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Publicado a: 30/06/2018

5 anos de Yeezus: 5 produtores que moldaram a sonoridade do disco de Kanye West

Publicado a: 30/06/2018

[TEXTO] Vasco Completo [FOTO] Direitos Reservados

Yeezus é o álbum mais controverso de um dos artistas mais polémicos (e ousados) da nossa geração. As discussões sobre Kanye West serão sempre densas, cheias de toda uma bagagem que passa pelas questões do estrelato, do ego, da política, da cultura, da própria sanidade mental e, enfim, do que deveria ser central — a música.

Como qualquer criativo que se alimenta das ideias dos outros para moldar as suas, Yeezy desenvolveu um percurso ascendente na companhia de uma verdadeira multidão de colaboradores, fazendo-se acompanhar pela elite dos artistas da sua área. A porta esteve sempre aberta para quem tivesse algo a acrescentar.

A noção de murro no estômago a que nos remete Yeezus, álbum de carácter agressivo e megalómano, começa com a capa crítica em relação à indústria musical, capitalista na sua génese: o consumo da cultura baseado na aquisição do objecto por via, claro, de capital económico. A visão em direcção ao futuro está nos sons e na ideia de que o CD como nós o conhecemos desaparecerá. Mas calma, que isto foi em 2013: entretanto as coisas mudaram.

A sonoridade do segundo álbum mais curto de Mr. West (seria até ao lançamento de ye o seu mais curto) vai beber a correntes que não se afiguravam representadas no seu espectro sonoro inicial. Fala-se da proximidade estética dos Death Grips, mas o caos aqui é mais emocional do que sónico. Nunca tínhamos ouvido nada disto em Kanye antes. Há ligações ao monumental MBDTF, mas este é bastante mais minimalista no trabalho de sampling, e mais cru. É uma mudança relativamente abrupta desde o antecessor, amplamente considerado o expoente máximo da discografia do artista de Chicago. Também existem ligações com o uso de vocoders e o auto-tune, recursos técnicos que tanto marcam 808’s e, na verdade, toda a música pop, hip hop, r&b, por aí em diante.

Mas é nestes contornos que Kanye procura a música electrónica, o pulso da club scene europeia e a agressividade que se encontra nalguns terrenos mais exploratórios. Assim, Yeezus é marcado por colaborações já presentes no passado do produtor e rapper, como Bon Iver, Mike Dean, Noah Goldstein ou Frank Ocean, mas principalmente pelos novos recrutas, que definem a arquitectura sónica. No quinto aniversário do álbum, o Rimas e Batidas olha para cinco dos vários nomes que moldaram Yeezus. Menções honrosas para Evian Christ, Bon Iver, Young Chop e a dupla Gesaffelstein e Brodinski.

 



[Arca]

Basta ouvirmos qualquer música da sua discografia para vermos que a agressividade, a estridência e o desconforto fazem parte do imaginário musical de Alejandro Ghersi, que trabalha sob o pseudónimo Arca. Minimalista mas complexo, o artista é dotado duma identidade estilística vinda duma electrónica mais experimental e onde imperam  os graves. Além da sua discografia, que tem merecido atenção da crítica especializada e uma expansão de ouvintes relevante, o produtor já trabalhou com Björk, em Vulnicura, FKA Twigs ou Kelela… Assim faz sentido que Kanye o tenha ido buscar, certo?

O produtor venezuelano está creditado em “New Slaves”, “Hold My Liquor”, “I’m In It”, “Blood On The Leaves” e “Send It Up”, ou seja (quase) metade de Yeezus. O seu toque está espalhado pelos timbres que percorrem o disco, no horripilante dos sintetizadores distorcidos e na « sujidade » do design sonoro. Apesar de no seu trabalho podermos identificar sonoridades mais melódicas e melancólicas, como em  “Sever” ou “Else”.

Desde Yeezus, Arca tem três álbuns lançados e créditos regulares em edições de Björk : tudo indica que Arca se mantém presente na paisagem sonora de alguns dos artistas mais interessantes do presente; por outro lado, a sua discografia desenvolve-se progressivamente em quantidade e qualidade. Se Mutant o catapultou para o centro das atenções na electrónica experimental, o seu álbum homónimo apresentou ao mundo a sua própria voz, que se expressa em espanhol, e com que tentou expressar a beleza do mundo aos olhos da tristeza e sofrimento do mesmo. Apareceu com uma sonoridade bastante mais baseada na harmonia e de configuração tranquila,  com timbres que se assemelham, mas com traços de composição e ambiente que divergem.

O grafismo dos seus espectáculos e vídeos são como a música: explícita, agressiva, crua.

 



[Daft Punk]

Talvez pelo trabalho que desenvolveu no mesmo ano, a dupla francesa acaba por parecer um nome menos óbvio neste contexto particular. Mas se olharmos para trás de Random Access Memories, tudo volta a fazer sentido. Já não era a primeira vez que a relação entre os artistas rendia novo material: em “Stronger”, Kanye samplou “Harder, Better, Faster, Stronger”.

