Foi na sexta-feira, 9 de Fevereiro, que 6LACK apresentou o álbum Since I Have a Lover no Lisboa Ao Vivo. Perante uma sala completamente esgotada, o cantor norte-americano de 31 anos, criado em Atlanta, interpretou os temas do disco lançado há um ano mas também as canções que têm marcado o seu prolífico percurso.
Umas horas antes do concerto, o Rimas e Batidas esteve nos bastidores da sala de espectáculos de Marvila para uma conversa com 6LACK sobre o álbum, as diferentes versões editadas do projecto recorrendo à inteligência artificial e os grandes objectivos do músico para os próximos tempos.
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O álbum que estás a apresentar nesta tour, Since I Have a Lover, é, de alguma forma, mais alegre ou animador do que os teus discos anteriores. Estavas apenas a ser honesto e transparente em relação à fase da vida em que estavas?
Sim, o objectivo é ter sempre um trabalho honesto e que reflecte onde estive, onde estou ou onde é que quero estar. Por isso, acho que foi um crescimento natural de tentar perceber como contar uma melhor história. Fizemos uma coisa específica nos dois primeiros álbuns com que as pessoas se conseguem relacionar… Mas, enquanto artista, acho que a única coisa que estás encarregue de fazer enquanto estás aqui é continuar a deixar marcos. Pode não ser tão popular falar sobre outras coisas, mas eu sinto que era necessário. E tu lanças o disco e ele vai alcançar quem ele tinha de alcançar. Uma coisa que reparei enquanto fã é que cada álbum que os meus artistas favoritos fazem não é necessariamente o meu álbum favorito — tem a ver com quem és naquele determinado momento. Por isso, tens de fazer as coisas da forma como as queres fazer. E vai atingir as pessoas que precisava de atingir. Quem não atingiu, talvez elas regressem lá mais tarde. Mas as reacções nesta tour, até agora, têm sido fantásticas.
E sentes que atraíste um público diferente com este disco?
Sim, sempre que fazes algo um bocadinho diferente, é natural que novas pessoas te descubram. As pessoas que me descobriram com a “PRBLMS” não são as mesmas que me descobriram com o “Switch” e a “Pretty Little Fears”. Quando fazes algo diferente, vais sempre convidar novas pessoas a entrarem.
Este também é um álbum mais acústico. Foi algo intencional, ou aconteceu de forma espontânea durante o processo criativo?
Eu componho algumas das minhas músicas favoritas com a guitarra. Já aconteceu, nalguns momentos, noutros projectos. Mas este, mais especificamente, senti que queria ter um bom acorde de guitarra e que fosse isso a orientar a sonoridade. Foi definitivamente de propósito e divirto-me a escrever para guitarras, tanto acústicas como eléctricas.
Sentes que se conjuga bem com essa componente mais alegre?
Sim, acho que a guitarra é um instrumento lindo e quando a oiço sinto-me bem. Por isso, só queria começar por aí e ver o que é que poderíamos construir a partir disso.
Todas as canções começaram assim, à guitarra?
Nem todas, mas a maioria. A faixa que dá o título ao álbum, outras menos conhecidas como a “Testify”… Pelo menos metade delas começaram à guitarra.
E, obviamente, tinhas mais faixas durante o processo criativo que acabaram por ficar de fora do álbum. Ainda assim, ficou um álbum longo, com 19 faixas. Foi simples fazer esse processo de escolher o que entrava e o que ficava de fora?
Escolher é sempre a parte mais difícil do processo. Mas não foi muito mau. Eu sinto que faço sempre umas quantas canções e a partir do momento em que começamos a escolher as nossas favoritas então sabemos que estamos bem, porque esses são problemas bons para se ter. Olhar para as canções e pensar: qual destas é que podemos abdicar ou qual destas é que podemos não precisar? Mas foi tranquilo, poderia ter sido mais duro.
E como é que se escolhe um alinhamento, a ordem das faixas, num disco como este, com tantas canções?
É muito por feeling. Que sentimento é que queres transmitir às pessoas e qual é a ordem em que queres que elas sintam certas coisas. Para mim foi estabelecer uma vibe desde o início e montar o cenário narrativo com a intro, que faz uma espécie de timelapse sobre tudo o que aconteceu nos últimos cinco ou seis anos…
E o disco também tem os interlúdios que ajudam nisso.
Exacto. E meio que sobes, e depois desces, e acho que o álbum faz um trabalho bastante bom de altos e baixos. Tem momentos grandes que são celebratórios e momentos mais introspectivos ou de solidão, e depois voltas a subir.
Trabalhaste com outros compositores e letristas neste álbum, o que é um processo criativo interessante. Como é que sentes que isso mudou a tua forma de trabalhar?
