus devaneios actuais incluem reggae, disco e psicadelismo com fartura. PBW é produtor, DJ de renome e fundador de uma das maiores editoras underground do planeta. A sua necessidade de lançar projectos fez com que criasse e se ligasse a outros selos para aumentar o seu raio de acção. A Leaving Records, fundada pelo artista Matthewdavid e Jesselissa Moreletti, é, desde 2013, distribuída exclusivamente pela Stones Throw com destaque para álbuns de Ras G, mais um produtor com ligações ao espaço sideral, High Wolf – produtor experimental francês – e Trance Farmers.

A discografia da Stones Throw é cada vez mais apetecível e diversificada: Knxwledge é das mais recentes aquisições, lançando Huud Dreems com o selo da editora. Criador de batidas clássicas com uma discografia que faria suar Madlib, o produtor de Detroit é um nome em crescendo depois de participar em “Momma” de To Pimp a Butterfly, clássico instantâneo de Kendrick Lamar; Anderson .Paak faz dupla com o produtor no grupo NxWorries, prometendo batidas ardilosas e baixos gordurosos para tornar a pista escorregadia; Mayer Hawthorne é um embaixador neo-soul da editora e forma com Jake One os Tuxedo, duo com apetência para o funk e disco; James Pants continua a viver o seu sonho na Stones Throw e lançou Savage, disco que demonstra mais uma vez a abertura da editora em aceitar autênticos cientistas do som. Na linhagem de beatmakers em sintonia com o planeta, Mndsgn lançou Yawn Zen, conjunto de faixas abraçadas por um espírito de meditação com batidas etéreas e sintetizadores ligados a Marte.

As saídas de Egon e Madlib para criarem as suas próprias marcas são um ponto negativo, já que os dois eram peças importantíssimas numa família que sempre acolheu pessoas que estavam à parte, mas Peanut Butter Wolf certamente não se deixará ir abaixo. Uma passagem pelo catálogo da editora permite-nos perceber que a criação de material novo por pessoas novas não vai parar, e a qualidade também parece não diminuir. E é aqui nos aproximamos de uma verdade que parece estar entranhada na editora com sede em Los Angeles: não existe som que não possa ser mudado, não existe género que não possa ser (re)aproveitado e não existe músico que não possa ser recrutado.

 


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