Com uma carreira já impressionante que não requer apresentações, Thomas Bangalter e Guy-Manuel de Homem-Christo deixaram o seu cunho em faixas como “On Sight”, “Black Skinhead”, ”I Am A God” e “Send It Up”. Atente-se aos pormenores: são algumas das faixas mais agressivas e centradas nos sintetizadores. Ao nível do trabalho nesse instrumento, vemos semelhanças com alguma da sonoridade patente em Homework, o disco mais cru da dupla francesa. O lado dançável do duo francês não transparece da mesma maneira com Kanye, mas a relevância do ritmo dá às duas primeiras faixas de Yeezus um groove que só aos Daft Punk podia ser pedido.

Desde a produção para Yeezy, Thomas e Guy-Manuel estiveram envolvidos com The Weeknd na produção do último álbum Starboy, aventura em que voltaram a explorar a sonoridade que caracterizou Random Access Memories — mais baseada no funk e disco dos anos 70/80 –, estratégia que elevou o espírito de Abel desde o egotrip ao optimismo dançável. Os Daft Punk puxam a vontade dos artistas em abordar o ego, aparentemente… e de dançar, claro!

 



[Hudson Mohawke]

Antes de ser um dos principais produtores de Yeezus, Ross Birchard já tinha colaborado na Cruel Summer e tinha assinado pela G.O.O.D. Music.

As suas produções atraíram Kanye pela forma como trabalha o som das drums e os sintetizadores, mas um dos seus contributos mais fortes neste disco é o sample de metais que ouvimos em “Blood On The Leaves”, que é repescado do projecto TNGHT (que mantém com Lunice), mais concretamente do tema  “R U Ready”. Ou seja, HudMo marca um dos momentos mais bem conseguidos de Yeezus ainda que só tenha créditos em “I Am a God” e “New Slaves”.

Nos TNGHT há um exacerbar do ritmo e do sintetizador pela velocidade e produção histérica, entre a EDM e o dubstep, com grandes bangers. Por outro lado, o seu álbum Lantern é mais espaçoso, mais profundo, mas sem descurar a importância da batida e das melodias rápidas baseadas numa grande variedade de timbres de sintetizador. A sua música pode soar tanto como uma boa festa, como com uma má trip. Na electrónica mais upbeat, Hudson Mohawke é dos artistas mais produtivos e dos mais requisitados, tendo feito dezenas de remixes: para a edição especial de Endtroducing, de DJ Shadow, ou para Björk – e parece haver aqui um padrão de chamar tipos que trabalham com ela –, e ainda, entre vários outros nomes, para Disclosure. Também produziu para mais álbuns de Kanye, para ANOHNI, Pusha-T ou Drake; e até assinou bandas sonoras, por exemplo para o jogo Watch Dogs 2 ou para a série Silicon Valley.

 



[Mike Dean]

Já era saliente a sua preponderância em MBDTF, mas a verdade é que Mike Dean já trabalhava com West desde Graduation. Em Yeezus está creditado como produtor ou engenheiro de som em todas as faixas. Mike Dean, o go-to producer de Kanye, também responsável pelas guitarras em “Hold My Liquor”, é o principal arquitecto da estrutura algo assimétrica daquele que é um dos discos mais desafiantes da discografia de West.

Apesar de produzir hip hop desde os anos 90, trabalhar com Kanye, claro, abriu portas e trouxe novos projectos – Dean já trabalhou com Travis Scott, Desiigner (que teve um grande co-sign de Kanye), masterizou Endless de Frank Ocean, entre outros projectos. Muito do seu trabalho centra-se em mistura e masterização, no entanto tem a sua marca em produção de artistas de primeira linha. Além dos já mencionados, tem 2Pac, Nate Dogg e UGK no seu currículo. Mais recentemente, acrescentou ainda ao seu currículo trabalho para clientes como Beyoncé, Migos, Jay-Z, além de todo o trabalho de Kanye, basicamente…

Enfim, a enumeração exaustiva serve para cimentar um facto inegável: alguma da música popular mais ouvida dos nossos dias tem mão de Dean…

 



[Rick Rubin]

Na altura do lançamento, o lendário produtor, que sempre teve um pé no metal e o outro no hip hop, falou sobre a construção de Yeezus. Habituado a conceber múltiplas ideias e arranjos para uma faixa – como é sentido no antecessor deste álbum –, Kanuye precisou que Rick Rubin o lembrasse (e bem) que se deveria dar espaço para a música respirar: em vez de pensar no que se poderia adicionar, seria bom reflectir no que poderia estar a mais e que poderia (e deveria) sair.

Dessa filosofia compreende-se bem toda a estética e produção deste disco, em que a virtude do minimalismo triunfa.

O produtor tem um dos currículos mais invejáveis para qualquer colega de profissão em ascendência ou já estabelecido. Normalmente creditado como produtor executivo, tem como fama saber puxar o melhor da execução, conceito ou sonoridade de cada artista ou grupo. Reavivou a carreira de Johnny Cash quase no fim de vida, de Eminem, produziu Metallica, Jay-Z, Red Hot Chilli Peppers, Beastie Boys, System Of a Down, Justin Timberlake…

Rubin foi também fundador da Def Jam, da American Recordings e ainda trabalhou na Columbia. Rick Rubin tem a importante característica num produtor que tem a ver com o gosto refinado, com saber curar música e potenciar, independentemente do género, uma canção. Gosta de esbater os limites entre os estilos, e principalmente de trabalhar os arranjos de maneira minimalista, tendo as faixas mais despidas. Cada produtor com as suas manias. E não sobram dúvidas de que as manias de Rubin dão bons discos…

 


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