É simplesmente diferente. Sinto que sou um estudante de todas as maneiras que possa ser. Nos meus primeiros dois álbuns não trabalhei com quaisquer letristas. Por isso, foi uma transição de ritmo trabalhar com estes compositores. Acho que é algo que oferece perspectivas e ideias diferentes. Apesar de não o ter feito antes, senti que este projecto… Precisava de comunicar de formas em que talvez o meu cérebro normalmente não pense, depois pôr o meu toque e ver como fica. Aconteceu na “Rent Free”, que é uma das minhas favoritas, e é algo que se encaixa em mim, mas não foi uma ideia original minha.
Mas houve alguma mudança ao longo dos anos nesse sentido? Inicialmente, não querias trabalhar com outros artistas dessa forma?
Foi algo natural. Nunca me opus a trabalhar com outras pessoas. Eu simplesmente não me tinha deparado com ninguém que me entendesse o suficiente para escrever comigo. Houve pessoas que tentaram, pessoas que me enviaram coisas mas eu… “Deixa-me ficar na minha.” Mas depois descobri pessoas que conseguiam realmente olhar para mim e não só compreender-me e perceber aquilo de que gosto, mas também fazer aquilo de que eles gostam. E acho que o equilíbrio de “de que é que ele gostaria? O que diria ele?” mais a questão de “vou fazer aquilo de que eu gostaria” tornou-se algo realmente bom.
Falando em colaborações, querias trabalhar com o Don Toliver há muito tempo?
Sim, o Don é um dos meus favoritos neste momento, de todos os artistas que estão por aí. Sonicamente, a música dele fica imenso no ouvido e fazer aquela música juntos… Estava definitivamente no topo da minha lista, porque ele é o meu favorito, fez alguns dos meus álbuns favoritos.
E sei que abordaste amigos que são cantores para cantarem algumas harmonias em diversas faixas do álbum. Qual é a importância desses detalhes?
Enquanto fã de música, quando estás mesmo numa vibe ou a ouvir intensamente — ou mesmo quando estás só a ouvir — acho que os easter eggs são a parte divertida da música. Quando ouves uma voz extra ou uma harmonia extra, para mim, isso é entusiasmante. Quando oiço o álbum de alguém, estou à procura das surpresas. O que está na frente é perfeito, é fixe, é o significado da canção, mas adoro os pequenos toques porque acrescenta personalidade e propósito àquilo que estás a fazer. Em todos os álbuns que fizemos, definimos como uma imensa prioridade ter pelo menos uma mulher no álbum. Mesmo que não existissem featurings, que surgissem em lugares em que fazia sentido, porque, em última análise, estou a contar histórias que são sobre elas. Por isso queremos ter essa presença o máximo possível.
Claro, faz sentido. E quando estás a escrever ou a produzir a canção, vais sentindo que pede a presença de uma voz feminina?
Sim, sentes que falta algo e, felizmente, conheço uma boa quantidade de gente a quem posso ligar… Pode ser a India Shawn, a Mereba, a QUIN… Digo-lhes: “Isto é o que tenho agora, mas podia ficar um pouco melhor.” E resulta.
Este álbum também gerou uma nova vida de uma forma muito particular, através da parceria que fizeste com a Endel, uma empresa especializada em inteligência artificial. O que te atraiu para quereres lançar o álbum de formas diferentes, o que te levou a quereres explorar esta abordagem?
Acho que onde tenho estado no último par de anos… Tenho estado mais consciente sobre a saúde, por isso ao fazer o álbum questionei-me sobre o que mais poderíamos fazer em torno da música, além de fazer uma edição deluxe ou outros formatos tradicionais, como é que poderíamos ser criativos… E uma das ideias que surgiram foi fazer um álbum para dormir e pegar nesta música que já é feita para te fazer sentir bem e pô-la num formato que te ajude a descansar. Tem sido útil e é a única razão pela qual eu quereria ter feito isto.
Como foi para ti ouvir aquelas versões diferentes do álbum?
Eu durmo a ouvir-las, sempre que preciso! A minha filha também. Fizemos um evento em Los Angeles em que convidámos as pessoas a ouvir e foi uma experiência de listening party muito diferente, porque normalmente queres que as pessoas interajam, e ali no final eram só pessoas a acordar. “OK, isto funciona!”
E sentes que estas versões do disco são uma forma de contribuíres directamente para a saúde mental dos ouvintes?
Sim, absolutamente. Acho que, como músicos, há uma responsabilidade subjacente de não só tomares conta de ti próprio, mas tomares conta das pessoas à tua volta e das pessoas que estão a ouvir. É só algo de que gosto. Se estou a fazer música, se estou a falar para as pessoas, se elas estão a ouvir, espero que aquilo que eu diga seja algo importante e bom.
Tem-se falado muito dos potenciais perigos da inteligência artificial para os artistas. Achas que esta é uma forma de mostrar como estas ferramentas também podem ser usadas para o bem?
Sim, claro. Acho que tudo o que for demasiado é mau. Por isso, tenho a certeza de que haverá coisas sobre as quais devemos estar preocupados, mas… é uma ferramenta. E podemos usá-las para nosso benefício. Por isso, foi divertido fazer parte de uma tecnologia… E este projecto específico acho que foi o exemplo perfeito de como é que a podemos usar para algo bom.
Desde o início da tua carreira, mostraste as tuas vulnerabilidades e expuseste os teus sentimentos, o que é normal na música R&B, mas foi fácil para ti seres assim tão transparente na tua arte? Porque, obviamente, tu também tens um rapper dentro de ti, e o rap, por mais honesto que pode ser, está mais ligado a personas e a egos.
Foi bastante fácil para mim. Sinto que nunca me expressei muito bem na minha vida normal, e foi na música que descobri que era muito mais fácil. Assim que descobri que conseguia falar um pouco melhor através da música, fui com tudo e pensei: vou falar das coisas boas, das más, sobre mim, sobre outras pessoas, sobre desgostos de amor, sobre períodos difíceis por que passei… Tem sido um óptimo veículo para eu me expressar.
Sentes que é terapêutico?
Sim, é terapia, é journaling, é uma óptima forma para reflectires sobre ti próprio.
Já disseste numa entrevista que um dia gostarias de lançar um álbum de rap a sério. Planeias fazê-lo em breve? Que tipo de disco é que tens em mente?
Tenho algumas canções que estou a considerar para esse projecto. Não sei se isso virá antes ou depois daquilo que for o meu próximo álbum… O que sair saiu. Nunca se sabe. Podes fazer uma faixa de rap amanhã, toda a gente fica entusiasmada, e de repente começas a fazer um projecto. Ou então fazes uma faixa de rap, lanças, deixas que as pessoas a tenham e voltas a fazer aquilo que te apetecer fazer no momento.
Mas sentes que é uma faceta tua que gostarias de explorar?
Sim, sem dúvida. Acho que o meu lado R&B foi expressado e explorado o suficiente.
Outro projecto que já mencionaste que gostarias de concretizar é com a tua parceira QUIN. Que tipo de projecto é que imaginas que seria?
Um projecto curto, mas muito eficaz. Não imagino que fosse um longo álbum, teria de ser doce e curto. Umas quatro canções, no máximo. Nós compomos muitos tipos diferentes de música e a música tem imensas subcategorias e géneros, mas não há como dizer como é que esse álbum seria. Pode ser música de dança, acústico, alternativo, futurista… Depende muito da visão que tivermos quando nos sentarmos para trabalhar nisso. Pode ir para todos os lados, com a nossa imaginação. A imaginação dela está algures no espaço ou no oceano, a minha está na natureza, na floresta… São tantos mundos diferentes, de infinitas ideias. Teremos de nos sentar com um moodboard para nos focarmos em algo, porque se não vamos para todo o lado.
Ao longo dos anos, Atlanta estabeleceu-se como a capital mundial do rap e influenciou toda a música urbana, tornando-se numa potência criativa global. Sentes que a era de Atlanta se vai prolongar durante muitos anos?
Sim, eu diria que sim. Acho que a cena fixe sobre Atlanta é que não tem propriamente regras quanto à música. Não há razão para que a cidade algum dia fique estagnada. Porque tu podes mesmo fazer tudo. Fomos dos Outkast para a música trap, e depois para a música snap, a música de dança, e para uma nova versão do trap, e para o R&B. Há tantas coisas diferentes que saem de Atlanta e são tantas inspirações que vai haver sempre um novo miúdo a fazer coisas novas.
Quais são as tuas ambições que ainda não concretizaste, mas que desejas muito que aconteçam?
Eu diria que gostaria de ser tão bom no que faço que poderia ensinar outras pessoas. Esse é um objectivo meu. Seja a compor, a tocar instrumentos ou na teoria musical… Quero ser mesmo bom no que faço para chegar ao ponto de poder ter uma turma e poder ensinar.
Mas de certeza que já sentes que és uma influência para os miúdos que estão a começar agora.
Sem dúvida. E acho que seria fixe ser um professor. Tenho feito a minha cena, sinto que pratiquei o suficiente na fase inicial da minha carreira para fazer aquilo que fiz até agora, mas estou num momento de olhar para frente e pensar: “o que mais posso fazer, como posso continuar a quebrar barreiras e surpreender-me a mim próprio, mas também passar essas ferramentas para outras pessoas?”